Capítulo 06 – Revidar.
Capítulo 6 – Revidar.
O amanhecer trouxe consigo um silêncio inquietante ao campo externo do Clã Baek. A geada ainda cobria parte das pedras e o sopro do vento era cortante como o fio de uma adaga. Em meio ao campo, o Guerreiro Marcial Baek Dae Won se mantinha em pé, com os braços cruzados e os olhos semicerrados sob o brilho alaranjado do sol nascente. Sua cabeça raspada brilhava com orvalho, e a longa haste de sua fiel lança repousava fincada ao seu lado como uma sentinela.
— Pelotão da Lâmina Violeta! Reúnam-se! — sua voz ecoou como um trovão entre os pílares do pátio.
Um a um, os membros do pelotão surgiram: Seo Jun com uma atadura nova no ombro, Hwa Rin ainda com feridas cobertas, outros tantos servos e aprendizes externos se alinhando com expressões cansadas e olhos alertas.
Baek Jin veio por último. Seus passos eram lentos, seu corpo curvado, mas seus olhos—aqueles olhos frios e sem brilho—permaneciam inalterados. Carregava uma espada de madeira presa nas costas. Nada em sua aparência chamava atenção. Ninguém sequer se deu ao trabalho de cumprimentá-lo.
— Nova missão de reconhecimento. O clã Yan está se movendo pelas fronteiras do norte. Vamos patrulhar o Desfiladeiro das Sombras e verificar qualquer movimentação suspeita. — Baek Dae Won passou os olhos por cada rosto. — Se encontrarem algo, não hesitem. Atuem como batedores, mas se forem atacados… respondam com força letal.
Não era apenas uma missão de reconhecimento. Era um aviso. O Clã Baek estava se preparando para o pior.
Horas depois, a floresta ao redor do Desfiladeiro das Sombras envolvia o pelotão como um manto. A umidade tornava o chão escorregadio. Galhos estalavam sob botas cuidadosas. A pressão do ambiente fazia o coração dos mais jovens bater mais rápido.
Baek Jin se mantinha na retaguarda, como sempre. Observava, memorizava. Cada sombra, cada som, cada respiração contida. Seus olhos estavam vazios, como um lago congelado. Ainda que ele nunca houvesse matado um ser humano, não sentia medo. Sentia… silêncio. Um estranho silêncio que ecoava no fundo de sua mente, como se sua alma já tivesse aceitado o inevitável.
Foi Seo Jun quem primeiro sussurrou:
— Movimento à frente. Cinco… não, seis figuras. Estão armados.
O pelotão se escondeu entre arbustos e pedras. Os olhos de Baek Dae Won se estreitaram.
— Clã Yan… batedores. Provavelmente procurando uma rota de infiltração. — Ele cuspiu no chão. — Vamos eliminá-los.
O embate foi rápido.
Gritos, estocadas, ações coordenadas. Os jovens do pelotão se chocaram contra os inimigos com mais coragem do que técnica. Lâminas cruzaram o ar. Hwa Rin gritou ao ser atingida no ombro. Seo Jun rolou no chão, derrubando um dos oponentes. E Baek Jin… ficou parado. Observando.
A frente dele, um jovem guerreiro do Clã Yan, talvez da mesma idade que Hwa Rin, veio em sua direção com a espada erguida. Os olhos estavam cheios de ódio, mas também de medo. Baek Jin sabia o que aquele olhar significava. Um humano, como ele.
Ele pensou em recuar. Em deixar Dae Won finalizar a luta.
Mas o instinto falou mais alto.
A espada de madeira saiu das costas. Ele desviou do golpe do inimigo com um movimento sutil. O adversário vacilou. Baek Jin girou o corpo, e a extremidade de sua lâmina golpeou com força a tênea da garganta.
Crack.
O som foi seco.
O jovem caiu. Morto.
Baek Jin ficou em pé. Imóvel. Seus olhos baixaram. Havia sangue. Havia um corpo. Um humano. A primeira vida que ele havia tirado.
