Índice de Capítulo

    Os dias se transformaram em semanas, e a comoção causada pelo anúncio da Liga da Lâmina Celestial ecoou para além das muralhas do Clã Baek. 

    A princípio, foram apenas alguns discípulos internos, impulsionados pelo nome lendário da Lâmina Silenciosa. Depois vieram jovens das aldeias vizinhas, dispostos a abandonar tudo por uma chance de servir sob o comando do Santo Marcial. Mas em pouco tempo, os caminhos de montanha e as trilhas entre os vales se encheram de cultivadores errantes, vindos dos confins do mundo conhecido. 

    A notícia havia se espalhado como fogo em palha seca: 

    “A Lâmina Silenciosa está montando um exército… e ele paga com ferro negro.” 

    Ao longo das semanas seguintes, o vale abaixo da Fortaleza Baek foi tomado por milhares de acampamentos improvisados. Barracas de couro, tendas rasgadas pelo tempo, cabanas feitas às pressas de bambu e palha surgiam como fungos após a chuva. Os céus estavam cobertos por fumaça de fogueiras, e os caminhos do norte ao sul fervilhavam com gente. 

    Eram homens e mulheres de todos os cantos — velhos andarilhos, jovens inexperientes, veteranos com cicatrizes de guerras passadas, monges renegados, e até exilados de seitas caídas

    Alguns vinham por vingança. 

    Outros por glória. 

    Muitos apenas por esperança

    Os testes de admissão se tornaram lendários por si só. Aqueles que ousavam tentar a entrada na Liga tinham que provar seu valor com suor e sangue: 

    1. Combate real — lutas até a rendição ou inconsciência, contra adversários randômicos. 
    1. Juramento de alma — um voto profundo feito diante do altar da Lâmina Silenciosa, onde até mesmo os céus eram testemunhas. 
    1. Avaliação direta — Baek Jin, sentado em silêncio sobre um trono de pedra negra, observava cada um com olhos que pareciam ver através da alma

    Aos que passavam, eram entregues três itens: 
    Uma espada de nível 1, forjada em ferro negro polido, leve como o vento e afiada como o corte do destino. 
    Uma armadura de nível 1, feita sob medida, ajustada para o tipo de cultivo e físico do usuário, brilhando com o tom escuro do metal raro. 
    E um broquel, um escudo redondo de nível 2, que reluzia com insígnias arcanas gravadas à mão pelos artesãos de Baek Jin — resistente até mesmo contra ataques de técnicas marciais de grau médio. 

    O ferro negro, o metal mais precioso daquele mundo, era considerado tesouro de seitas, normalmente encontrado em armamentos de patriarcas e guardas reais. 

    E ainda assim… todos recebiam um conjunto completo ao se alistarem. 

    Havia lágrimas nos olhos de cultivadores que nunca haviam tocado uma arma de verdade em suas vidas. Alguns se ajoelhavam, outros beijavam as espadas. Homens que haviam lutado por migalhas durante anos nas fronteiras, agora empunhavam equipamentos dignos de reis. 

    E não era apenas isso. 

    Cada um recebia um salário fixo de cinco moedas de ferro negro de baixo nível e uma pedra espiritual por mês. Cultivadores no Reino Guerreiro Marcial recebiam entre dez e quinze moedas, além de pedras espirituais refinadas, o equivalente ao salário de um ancião interno do clã

    — “Os céus têm olhos… finalmente.” — murmurou um velho de barba branca enquanto apertava a lâmina contra o peito. 

    — “Em toda minha vida, nunca fui tratado com tanta dignidade.” — disse um ex-membro de uma seita extinta, lágrimas caindo como chuva. 

    Mas para todos, uma coisa era clara: 
    Baek Jin podia financiar tudo sem pestanejar. 
    A fonte de sua riqueza era um mistério, mas incontestável. 

    E então, certa manhã, quando o sol ainda estava nascendo no leste, um novo grupo chegou. 

    Diferente dos demais, não vieram a pé nem em caravanas esfarrapadas. Surgiram em meio a uma brisa fria, montados em bestas espirituais de crinas prateadas. 

    E à frente deles, montando uma pantera negra com olhos escarlates, vinha uma mulher vestida em manto branco, com detalhes em azul profundo e uma espada longa presa às costas

    Ela desceu da montaria com elegância, e mesmo antes de falar uma única palavra, os guardas da entrada se afastaram por instinto

    Seus olhos eram como dois fragmentos de gelo, cortantes e distantes. Havia dor escondida neles, mas também uma fúria silenciosa que queimava sob a superfície

    Seu rosto era belo, mas não delicado — traços finos e angulosos, um queixo firme, sobrancelhas arqueadas como asas de águia, lábios pálidos que raramente se curvavam. Seus cabelos eram prateados como a lua, presos em uma longa trança que descia até a cintura. Seu manto era limpo, mas suas botas estavam gastas pelo tempo. 

