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    Leonard bateu firmemente na porta da apoteca no meio da estrada. Embora tivesse conseguido derrotar o investigador imperial, seu corpo parecia estar pagando um preço caro por isso. Suas entranhas pareciam estar sendo reviradas, causando uma dor muscular infernal. Seus olhos outrora verdes em uma esclera branca, estavam sendo inundados em uma leitosa avermelhada.

    — MALVIUS! ABRE ESSA PORRA!

    Alguns segundos depois, o som dos ferrolhos destrancando a porta ajudaram a aliviar sua consciência. No instante em que Malvius abriu a porta, nem teve tempo de conseguir perguntar o que era. Leonard avançou para dentro do estabelecimento como um furacão, abrindo a portinhola do porão e avançando até o laboratório subterrâneo.

    — Parece que está tudo dentro do esperado — murmurou Malvius, trancando a porta.

    Quando finalmente desceu até o seu laboratório, viu seu paciente e parceiro comercial encolhido no canto da sala, suando, tremendo e sujo de sangue. Seus olhos estavam arregalados e sua pele completamente pálida.

    — Q-que porra v-você me deu, Malvius? — disse ele, balbuciando.

    O doutor o olhou de cima a baixo, vendo todas as características do seu corpo. Seu olhar impassivo e impiedoso enchia o coração de Leonard com profundo desprezo, por estar sendo tratado como um experimento. Era o custo de ter feito um acordo com o “diabo”.

    — Estenda sua mão — disse ele.

    Relutante, o jovem estendeu seu braço lentamente, revelando as veias enegrecidas em seu pulso. Malvius segurou sua mão e fez um pequeno corte com um bisturi, derramando uma porção de sangue em um recipiente.

    — Vejamos o que temos aqui — murmurou.

    O doutor levou o cadinho até a sua mesa iluminada, ansioso para ver os resultados do seu último protótipo.

    — Malvius! Eu tô morrendo aqui, porra! Me ajuda…

    — VOCÊ NÃO QUERIA PODER, RAPAZ? — respondeu, batendo na mesa de mármore. — O preço pelo poder não é barato! Se está doendo, é porque está funcionando.

    Ao lembrar que aquele homem era o único que poderia salvá-lo de se tornar uma monstruosidade, Leonard não teve escolha além de encolher a cabeça e engolir a dor que parecia estraçalhar seus músculos.

    Malvius infundiu uma parte da sua mana no cadinho, forçando-o a reagir com o sangue. Sua coloração estava mais escura e a textura viscosa. O ph tinha aumentado, tornando-o mais alcalino. Quando forçava uma divisão dentro do recipiente, o sangue rapidamente se movia para encontrar a forma mais rápida para se unir novamente. Era um poderoso princípio de regeneração.

     — Ainda falta para atingir a perfeição, mas parece funcional — murmurou.

    Como se isso não bastasse, a magia obscura presente no sangue estava consumindo o fluxo natural de magia elemental de Leonard, usando de combustível para não apenas mimetizar, mas reforçar sua potência. Naquele ponto, uma transformação corporal em pequena escala já era esperada, mas não seria o bastante para aguentar a potência daquele sangue. Era necessário algo para estabilizar.

    Felizmente, ele também já tinha se preparado para isso.

    Seus passos o guiaram até Leonard, que estava à beira de colapsar novamente. Seus olhos se cruzaram, como um encontro entre o desejo e a satisfação. Malvius retirou do bolso uma pílula prateada e colocou nas mãos do jovem.

    — Graças ao que você me trouxe ontem, eu pude aperfeiçoar a minha fórmula. Nesse instante, a infusão de magia obscura está modificando o seu corpo sem nenhuma forma de controle. Essa pílula vai aliviar suas dores e finalizar o processo de assimilação com segurança.

    Naquele instante, descendo as escadas escuras, um homem enorme surgia com uma pessoa em seu ombro. Quando finalmente atingiu a luz, o braço direito de Leonard colocou a jovem desacordada sobre a bancada.

    — Quem é essa daí, Schumacher? — questionou o doutor.

