Capítulo 17 – O Santo Marcial do clã Baek.
O Vale da Lua Partida, cenário ancestral de disputas e sangue, estava mergulhado em um silêncio fúnebre. As montanhas ao redor se erguiam como espectadores de pedra, e as nuvens espessas se acumulavam sobre o céu, escuras como presságio. No centro do vale, dois jovens cultivadores se encaravam, separados por poucos passos — mas por um abismo de intenções.
De um lado, Tae-Min, o discípulo de Baek Jin. As vestes simples escondiam um corpo marcado por treinamento incessante. Seus olhos, antes vibrantes de juventude, agora ardiam com o brilho calmo de quem conhecia o peso da morte. Seu qi era silencioso, contido, mas imensamente denso — como um lago profundo que esconde bestas adormecidas.
Do outro, Yan Luo. Armado com uma lança dupla negra como carvão e decorada com inscrições do Clã Yan, o jovem carregava o orgulho da linhagem mais cruel do mundo murim. Seus cabelos longos estavam presos num coque de guerra, e seus olhos vermelhos faiscavam com arrogância e malícia.
— Eu vou esmagar seus ossos até virarem pó! — rugiu Yan Luo. — E entregarei sua cabeça ao meu avô, para que ele a use como adorno de trono!
Tae-Min não respondeu. Apenas cerrou os punhos e respirou fundo.
O combate começou como o uivo de uma tempestade.
Yan Luo avançou primeiro, seus passos gerando fissuras no chão. Sua lança cortava o ar com velocidade demoníaca, deixando rastros de qi negro por onde passava. Tae-Min desviava com dificuldade — o inimigo era mais rápido do que qualquer oponente que enfrentara até então. Cada investida era acompanhada por um grito de guerra, e cada bloqueio de Tae-Min custava parte de sua energia.
A luta se estendeu por minutos que pareceram eternidades. Chão partido. Árvores destruídas. O vale inteiro tremia.
Tae-Min sangrava.
Um corte profundo atravessava seu ombro esquerdo, e sua respiração estava irregular. Sua perna esquerda tremia — a lança de Yan Luo havia perfurado sua coxa minutos antes. E mesmo assim, ele se mantinha de pé.
— Isso é tudo o que você tem? — zombou Yan Luo, cuspindo no chão. — Seu mestre deve estar decepcionado.
Tae-Min abaixou os olhos.
“Não posso usar essa técnica levianamente…”, pensou. “Mas se não o fizer… morrerei aqui.”
Ele se lembrou das palavras de Baek Jin.
“A técnica suprema não é para vanglória. É para a sobrevivência. Use-a quando o mundo deixar de lhe dar escolha.”
Tae-Min firmou os pés no chão.
— Mestre… perdoe-me. — murmurou em silêncio.
Seu qi, até então contido, explodiu em ondas invisíveis. O ar tremeu. As pedras flutuaram. A poeira parou no ar.
E então… ele executou o selo com as mãos.
— Primeira Forma da Aniquilação Silenciosa… Golpe do Vazio Incompleto!
O mundo parou.
Num instante, Tae-Min desapareceu.
Yan Luo arregalou os olhos, sentindo algo gelado tocar sua nuca. Girou o corpo, tentou erguer a lança.
Mas já era tarde.
Uma lâmina invisível — feita de puro qi — atravessou seu peito de lado a lado. A força do golpe esmagou seus órgãos internos e fragmentou seu núcleo espiritual.
— Impossível… — murmurou Yan Luo, cuspindo sangue.
Caiu de joelhos. E então, para trás. Os olhos abertos, mortos. Um sorriso de desdém ainda estampado em seus lábios congelados.
Silêncio absoluto.
Mas esse silêncio foi quebrado por gritos de fúria.
— Yan Luo foi morto!
— Isso é um insulto! Um crime de guerra!
— Os Baek pagaram com sangue!
