Capítulo 09 – O novo ancião do clã Baek.
A alvorada tingia os telhados do Clã Baek com tons de rubro e dourado, mas dentro da câmara principal dos anciões, a atmosfera permanecia fria e carregada. Estavam reunidos todos os nomes de peso do clã, figuras de longa barba e olhos que viram mais batalhas do que primaveras. Homens e mulheres que moldaram o destino do clã ao longo das décadas. Agora, todos eles fitavam a entrada da sala.
Os passos que ecoaram pelo corredor estreito anunciaram a chegada de Baek Jin. Seus olhos permaneciam baixos, os cabelos longos e grisalhos caindo em ondas até os ombros. Vestia um manto negro, com delicados fios vermelhos bordando suas extremidades, como rios de sangue silenciosos. Um cinto vermelho firmava o traje na cintura, onde repousava sua espada curta, simples mas afiada. Por cima de tudo, uma capa branca que ondulava levemente com seu andar. Em seu peito, bordado com sobriedade, o novo emblema de Ancião do Clã Baek.
Ao adentrar a câmara, os murmúrios não tardaram.
— Isso é…
— Ele não é o antigo servo do pátio leste…?
— Um ancião? Os céus estão testando nossa compreensão.
Baek Jin manteve-se calado, aproximando-se do centro com passadas firmes. Seus olhos, frios como a neblina das montanhas, varreram a sala sem desafio, apenas observação. Mas dentro de seu peito, o peso era concreto.
“O que estou fazendo aqui?”, pensou. “De servo… a ancião. Essa capa branca é leve… e ao mesmo tempo, mais pesada que qualquer armadura que já vesti.”
O Patriarca Baek Mu-Hwan, sentado no trono cerimonial, ergueu uma mão. A sala silenciou-se.
O Patriarca era um homem alto, de cabelos escuros penteados para trás, com traços que misturavam serenidade e poder. Não era jovem, mas o tempo havia sido generoso com ele. Sua presença não gritava, mas preenchia cada canto do espaço como o som de uma flauta ao entardecer.
— Estimados Anciãos… — sua voz era firme, gentil e clara como um rio de montanha. — Hoje, apresento-vos Baek Jin. A partir deste dia, ele se junta a este conselho como Ancião de pleno direito.
Os olhares se voltaram novamente para Baek Jin, como lanças silenciosas. Um dos anciões mais antigos, Baek San, de sobrancelhas espessas e olhos cansados, ergueu-se.
— Patriarca, com todo respeito, posso perguntar… por quê? Não questiono suas intenções, mas este homem era até recentemente apenas um servo. Por que colocá-lo ao nosso lado?
Outros assentiram discretamente. A dúvida era coletiva, ainda que dita com decoro.
O Ancião mais antigo e respeitado, Baek Woon apenas observava tudo silenciosamente.
O Patriarca Mu-Hwan permaneceu em silêncio por um instante. Então, ergueu-se também.
A aura que emitiu foi sutil, como uma neblina quente atravessando o coração dos presentes. Mas os mais sensíveis sentiram a pressão espiritual do Patriarca — não agressiva, mas imponente. Era como a presença de um tigre sentado entre cordeiros, calmo, mas infinitamente superior.
— Baek Jin não é um servo comum. Aqueles que caminham entre “Dragões Escondidos e Tigres Agachados” nem sempre mostram sua verdadeira força. É preciso olhos treinados para reconhecer a joia na lama. Eu vi o Monte Tai diante de mim… e desta vez, eu o reconheci.
As palavras, ditas com leveza, ecoaram como trovão nas mentes dos presentes.
Baek Jin se manteve em silêncio. Por dentro, sua mente era um mar revolto.
“Estes homens… viveram mais do que eu. Cultivaram por mais décadas do que posso contar. E ainda assim, estou aqui. Por quê me aceitaram? Ou será que esperam que eu falhe?”
Baek Mu-Hwan voltou a sentar-se.