    “Viemos nos alistar.” — disse ela, com voz firme e clara como cristal partido. 

    Atrás dela, três homens com expressão séria desmontaram. Todos estavam no nível de Guerreiro Marcial Fase Intermediária, usando armaduras de batalha gastas e espadas com sinais de combate real. 

    — “Identifique-se.” — pediu o capitão responsável, um discípulo da elite recém-promovido. 

    Ela ergueu os olhos, encarando-o. 

    “Meu nome é Qian Xue. Fui discípula da Seita das Nuvens Prateadas. Sou uma Mestra Marcial.” 

    Um silêncio mortal caiu. 

    A Seita das Nuvens Prateadas havia sido aniquilada dez anos atrás por forças desconhecidas. Os poucos sobreviventes desapareceram. E agora, uma das discípulas mais promissoras daquela seita extinta surgia diante dos portões do novo exército de Baek Jin. 

    O capitão engoliu em seco. 

    — “Você está… certa disso? Vai se submeter aos testes?” 

    Qian Xue ergueu o queixo. 

    — “Não vim por orgulho. Vim por um propósito.” 
    “Quero sangue.” 

    Seus três companheiros abaixaram as cabeças, em respeito. 

    O capitão hesitou por um momento, então acenou com a cabeça. 

    — “Entendido… Sigam para o campo de avaliação.” 

    E assim, os quatro atravessaram os portões da Fortaleza Baek, seus passos ecoando como sinos de guerra em meio ao clamor do vale. 

    Do alto da torre de observação, Baek Jin os observava em silêncio

    Seus olhos se fixaram em Qian Xue. 

    — “O mundo ainda está cheio de fragmentos quebrados…” — murmurou. 

    Ele então ergueu a mão e escreveu um novo nome na lista dos selecionados para avaliação direta. 

    Qian Xue. 

    O destino a trouxe até ali. 

    Agora, o que ela faria com o que restava de seu passado… 
    Seria decidido com ferro e sangue

    … 

    O sol pairava alto, mas seu calor não conseguia tocar os ossos de Qian Xue

    Ela caminhava pelo campo de testes com passos leves, quase flutuantes. Seu manto branco tremulava suavemente ao vento, como se fosse feito de névoa. Mas quem olhasse com atenção… notaria que seus olhos estavam longe dali. 

    Longe no tempo. Longe no passado. 

    Seu nome verdadeiro era Qian Xue Li, filha mais velha do lendário Patriarca Qian Zhong, Senhor Supremo do Clã Qian, uma das cinco linhagens ancestrais do Continente Celeste do Norte

    Desde pequena, Qian Xue foi treinada para ser a sucessora. 
    Ela era a Princesa do Gelo Brilhante, uma gênia que cultivou até o Nível de Mestre Marcial aos dezessete anos. 
    Seus talentos eram cantados pelos bardos, sua beleza exaltada nas cortes, e sua honra… intocável

    O Clã Qian não era apenas forte. 
    Eles eram puros. 
    Guardavam antigos segredos do Dao do Gelo e protegiam as Planícies Congeladas das incursões demoníacas. 

    Mas… mesmo muralhas feitas de fé e poder podem ser partidas por mãos invisíveis. 

    A tragédia chegou numa noite sem luar. 

    Chamas negras subiram ao céu. 
    O chão congelado da Montanha Espelho de Cristal foi rachado por explosões de Qi sombrio. 
    Os sinos da guarda não tiveram tempo de tocar. 
    Os cultivadores que defendiam a entrada foram mortos em silêncio, seus corpos transformados em pó antes de caírem. 

    Qian Xue acordou com o som de sua irmãzinha chorando. 

    Ao sair de seus aposentos, viu os corredores tomados por neblina púrpura e sombras se movendo com olhos escarlates, como espectros famintos. 

    — “Eles… não têm rosto…” — disse um ancião antes de cair com o peito aberto por uma garra invisível. 

    As técnicas do Clã Qian não funcionavam contra eles. 
    Esses demônios não eram de nenhuma seita demoníaca conhecida. 
    Eram algo… pior. 

    Ela correu até o pátio principal e viu seu pai, Qian Zhong, de pé com sua espada ancestral cravada no chão. 

    O Patriarca enfrentava um ser coberto por um manto negro, cuja presença fazia até os pássaros morrerem no céu. 
    — “Você não é deste mundo…” — murmurou Qian Zhong, com os olhos arregalados. 