Uma onda de calor percorreu seu peito. Mas não era culpa. Era outra coisa. Algo quebrando por dentro. Um portão.
Booom!
Foi interno. Um estouro dentro de sua alma. Seus olhos se arregalaram, e uma energia invisível se espalhou ao redor de seu corpo.
O Terceiro Portão se abrira.
O Portão da Alma.
Uma aura densa, sufocante, escapou de sua pele como uma tempestade espiritual. A pressão aumentou tão rapidamente que dois guerreiros inimigos cambalearam. Outro caiu de joelhos. Um quarto ficou sem ar e se ajoelhou com ambas as pernas cravadas no chão, incapaz de levantar.
Dae Won se virou abruptamente, encarando Baek Jin com um olhar de pura surpresa.
— Isso não é normal…
Mas já era tarde.
Baek Jin não disse nada. Seus olhos, gêlidos como a neve eterna dos picos mais altos, apenas observavam. Sem alegria. Sem tristeza. Sem culpa.
Ele havia cruzado a fronteira entre o que era… e o que precisava ser.
A lâmina agora estava suja de sangue humano.
E a guerra, de fato, havia começado.
…
O céu estava encoberto por nuvens densas quando o Pelotão da Lâmina Violeta retornou ao acampamento avançado do Clã Baek. Um silêncio estranho acompanhava o grupo. Não era apenas o cansaço dos feridos, nem o silêncio respeitoso por aqueles que não voltaram. Era algo mais profundo, mais denso. Algo que pairava no ar, como uma sombra que ninguém queria nomear.
Baek Jin caminhava lentamente na retaguarda, como sempre. Suas roupas estavam manchadas com o sangue seco de seu primeiro oponente. Sua barba longa, que tocava o peito, estava suja e desalinhada, e o brilho metálico de Qi ainda parecia pulsar em seus olhos semicerrados. Mas não era a exaustão física que o perturbava.
Era o vazio.
“Eu matei alguém…”
O pensamento surgiu como uma gota de chuva em um lago sereno, agitando as águas profundas da mente de Baek Jin. A lembrança do corpo caindo no chão, da última expressão no rosto do inimigo do Clã Yan — olhos arregalados, boca entreaberta em um grito que nunca se completou — aquilo deveria tê-lo quebrado. Mas o que ele sentia?
Nada.
Nenhuma culpa. Nenhum arrependimento. Nenhuma tristeza.
“Estou quebrado?” — pensou, apertando levemente os punhos enquanto caminhava entre os outros servos e discípulos. — “Ou será que… sempre fui assim?”
Durante toda a sua vida anterior, no mundo moderno, Baek Jin vivera tentando ajudar os outros. Trabalhava em silêncio, cuidava da mãe doente, lia livros de filosofia à noite e fazia trabalho voluntário aos fins de semana. Ele acreditava na bondade, na justiça, na compaixão.
Mas aquele mundo moderno o traíra.
“Eu morri… por proteger alguém. E ninguém sequer se lembrará do meu nome.”
O velho cultivador reencarnado inspirou lentamente, sentindo o ar frio encher seus pulmões. A energia do Terceiro Portão ainda queimava em seu corpo, como brasas escondidas sob cinzas. O Portão da Alma. Sua pressão espiritual havia sido tão avassaladora que fizera os inimigos mais fracos se ajoelharem como crianças indefesas diante de um predador.
— Baek Jin. — a voz de Baek Dae Won irrompeu atrás dele, cortante como aço.
O velho parou. Lentamente, virou-se, encarando o capitão com olhos cinzentos e profundos como a névoa de uma manhã fria.
— O que foi aquilo? — Dae Won não escondeu o tom ríspido. — Você… quem é você, afinal?
Baek Jin permaneceu em silêncio.
— Um servo como você não deveria ser capaz de exalar uma pressão daquelas. Nem mesmo nossos Guerreiros mais experientes conseguem forçar um oponente a se ajoelhar só com a presença. Então, eu vou perguntar de novo… quem diabos é você?