    — A assistente do investigador. Peguei ela tentando chegar até o escritório imperial, achei que seria melhor trazê-la para uma das suas jaulas do que desova-la em algum lugar por aí.

    — Ela ainda respira?

    — Sim, eu acho. Não usei muita força quando acertei a cabeça da vadia…ei, por que o chefe tá ali no chão?

    Malvius trocou um breve olhar com Leonard.

    — Ele está passando por um processo complicado do cultivo das pílulas. Se possível, gostaria de contar com sua ajuda para leva-lo até uma das celas. Receio que ele possa se tornar instável e perigoso caso algo dê errado, então preciso manter o monitoramento constante nele.

    Schumacher frisou os olhos. Desde o instante em que começou a negociar com Malvius, nunca tinha confiado plenamente nele. Como um descendente de sicilianos tradicionais, sua família por parte de mãe era da antiga máfia tradicional. Os negócios eram feitos na base da confiança, da frágil honra entre ladrões e camaradagem. Porém, aquele homem não conhecia nada daquilo. Tudo com o que se importava era a sua própria pesquisa, sendo capaz de sacrificar inimigos e aliados por isso.

    Relutante, ele se dirigiu até Leonard e o apoiou pelo braço, enquanto desaparecia pelo corredor à frente.

    — Parece que aquele cara te pegou de jeito, hein? — disse Schumacher.

    — Deveria ter visto o outro cara — respondeu, com um sorriso esmorecido.

    — Falando sério? Não gosto dessa ideia de te deixar trancado com… eles.

    O corredor se estendia por um percurso anormalmente longo. Várias celas de dois por dois metros cúbicos, com palha no chão frio e úmido junto com um lenço velho compunham os aposentos onde dezenas de prisioneiros estavam encarcerados. Imigrantes, inimigos da família Bakir, alguns criminosos que nunca foram julgados apropriadamente e mendigos.

    O cheiro de formol e carne queimada preenchia todo o corredor. A luz branca fraca assumia um tom esverdeado, combinando com as paredes, fazendo cada sombra parecer ter vida própria.

    Schumacher caminhava devagar, apoiando Leonard. Nunca tinham estado daquele lado do laboratório.

    — Respira devagar, Bakir. Vai ser só uma noite — murmurou Schumacher.

    Leonard não respondeu. Seus olhos estavam vermelhos, dilatados e vidrados, como um animal ameaçado. Quanto mais avançavam, os sons se tornavam mais grotescos. Gemidos, arranhões, até mesmo estalos desconfortáveis.

    Nas celas ao lado, figuras outrora humanas se contorciam. Algumas tinham seus músculos no lugar da pele, outras tinham seus olhos fundidos por veias cintilantes, que pulsavam em sincronia com a oscilação da lâmpada. Uma mulher magra arranhava uma das paredes com suas unhas quebradas, deixando um rastro grotesco de sangue. No instante que Leonard passou, ela parou.

    E sorriu.

    O sorriso tinha dentes demais.

    Ambos desviaram o olhar e seguiram em frente. Não apenas pela imagem perturbadora, mas sim por saberem que antes de se tornar uma monstruosidade, aquela mulher era apenas uma das empregadas da mansão que tinha sido dispensada há alguns meses.

    A vida tinha um senso torto para ironia.

    Chegando na última cela vazia, Schumacher a abriu e colocou seu chefe lá dentro, recostado na parede.

    — Chefe, é só você dar a ordem que eu te tiro daqui e te deixo na mansão. A Srta. Van Der Saar pode ficar cuidando de você e não tem risco desse lunático pirar e te transformar em um desses monstros.

    Leonard olhou para a pílula em sua mão.

    — Schumacher, aconteça o que acontecer, NÃO aceite nada que aquele desgraçado tem a oferecer. Eu tô apostando tudo por uma recompensa que nem sei se vou conseguir receber. Minha humanidade já foi embora há tempos. Isso não precisa acontecer com você também. Isso é uma ORDEM! Não escute as palavras daquele lunático. Agora vá! Com sorte, nos vemos em um dia.

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