Capítulo 05 - Preparação.
Na escuridão de uma sala privada e distante dos olhos do mundo, os anciãos do Clã Yan se reuniam em segredo. A luz fraca de velas iluminava os rostos severos e envelhecidos daqueles que lideravam o clã, mas ninguém ousava levantar a voz em respeito à gravidade do momento. A sala estava impregnada de tensão, como se o próprio ar estivesse denso com a antecipação de algo grande. A presença de todos ali, em silêncio, indicava a seriedade da situação.
À frente de todos, o Ancião Yan Xian, o mais velho e respeitado do clã, estava sentado em uma cadeira de madeira robusta. Seu semblante era sombrio, e os profundos sulcos de sua face refletiam décadas de sabedoria, mas também de implacabilidade. Ele era o estrategista do clã, alguém que raramente se importava com os custos de suas ações, contanto que o objetivo fosse alcançado. Em sua mente, o futuro era claro: a dominação do clã Baek estava ao alcance, mas o que seria necessário para concretizar essa conquista?
“Os Baek não são tão fracos quanto aparentam.” A voz do Ancião Wu Heng, mais jovem, mas não menos astuto, ecoou na sala. Ele tinha um olhar afiado, sempre calculando cada movimento, como um predador à espera do momento certo para atacar. “É um fato que o número de guerreiros e soldados deles não se compara ao nosso. Além disso, há rumores de que o líder do clã Baek, Baek Mu-Hwan, está ausente por um tempo. Isso pode ser uma oportunidade para nós.”
Mas o Ancião Xian manteve os olhos fixos à sua frente, não se deixando iludir por essas palavras. “Sim, mas não podemos subestimar os Baek. Eles têm mais poder escondido do que qualquer um imagina. São apenas plebeus e servos, mas entre eles, há rumores de que alguns já atingiram o nível de Guerreiro Marcial. Isso deve nos preocupar. A questão é: vamos tomar o controle sem arriscar uma guerra, ou ir para a ofensiva total? A batalha será sangrenta, mas eu já estou preparado para pagar o preço.”
O silêncio se abateu sobre a sala, enquanto os outros anciãos ponderavam suas palavras. O preço de uma guerra entre clãs, especialmente entre o Clã Baek e o Clã Yan, seria imenso. O Clã Yan possuía uma força militar superior, mas a resistência dos Baek não podia ser ignorada. A luta seria longa e cheia de perdas significativas de ambos os lados.
Ancião Heng deu um passo à frente, seus olhos brilham com uma energia perigosa. “Uma guerra total será inevitável. Temos mais Guerreiros Marciais em nosso lado, e o número de soldados é esmagador. O que podemos fazer é avançar rapidamente, tomar definitivamente o Lago das Névoas, submeter suas forças antes que eles consigam respirar. A falta de liderança sólida em seu clã vai facilitar nosso domínio.”
Ancião Xian, com uma paciência típica dos mais velhos, balançou a cabeça lentamente. “Sim, mas a guerra terá um custo. Mesmo que possamos vencer, muitas vidas serão perdidas. Isso sem contar os riscos de revelar nossas intenções para outros clãs. Devemos agir com cautela.”
A sala se manteve em silêncio por um momento. Cada ancião estava pesando as opções em suas mentes. O que se via diante deles não era apenas uma batalha pelo poder, mas uma questão de sobrevivência. Uma guerra total poderia trazer vitórias rápidas, mas também destruição. Cada movimento deveria ser calculado com precisão.
“Podemos acelerar o processo,” disse Ancião Qi Luo, com um olhar astuto. “Há outro método. Se conseguirmos manipular a situação internamente, sem que a guerra se acenda de imediato, podemos forçar os Baek a se submeter antes que sequer percebam o que está acontecendo. Podemos infiltrar nosso próprio grupo de guerreiros, provocando pequenas disputas e criando desconfiança entre eles. Uma série de batalhas internas pode enfraquecer o clã Baek, e quando eles estiverem suficientemente fracos, atacamos de forma rápida e decisiva.”
Ancião Wu Heng sorriu, reconhecendo a lógica da proposta. “A divisão interna sempre enfraquece qualquer clã. Podemos enviar alguns de nossos próprios soldados disfarçados como mercenários, causando tensões e disputas entre os membros do clã Baek, sem que eles saibam o verdadeiro motivo por trás disso. Isso criaria uma abertura para um golpe fatal.”
Ancião Xian assentiu, considerando a proposta de Qi Luo com mais atenção. “Uma estratégia mais silenciosa, então. A guerra direta pode vir depois, quando já estivermos prontos e os Baek não souberem o que os atingiu. No entanto, será necessário que todos nós concordemos com o plano e não revelemos nossas intenções para ninguém. A lealdade de nossos próprios homens será crucial. Se alguém descobrir nossa jogada, a vantagem será perdida.”
“Devemos agir rapidamente,” concluiu Ancião Wu Heng, olhando para os outros. “Nosso plano deve ser posto em movimento imediatamente. A morte de Baek Mu-Hwan, ou a falta dele, será o sinal para a primeira fase. Quando eles forem enfraquecidos, o golpe final será inevitável.”
A reunião foi marcada pelo silêncio pesado e pela troca de olhares entre os anciãos. Sabiam que a missão à frente não seria fácil, mas a vitória era possível. E enquanto os Baek se mantinham em sua ignorância, o Clã Yan estava prestes a lançar sua ofensiva silenciosa.
O caminho estava traçado, e o clã Baek, sem saber, já estava sendo enredado nas teias da destruição que se aproximavam.