O silêncio continuou. E então, com um passo lento à frente, Baek Jin se aproximou do capitão da Lâmina Violeta. Olhos nos olhos.
Sem dizer uma única palavra, apenas o encaro.
Os olhos de Baek Jin eram como duas pedras antigas, impassíveis, sem emoções. Não havia ódio. Não havia medo. Apenas… uma ausência cortante de tudo. E isso fez algo dentro de Baek Dae Won estremecer.
Um calafrio subiu pela espinha do capitão. Foi como se estivesse diante de uma fera primitiva, adormecida, mas que o observava com desdém. A lembrança da pressão sufocante que sentira antes — aquela que quase o fez ajoelhar também — voltou à sua mente com violência.
— Tsk… — Dae Won desviou o olhar, com os punhos cerrados. — Não importa. Se você fizer algo estranho… eu mesmo vou cortar sua cabeça.
E se afastou.
Baek Jin permaneceu parado ali por um tempo, observando o céu nublado. O som dos passos de Dae Won ecoando atrás dele parecia distante. Sentia como se estivesse em dois mundos ao mesmo tempo. Um, físico e real. Outro, silencioso e profundo dentro de sua alma.
“Se eu não matar… eu morrerei. Se eu quiser mudar meu destino… precisarei mergulhar na lama, manchar minhas mãos.”
A conclusão surgiu em sua mente com a mesma frieza que carregava no olhar.
“Então eu matarei.”
Mas não por glória. Não por vingança. Nem mesmo por poder.
Morreria se necessário para abandonar aquela vida de servo inútil, humilhado, desprezado por todos. E se viver significava esmagar aqueles que zombavam de sua existência, então assim seria. Um passo de cada vez. Portão após portão. Derrota após derrota. Até não restar ninguém acima dele.
Uma jovem discípula passou por ele sem sequer lançar um olhar. Outro servo riu ao vê-lo parado como uma estátua no meio do pátio de terra batida. Mas Baek Jin não se importava. Eles ainda não sabiam. Ainda não viam.
“Mas verão. Todos verão.”
Virou-se, então, e caminhou de volta para os alojamentos simples que serviam de abrigo para os membros rasos do Clã. Ainda mancava levemente por causa da batalha. As feridas estavam em sua carne, mas sua alma já havia dado um salto.
Ele havia matado pela primeira vez.
E nunca mais seria o mesmo.
…
O céu escurecia lentamente além das montanhas distantes, tingido por tons de laranja e vermelho, como se o próprio mundo tivesse sangrado após o primeiro confronto real da guerra iminente. Mas, dentro de um dos alojamentos mais humildes do Clã Baek, algo muito mais silencioso e poderoso também havia se transformado.
Baek Jin estava de pé diante do espelho rachado no canto da sala. Seu olhar se mantinha fixo, como se analisasse um estranho. E, de certo modo, era isso mesmo que via. Um estranho.
Seu corpo, antes curvado pelo peso dos anos e pela fraqueza de uma vida passada, agora permanecia ereto como uma lança. Seus ombros já não pendiam com cansaço, e sua postura, antes mansa e resignada, assumia agora uma firmeza que não podia mais ser ignorada.
O semblante ainda carregava as rugas discretas da idade, mas havia nelas agora um novo brilho. Seus olhos estavam mais vivos, porém mais frios. Como gelo sob a luz da lua. Sua barba longa havia perdido parte da aspereza, e seus cabelos, antes completamente grisalhos, adquiriram um tom acinzentado reluzente, como fios de prata polida.
Sob suas vestes, os músculos estavam mais definidos, mais densos. Não eram como os de um jovem guerreiro em sua plenitude, mas carregavam uma solidez que inspirava cautela. Uma presença que, mesmo contida, irradiava uma força sutil.
A abertura do Terceiro Portão Interno, o Portão da Alma, havia modificado mais do que sua energia espiritual. Tinha despertado algo ancestral dentro de si.