— Que este conselho o aceite, não pela sua origem, mas por seus feitos. Os Céus têm olhos, e recompensam aqueles que trilham o caminho com coragem.
Um a um, os anciões assentiram. Alguns a contragosto, outros com curiosidade crescente.
Baek Jin curvou-se levemente.
— Agradeço… pelo voto de confiança.
E enquanto as formalidades seguiam, ele permaneceu lá, em pé, vestindo a capa branca… sentindo o peso invisível do futuro empurrando suas costas.
O caminho como ancião havia começado. E ele sabia: o verdadeiro desafio, agora, estava apenas começando.
…
As palavras do Patriarca ecoaram suavemente pela Câmara Principal dos Anciões, mas, ainda assim, carregavam o peso de mil lâminas ocultas. O salão, emoldurado por pilares entalhados com a história do Clã Baek, envolto por tapeçarias envelhecidas e brasões marcados pelo tempo, permanecia silencioso — como se a própria madeira das paredes hesitasse em rangir.
Baek Jin, em pé à esquerda do trono do Patriarca, mantinha a expressão fria e os olhos inexpressivos. Seu manto negro de fios vermelhos bordados contrastava com a capa branca que esvoaçava suavemente atrás de seus ombros. A curta espada repousava em sua cintura, como se estivesse à espreita, pronta para rugir a qualquer provocação. Ele ainda não havia falado nada desde que pisara no salão como ancião, apenas como servo.
O Patriarca Baek Mu-Hwan levantou-se com serenidade. Seus olhos pareciam conter todo o peso das eras. A barba grisalha bem cuidada tocava o centro de seu peito, e suas mãos, embora magras, emanavam firmeza.
— Que os céus sejam testemunhas — começou ele, com voz pausada — de que a decisão tomada neste salão visa apenas a continuidade e o florescimento do nosso Clã Baek. Antes que as dúvidas se transformem em desrespeito, deixem-me lembrá-los das responsabilidades e direitos que recaem sobre os ombros de um ancião.
Vários anciões trocaram olhares entre si, alguns franzindo o cenho, outros apenas observando em silêncio. O mais velho deles, Ancião Baek Hwan, ajeitou sua túnica verde-oliva e recostou-se ligeiramente, atento às palavras do Patriarca.
— Ser ancião do Clã Baek não é apenas um título, senhores — continuou o Patriarca. — É um juramento. Um juramento de sangue, honra e alma. Um ancião tem o dever sagrado de proteger o clã contra todos os que desejem vê-lo destruído, sejam eles bandidos das montanhas, seitas demoníacas ou até mesmo os arrogantes do Clã Yan.
Alguns assentiram discretamente com a cabeça. Outros se mantinham em silêncio, analisando cada entonação, cada palavra.
— Mais do que isso — prosseguiu o Patriarca, enquanto seus olhos descansavam por um breve instante sobre Baek Jin —, um ancião deve ser exemplo. Guiança e pilar para os discípulos. Cada ancião é autorizado a tomar até cinco discípulos pessoais sob seu cuidado, e tantos outros quanto forem dignos, mesmo que não nomeados oficialmente. Vocês moldam o futuro do clã com suas palavras e ações.
Baek Jin não esboçou reação, mas seus pensamentos corriam intensamente. Cinco discípulos pessoais… Eu mal consigo lembrar como é ter alguém que me tratou com o mínimo de respeito. Agora eu sou o mestre? A ironia da vida o fazia querer rir, mas seus olhos continuavam frios, como lâminas enterradas na neve.
O Patriarca continuou:
— Cada ancião terá seu próprio pátio e residência. Espaço para cultivar, treinar ou até mesmo se isolar, se necessário. Além disso, o clã, dentro de suas atuais capacidades, fornecerá um salário mensal de quinze moedas de ferro negro de baixa qualidade…
Um leve murmúrio percorreu o salão. A quantia, embora valiosa para os tempos atuais, não se comparava ao passado.