…
As manhãs no Clã Baek haviam se tornado mais pesadas. A alvorada não trazia mais apenas o som dos galos ou o farfalhar das folhas da montanha — agora, o ar carregava o estrondo seco das lanças contra madeira, o tilintar de espadas em combate e os gritos roucos de instrutores ordenando formações. O vento da montanha soprava frio, mas o calor dos corpos em treino era sufocante.
Baek Jin, com os cabelos longos e grisalhos presos por um cordão simples, permanecia na lateral do campo de treino, onde os servos e auxiliares dos pelotões eram reunidos para tarefas de reforço e exercícios básicos. Sua barba comprida, que tocava o centro do peito, balançava levemente ao compasso de sua respiração lenta. Aqueles olhos cansados pareciam não ver apenas o agora, mas também o que viria.
Seu corpo, corroído pelo tempo, carregava dores que os mais jovens não conheciam. Os ossos estalavam, os músculos tremiam no final de cada série de movimentos. A resistência dos treinos impostos pelos instrutores aos discípulos externos era dura — exigia vigor físico constante, agilidade e reflexos aguçados. Para alguém com a aparência de um homem de sessenta anos, era um desafio que beirava o insuportável. E mesmo assim, Baek Jin nunca deixava de comparecer. Nunca reclamava. Nunca parava.
Ao redor, outros servos suavam, respiravam ofegantes e trocavam comentários entre si.
— Aquele velho ainda está de pé? — cochichou um dos jovens, um rapaz de rosto magro e olhar zombeteiro.
— O servo mudo é duro na queda — respondeu outro com uma risada seca. — Mas aposto que vai cair duro antes da próxima lua cheia.
— Está aqui por sorte… ou azar. Devia ter morrido no primeiro combate, como muitos outros.
Baek Jin os ouvia. Sempre ouvia. Mas não respondia.
Ele estava concentrado demais em seus próprios movimentos. Em como flexionar os joelhos com menor impacto nas articulações, em como equilibrar seu peso de forma eficiente, em como mover os braços com economia, sem sacrificar a força. Cada gesto executado com cuidado, cada respiração calculada. Ele treinava com a mente de um estrategista, de um guerreiro veterano que sabia que o corpo envelhecia, mas a técnica podia transcender o tempo.
No campo à frente, o instrutor gritava:
— Postura da Lâmina Quebra-Rochedo! Em posição!
Os discípulos externos dos pelotões principais respondiam em uníssono. No meio deles, Baek Jin repetia o movimento, ainda que sua espada de madeira fosse mais pesada do que deveria e seu braço tremesse levemente ao final da postura.
— De novo! — o instrutor rugiu.
Enquanto os outros reclamavam em sussurros ou deixavam a exaustão tomar conta, Baek Jin persistia. A mente dele via além do cansaço. Ele via as formações do Clã Yan, as possíveis emboscadas em vales estreitos, os guerreiros com olhos sedentos por sangue. E se ele fraquejasse aqui, morreria lá.
Um suor grosso escorreu da testa até a barba. O calor latejava em suas têmporas. A pressão de ter aberto o segundo portão interno dias atrás ainda deixava seu corpo sensível. Mas cada gota de suor, cada dor no músculo, era uma forma de lapidar o aço oculto em seu espírito.
Entre os servos ao redor, ninguém via o que Baek Jin cultivava em silêncio. Ninguém compreendia o motivo por trás daquele esforço obsessivo. Ele era apenas “o velho mudo” para eles. Um servo sem futuro, designado aleatoriamente para um pelotão descartável. Mas Baek Jin compreendia a arte da guerra. Sabia que antes da lâmina atravessar a carne, era o espírito que cortava o destino.
Naquela manhã, após horas de repetições, os servos foram dispensados. Baek Jin permaneceu por mais tempo, repetindo os mesmos movimentos, aprimorando o básico. Sua mão esquerda estava tremendo, seu ombro doía, mas seus olhos estavam calmos. Ele então caminhou até uma sombra próxima das árvores onde podia meditar sem chamar atenção.
Sentou-se, cruzando as pernas lentamente. Fechou os olhos.
Inspirou.
O Qi do ambiente entrou por seus poros. Uma névoa invisível, suave e fria, percorreu seus meridianos como um riacho que se forçava a encontrar um novo leito. Ele ainda não estava pronto para tentar abrir o terceiro portão novamente — o fracasso da tentativa anterior deixara suas veias internas sensíveis, inflamadas pela pressão espiritual que quase o despedaçara por dentro. Mas a absorção de Qi era algo que podia continuar. Algo necessário.
A cada respiração, o mundo se tornava mais nítido.
Ele ouviu as folhas balançando a centenas de passos. Sentiu o fluxo de energia dos discípulos treinando ao longe. Detectou, sem abrir os olhos, a movimentação no centro do pátio onde Baek Dae Won, a Lança Raspada, reunia os membros do Pelotão da Lâmina Violeta para prepará-los para outra marcha.
‘Eles logo irão se mover… E eu preciso estar pronto’, pensou Baek Jin.
A guerra se aproximava.
E entre todos os que caminhavam pelas terras do Clã Baek, ninguém suspeitava que o velho mudo, suando em silêncio entre servos e discípulos, era um cultivador que já estava à beira de se tornar um verdadeiro Guerreiro Marcial.
Um trovão distante ecoou nas montanhas ao norte. Como um presságio.
A tempestade se aproximava. E Baek Jin, em silêncio, afiava sua alma.
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