    A criatura sorriu. 

    E o mundo de Qian Xue… desabou. 

    Ela viu sua mãe morrer primeiro. 
    Cercada por três espectros, lutando até o fim com sua técnica de pétalas congeladas. 
    No último momento, virou-se e gritou: 

    — “Xue’er! CORRA!” 

    Sua irmãzinha foi a segunda. 
    Tinha apenas oito anos. 
    Ela tropeçou tentando segui-la… 
    E quando Qian Xue olhou para trás, só viu um braço estendido, coberto de sangue. 

    Seus tios. Seus irmãos de cultivo. 
    Seus servos, seus mestres, os animais espirituais, as árvores do clã… 
    Todos foram consumidos pelas chamas púrpuras. 

    Qian Xue só sobreviveu porque seu pai abriu um portal dimensional com sua última força. 

    — “Você é o último floco puro da nevasca… vá. Espalhe a verdade. Ou vingue-nos…” 

    Essas foram suas palavras finais. 
    E então… tudo desapareceu. 

    Quando Qian Xue acordou, estava sozinha numa floresta distante, com os cabelos chamuscados e a alma despedaçada. 

    Os primeiros meses foram um tormento. 
    Ela não falava com ninguém. 
    Não comia, não dormia, não cultivava. 

    Ela queria morrer. 

    Mas a lembrança dos olhos de sua irmã. 
    O grito de sua mãe. 
    O silêncio do olhar de seu pai. 
    Todos cravados em sua mente como espadas de gelo. 

    Esses fragmentos de dor a mantiveram viva. 

    — “Eu não posso morrer… 
    … não antes de descobrir quem eram aqueles malditos.” 
    — “Não antes de aniquilá-los até o último suspiro.” 

    E então ela começou a vagar. 

    Deixou para trás seu título. 
    Escondeu sua linhagem. 
    Enterrou seu passado sob uma nova identidade: Qian Xue. 

    Durante sete anos, viajou por continentes, enfrentando cultivadores demoníacos, tentando encontrar vestígios daquela aura púrpura. 
    Entrou em batalhas mortais, escondeu sua força, sobreviveu com o básico. 
    Mas nunca desistiu. 

    Até que ouviu rumores de um homem… 
    Um Santo Marcial. 
    Um líder que estava reunindo cultivadores errantes. 
    Um Senhor da Guerra que oferecia não apenas poder… 
    Mas também justiça

    E pela primeira vez em anos… 
    Qian Xue sentiu esperança. 

    — “Mesmo que eu tenha que ser uma subordinada…” — murmurou, tocando a cicatriz oculta sob a gola de seu manto. 
    — “Mesmo que eu tenha que sacrificar minha honra…” 
    — “Se Baek Jin me permitir avançar em direção à verdade… então ajoelharei diante dele.” 

    Mas jamais se quebraria. 

    Jamais esqueceria. 

    No campo de testes, os juízes chamaram seu nome. 

    — “Qian Xue. Suba.” 

    Ela caminhou até o centro da arena. 

    Todos ao redor observaram, esperando ver mais uma espadachim qualquer tentando impressionar. 
    Mas Baek Jin, assistindo do alto, já havia sentido a densidade do Qi dela. 
    Era como uma nevasca contida em um jarro de vidro. Pronta para explodir. 

    — “Oponente: Han Fei, Guerreiro Marcial de Fase Avançada.” — anunciou o juiz. 

    Qian Xue apenas ergueu os olhos, frios como o Ártico. 
    Han Fei sorriu com arrogância. 

    — “Uma mulher? Isso vai ser fácil.” 

    Ela não respondeu. 

    Apenas se moveu. 

    Em um instante, sua espada estava desembainhada. 
    E uma tempestade de neve surgiu em pleno verão

    O ar congelou. 
    O chão rachou. 
    E Han Fei foi jogado contra a parede da arena com o peito coberto por cristais de gelo, incapaz de se mover. 

    Silêncio. 

    Qian Xue recolheu a espada e caminhou de volta como se nada tivesse acontecido. 

    — “Próximo.” — disse apenas, com voz seca. 

    Todos ao redor engoliram em seco. 

    Baek Jin ergueu levemente uma sobrancelha. 

    — “Uma lâmina afiada… mas com rachaduras internas.” 

    E ainda assim, ele sabia: 

    Ela era necessária. 

    No grande tabuleiro que estava se formando, onde inimigos invisíveis tramavam nas sombras, Qian Xue poderia se tornar a chave para compreender o mal que crescia além das seitas demoníacas conhecidas. 

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