— …e duas pedras espirituais de baixa qualidade — concluiu o Patriarca. — Esse é o limite do que podemos sustentar hoje. No passado, um ancião comum recebia centenas, às vezes milhares de pedras espirituais por mês. Mas nossos armazéns não são mais como antes. Os tempos mudaram.
O silêncio retornou. Não por indignação, mas por aceitação amarga. Eles sabiam. A glória de outrora havia sido corroída por guerras, perdas e o avanço das sombras do Clã Yan.
— E quanto à razão de nomear um servo como ancião? — indagou, por fim, outro ancião chamado Baek Hwan. — Peço vossa indulgência, Patriarca. Mas o povo murmura. A honra do título de ancião, entregue a alguém sem linhagem ou história?
Todos os olhos voltaram-se para Baek Jin. Ele continuava imóvel, como se nem mesmo respirasse. O Patriarca não hesitou.
— Os céus têm olhos — disse ele calmamente. — E não precisam de linhagens para reconhecer a grandeza. Aquele que veste as vestes da Lâmina Silenciosa não é mais um servo. É uma lâmina afiada em silêncio, provada em batalha, forjada em fogo. E aquele que se atrever a julgar pela aparência externa, que vá até o campo de batalha provar o próprio valor.
A pressão espiritual do Patriarca, sutil como um sussurro, espalhou-se pelo salão. Não era ameaçadora, mas deixava clara a autoridade inquestionável de sua posição.
“Dragões Escondidos e Tigres Agachados”, pensou um dos anciões mais jovens. Talvez este servo seja um desses…
Baek Jin, então, finalmente falou. Sua voz, baixa e fria, quebrou o silêncio como uma adaga atravessando a névoa.
— Não pedi por esse título. Nem desejei essas vestes. Mas se aceitá-las significa que poderei proteger o que considero valioso… então que assim seja.
Seus olhos cinzentos se ergueram. Não havia brilho, apenas uma escuridão serena, como a de um abismo que sussurra segredos aos que ousam se aproximar.
— Mas não esperem reverência cega de mim. Eu seguirei o que considerar correto. Não sou servo de ninguém além de minha própria convicção.
Um calafrio passou por alguns anciões. Baek Woon, sentado ao lado direito do salão, sentiu a mesma pressão que havia sentido dias atrás. Esse garoto… há algo nele que nem mesmo eu compreendo completamente.
O Patriarca sorriu levemente.
— É o bastante.
Ele se voltou aos outros anciões.
— Deem-lhe o espaço. Se falhar, será cobrado. Mas se triunfar… todos reconhecerão que os céus ainda sorriem para o Clã Baek.
O conselho se dissolveu lentamente, em murmúrios e reflexões silenciosas. Baek Jin permaneceu por um tempo, observando os brasões do salão, os rostos que o julgaram, as sombras que sussurravam em cada canto. A batalha por respeito ainda estava longe de terminar.
Mas naquele instante, a Lâmina Silenciosa havia sido oficialmente forjada.
…
A lua pendia preguiçosa no céu do Clã Baek, lançando uma luz pálida e suave sobre os telhados curvos das residências. Havia algo de silencioso e sagrado naquela noite — o tipo de quietude que fazia até os galhos das cerejeiras hesitarem em balançar com o vento.
Baek Jin caminhava sem pressa, as botas negras pisando firme sobre as pedras bem posicionadas do caminho, que serpenteava por entre jardins bem-cuidados. À sua frente, se erguia o novo espaço que agora era seu por direito: o Pátio do Ancião Silencioso.
As portas do pátio haviam sido recém-instaladas, de madeira escura reforçada com pregos de ferro negro. Os portões, com inscrições discretas de proteção espiritual, se abriram suavemente ao seu toque.
