Capítulo 99 — Prisão faz mal à saúde.
Haviam se passado cinco horas desde que o ônibus começou a seguir viagem. Santa Marília já tinha ficado para trás quando começou a tirar um cochilo, que foi interrompido por uma lombada na enorme e infindável estrada de terra na sua frente. Vendo o sentido que seguiam, Huan Shen acreditava que só faltava mais algumas horas para chegarem na penitenciária Monte Carlo.
Era uma penitenciária bem recente na região do Santo Império. Sua construção foi financiada pela família Hecathia, tornando a especialidade do lugar a contenção de indivíduos com poderes mágicos. Obviamente, isso é um ativo muito importante para o clã que tem o maior acervo de recursos místicos. Apesar da especialidade, funcionava muito bem para um presidiário normal também.
“Aquele mal-estar de mais cedo…está passando. Será que o efeito do veneno está passando? Claro! O Sangue Herético.”
Ele pensou em tentar circular um pouco de mana, mas como isso poderia chamar a atenção de alguém e isso poderia ser bem pior. Seu objetivo agora era recuperar sua condição física o mais rápido possível e fugir do ônibus.
Porém, não poderia fazer isso de qualquer jeito.
O vidro era reforçado, com grades na parte externa. Embora o revestimento interno poderia apenas parecer madeira, duas batidinhas foram o suficiente para notar a chapa de aço que ajudava a compor a carcaça. Na via das dúvidas, ainda deveria ter mais outra chapa para reforçar a primeira, considerando a intensidade do barulho do motor.
Não apenas isso, mas havia pequenas faíscas saindo das áreas em que as chapas eram soldadas, indicando que havia eletricidade sendo conduzida entre as camadas do ônibus. Era o mecanismo de defesa ideal para impedir arrombamentos na carcaça.
“Ok, vai ser difícil arrombar a carcaça. E se eu tentar forçar uma das saídas?”
Olhando ao redor, se deparou com dois soldados imperiais. Não policiais, mas sim soldados. Usavam densas couraças de couro e cota de malha, com uma espada na bainha e uma besta de mão pendurada na cintura, ao lado de uma pequena aljava com setas de carbono.
Como seu corpo ainda estava enfraquecido, os resultados da luta poderiam ser imprevisíveis, ainda mais considerando que eles estavam armados e os prisioneiros poderiam se juntar na luta. Eram variáveis muito perigosas.
De repente, um dos prisioneiros saiu da sua cadeira e se movimentou até o banco do seu lado. O emissário imediatamente ergueu uma sobrancelha, apreensivo que aquele homem estivesse sido mandado para tentar matá-lo enquanto estava fragilizado.
— O que quer que esteja pensando, não faça — disse ele. — Eles não colocam soldados nesses transportes atoa. O menor sinal de hostilidade e eles vão te cortar em três com aquela espada.
— Eu consigo me virar — respondeu.
O detento o olhou de cima a baixo.
— Éramos dez antes de você chegar. Quatro de nós pensaram a mesma coisa e se juntaram para ir em cima dos soldados. Dois deles eram quase do seu tamanho. Não duraram dez segundos, até suas entranhas estarem espalhadas por todo o ônibus.
— Usuários de aura? — perguntou Huan Shen, apontando para um dos soldados com o queixo.
— Nada dessa categoria, mas o equipamento que estão usando é de alto nível. É mais do que o suficiente para lidar com todo mundo aqui. Faça o que você quiser, mas não jogue sua vida fora por nada. Quer dizer, você meio que já jogou se tá indo para uma penitenciária, né?
“Olha esse puto…”
— Sei que pode parecer estranho, mas eu sou inocente. Pelo menos do que estão me acusando.
— Se o que diz for verdade, deve ter pisado no calo de alguém grande.
— Um playboy metido a príncipe. Fiz algumas perguntas por aí e o cara já mexeu os pauzinhos para me mandar em cana. Assassinato de um inquisidor imperial.
— Putz…você não vai ter vida fácil em Monte Carlo.
— Imaginei que não teria. Por isso eu quero cair fora daqui.