“Então este é o verdadeiro início.” — pensou, apertando os dedos lentamente. — “Minha alma… está mais leve. Meu corpo… renascendo.”
Mas naquele instante, a porta do alojamento foi escancarada com brutalidade.
— Olha só quem voltou do mato! — disse uma voz risonha, carregada de deboche.
Três figuras adentraram a sala com passos lentos e arrogantes. Kang Mu, o mais alto dos três, tinha olhos finos como de uma serpente e uma expressão sempre cínica. Atrás dele, Hee Chan, de cabelos curtos e feições rudes, sorria com escárnio. Por fim, Do Ryeong, o menor do grupo, mas com língua mais afiada que qualquer lâmina.
— O velho servo voltou e continua vivo. Milagre… — comentou Do Ryeong, rindo alto. — E eu que já tinha apostado que morreria na primeira missão.
— Talvez ele tenha se escondido atrás de algum arbusto. Como um rato — zombou Hee Chan, girando um bastão de treino nos dedos.
Baek Jin não respondeu. Ainda parado, olhava seu reflexo rachado, como se a presença dos três não passasse de vento.
— Ei! — disse Kang Mu, impaciente, aproximando-se e empurrando o ombro de Baek Jin. — Você ficou surdo agora, velho inútil?
Silêncio.
O velho virou-se lentamente, olhos cinzentos firmes, ombros retos. Por um momento, os três discípulos pareceram hesitar. Era como se estivessem diante de outra pessoa. Aquele servo mudo, que antes mal erguia o olhar, agora os encarava como se olhasse através deles.
— O que foi isso? — murmurou Hee Chan, sentindo um arrepio involuntário na espinha.
— Tsc… só tá se fazendo de forte. Vamos dar uma lição nesse bastardo. — rosnou Kang Mu, avançando primeiro.
Mas ele não deu três passos.
Antes que pudesse levantar o braço, Baek Jin moveu-se. Um único passo para frente. Simples. Rápido. Silencioso.
Kang Mu só viu um borrão prateado diante dos olhos.
O punho de Baek Jin atingiu seu estômago com precisão cirúrgica. Um golpe direto, seco, e não muito violento — mas perfeitamente posicionado. Kang Mu caiu de joelhos com um gemido baixo, os olhos arregalados e o ar escapando de seus pulmões como um balão furado.
Hee Chan gritou e tentou atacar com o bastão. Baek Jin girou o corpo como uma folha ao vento e agarrou o pulso do inimigo, torcendo-o em um movimento fluido. Com um chute firme na lateral da perna, Hee Chan desabou ao lado do primeiro.
Do Ryeong, o mais covarde, recuou com passos desordenados.
— M-Mas o que… você… não era só um velho…!
— Eu ainda sou. — disse Baek Jin, sua voz ecoando grave pela primeira vez diante deles. — Só que agora… sou um velho que não se curva.
E então, com os olhos sem vida que já tinham encarado a morte, ele deu um único passo à frente. Foi o suficiente.
Do Ryeong caiu de joelhos, tremendo.
— N-não… por favor… eu… eu não quis…
— Saia. — disse Baek Jin, cada sílaba carregada de algo denso. — E leve os dois com você.
Do Ryeong não hesitou. Recolheu os dois companheiros semiconscientes e saiu arrastando-os pelo chão de terra batida, como um cão com o rabo entre as pernas.
Baek Jin, então, respirou fundo. A energia em seu corpo ainda estava densa, mas sob controle. Ele havia revelado apenas uma sombra da força que despertava dentro de si. Mas havia deixado claro, para todos:
Nunca mais seria pisoteado. Nunca mais seria curvado.
Sentou-se no canto do alojamento, os olhos voltando ao silêncio habitual. Não se sentia vingado. Nem mesmo satisfeito. Mas sentia-se… livre. Pela primeira vez.
A noite avançava. Lá fora, as estrelas nasciam, uma a uma, enquanto o velho servo, agora Guerreiro Marcial em espírito e força, aguardava seu próximo passo em silêncio.

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