No passado, Baek Jin habitava os limites do clã, num terreno quase esquecido. Sua moradia anterior era pouco mais que uma cabana deformada pelo tempo. As paredes de madeira estavam enegrecidas pela umidade, com frestas por onde o vento do norte entrava impiedoso no inverno. O telhado afundava ao centro e, durante as chuvas, mais parecia um balde furado do que um abrigo. Ratos dividiam espaço com as suas lembranças, e o chão, de terra batida, mal era digno de um cão.
Agora, o cenário era outro.
O novo pátio era simples, mas havia dignidade em sua simplicidade. Uma pequena ponte de madeira arqueava sobre um lago artificial de águas cristalinas, onde flores de lótus flutuavam tranquilas. Um jardim de flores — margaridas silvestres, peônias e lírios — emoldurava o caminho de pedra que levava até a residência principal. O aroma suave das flores preenchia o ar, como se tentasse consolar um coração que já não se abria para consolo.
A residência era feita com madeira de boa qualidade, o chão forrado com tatames novos, as paredes decoradas com poucos pergaminhos caligrafados com provérbios tradicionais. Em uma mesa baixa, havia chá quente recém-preparado — um presente silencioso deixado por servos do clã.
Baek Jin entrou.
Sentou-se sozinho no centro do aposento, as vestes ainda impecáveis. Tirou a espada curta da cintura e a repousou diante de si. O brilho da lâmina refletiu seu rosto pálido, os olhos cinzentos como brumas antes da tempestade.
Silêncio.
Um tipo de silêncio que não era confortável. Não como o da natureza, mas o tipo de vazio que se instala dentro da mente de um homem em conflito.
Seus dedos apertaram os joelhos. Seu olhar se fixou na espada.
“Dignidade… é isso que essas roupas representam?”
O peso das responsabilidades não vinha do título ou das moedas de ferro negro. Vinha do fato de que agora, seus erros não seriam apenas seus. Qualquer deslize, qualquer hesitação, poderia manchar o nome do clã que o acolheu e, mais ainda, poderia custar vidas.
“Tantos me olham com dúvida… Outros com temor. Alguns sequer escondem o desprezo.”
Respirou fundo, mas o ar parecia mais denso, mais pesado.
“Se para ter um nome neste mundo eu precisar matar mais mil… então que assim seja. Se a única linguagem que entendem é a da lâmina, eu falarei com cortes e sangue.”
A raiva não estava em sua voz — não havia voz alguma —, mas ardia em sua alma como brasas embaixo da neve. Não era um ódio cego, mas a determinação fria de quem sabia que, neste mundo, o valor de um homem era medido pelos rastros que deixava no campo de batalha.
“Mesmo que minha sanidade se consuma pouco a pouco… mesmo que, no fim, eu olhe no espelho e não reconheça mais quem sou… eu não recuarei.”
Baek Jin olhou pela janela aberta.
O jardim balançava suavemente com o vento da noite. Um vaga-lume cruzou o ar, iluminando o escuro por um breve instante. O símbolo silencioso de algo pequeno, mas persistente.
“Eles me deram um pátio, uma residência, um título…” — seus dedos tocaram o emblema de ancião costurado na capa branca. — “Mas ainda não me deram um nome.”
Ele se levantou.
Pegou sua espada. Saiu do aposento e caminhou para o centro do jardim, onde uma pedra redonda servia de altar. Firmou os pés no chão. Fechou os olhos. Começou a meditar.
Mas mesmo no silêncio da meditação, sua mente não se aquietava.
“Quantos mais precisarão cair até que minha existência não seja posta em dúvida?”
“Quantos mais precisarão sangrar para que eu possa viver com dignidade?”
“Se preciso mergulhar no abismo, então que o faça de olhos abertos.”
O vento soprou com mais força, espalhando pétalas brancas pelo jardim, como se o próprio mundo reconhecesse o peso da promessa feita naquela noite.
E Baek Jin, a Lâmina Silenciosa, continuou ali — imóvel como uma estátua, mas com a alma em guerra.
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