— Não acho que você vá conseguir fazer nada preso desse jeito, camarada. Aquelas bestas podem te alcançar em uma distância de até trezentos metros. Acredite, eu as vi em ação. O melhor que você pode fazer é relaxar e…
De repente, um dos soldados que estava sentado nos bancos do fundo se levantou. A princípio, Huan Shen pensou que ele iria interferir na conversa, dar algumas porradas ou movê-lo para outro lugar, mas o homem simplesmente o ignorou e foi até onde o motorista estava, junto com outro soldado.
— Isso não me parece bom — disse o prisioneiro. — O veículo está desacelerando.
Outros detentos se levantaram para ver o que era, mas um dos soldados sacou sua espada e mandou todo mundo se sentar. Embora seu elmo cobrisse sua face completamente, havia tensão em sua voz. Do lugar onde o emissário estava, não dava para ver nada, mas ao perceber que o outro soldado estava recarregando sua besta, percebeu que não era apenas uma inconveniência na estrada.
— Se prepare, as coisas podem ficar complicadas — disse Huan Shen, pondo a mão na sua corrente.
Então, o veículo finalmente parou. O motorista pegou uma escopeta debaixo do volante e a engatilhou, provando que eles nunca teriam chance se tentasse fugir pelos métodos tradicionais. Um dos soldados o acompanhou, descendo do veículo também.
— Onde está nossa escolta? — perguntou Huan Shen.
— Escolta? Não somos prisioneiros de alto risco, não é necessário escolta.
“Fudeu!”
— Então só tem eles três para fazer a segurança da viagem?
Ao falar aquilo em voz alta, todos no ônibus perceberam o quão complicado a situação estava. De repente, o vidro reforçado do para-brisa rompe e algo atravessa o corredor do veículo em alta velocidade, parando no peito do soldado.
— QUE PORRA É ESSA? — gritou um dos detentos.
O soldado olhou para o próprio peito, vendo uma flecha de madeira fincada nas profundezas da sua caixa torácica. Como se isso não bastasse, ela começou a incandescer rapidamente e a fazer um zunido estridente.
“Merda!”
Tudo que teve tempo de fazer foi puxar o detento ao seu lado para si e estender a mão, concentrando todo o resto de mana que tinha conseguido recuperar naquela pequena fração de tempo. Enquanto uma barreira frígida se formava na sua frente, a flecha atingiu seu ponto de ignição. Então, uma onda de choque estilhaçou todos os vidros, seguido de uma poderosa onda de calor cinética que estraçalhou o ônibus em uma explosão massiva.
Quando Huan Shen recuperou a consciência, seu corpo estava largado no meio de algumas árvores, na beira da estrada. Não havia sobrado nenhum fragmento congelado, devido ao calor extremo na área. Não havia uma única parte em seu corpo que não estivesse dolorida. Ao tentar se levantar, uma desagradável surpresa: uma das ferragens penetrou cerca de doze centímetros dentro do seu abdômen.
Seu corpo podia estar ardendo, mas a cada centímetro que se movia, suas entranhas pareciam estarem sendo destruídas. Sua mão esquerda trêmula segurou a ponta da ferragem, causando mais dor na região. Enquanto aquilo permanecesse ali, sua fuga seria impossível. A hemorragia dificultaria, mas ainda teria uma pequena chance de sucesso.
“Ok, respira! Vou contar até três e puxar…pronto? Três!”
Foi uma onda de torpor, seguido de uma dor esmagadora. A ferragem residia em sua mão, parcialmente ensanguentada. Um buraco em seu tórax jorrava o sangue direto no solo.
“Tomara que tenha sobrado algum medicamento intacto dentro do ônibus…senão eu tô acabado…”
Quando Huan Shen olhou para sua esquerda, o prisioneiro que estava do seu lado residia morto no chão, com o pescoço mole. Embora não fosse lamentar por um criminoso que conheceu a pouco tempo, não pôde deixar de sentir o desconforto por não ter sido capaz de salvá-lo.
— Sinto muito. Se eu sobreviver, eu volto para te enterrar apropriadamente — disse o emissário, fechando seus olhos.
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