Guerreiros do Clã Yan surgiam das bordas do vale, como sombras se desdobrando da floresta. Homens e mulheres em armaduras negras, cultivadores de diversas idades, todos armados até os dentes.
No alto de uma colina próxima, Yan Xian observava a cena com frieza.
— Esse é o motivo de que precisávamos. — murmurou, seus olhos brilhando com crueldade.
Ao seu lado, Yan Wu Heng sorria com escárnio.
— Os céus têm olhos. Agora, ninguém poderá nos impedir.
O Patriarca do Clã Yan ergueu uma mão, e dezenas de bandeiras de guerra se ergueram em resposta. O chão do mundo murim tremia com a marcha da guerra.
No entanto… antes que os primeiros cultivadores do Clã Yan se movessem em direção ao campo, uma aura colossal atravessou o ar como um trovão.
Baek Jin apareceu.
Vestes cinzentas ondulando com o vento. Barba longa, olhos serenos como montanhas milenares. Ele se colocou diante de Tae-Min com tranquilidade absoluta, enquanto seu discípulo, ferido, caía de joelhos atrás dele.
Ele olhou para todos os guerreiros do Clã Yan.
E então… sorriu.
— Quanta hipocrisia. — sua voz era suave, mas ressoava como um trovão. — Estavam sedentos por guerra, e agora usam a morte de um jovem arrogante como desculpa?
Yan Xian avançou alguns passos, com olhos semicerrados.
— Ele matou o herdeiro do meu clã.
— Em legítima defesa. — Baek Jin rebateu, calmo. — O próprio Yan Luo declarou que arrancaria a cabeça de meu discípulo. Vocês criaram esse monstro. E agora se fazem de vítimas?
As auras começaram a se agitar. Mas antes que qualquer lado avançasse, uma figura feminina surgiu dos céus, descendo como uma sombra.
Yan Mei-Ling.
Ela desceu silenciosamente diante de Tae-Min, seu olhar inexpressivo fixo no garoto ajoelhado.
— Você o matou… — murmurou, com olhos avermelhados.
— Ele iria me matar. — Tae-Min respondeu, com dificuldade.
— Ainda assim, você não é digno de viver.
Ela ergueu a mão. Um qi cortante como uma lâmina de vento começou a se formar ao redor de seus dedos.
Mas antes que pudesse atacar, uma palma interceptou sua aura.
Era Baek Jin.
Ele se colocou entre ela e Tae-Min, sem dizer uma palavra.
O mundo parou outra vez.
Yan Mei-Ling encarou o velho, e Baek Jin a encarou de volta. Duas forças opostas — uma como a noite, outra como o abismo.
Ambos ativaram seu qi.
Uma pressão espiritual insana se formou, cobrindo todo o campo de batalha.
Soldados do Clã Yan e do Clã Baek caíram de joelhos, sufocados.
As árvores ao redor murcharam. As pedras se partiram. O céu escureceu.
Duas lendas se encontravam.
Duas Lâminas Silenciosas.
— Não vou deixá-la tocar em meu discípulo. — disse Baek Jin, por fim.
— E eu… não consigo esquecer. — murmurou Mei-Ling, sua voz quase um sussurro.
E então, pela primeira vez em muitos anos, as sombras do passado voltaram a se mover.
…
O silêncio era absoluto.
O vento parou. A floresta, até então viva com o som das folhas e animais, cessou sua sinfonia. Até os pássaros pareciam ter fugido, sentindo o peso esmagador de duas presenças que dominavam o céu.
No centro do campo de batalha, frente a frente, estavam Baek Jin e Yan Mei-Ling.
Ela, a assassina lendária do Clã Yan, conhecida como a Lâmina da Sombra. Uma mulher de rara beleza e letalidade. Seus cabelos escuros flutuavam com a energia ao redor. Seus olhos, como dois cristais cinzentos, carregavam frieza absoluta. Suas vestes negras justas, bordadas com símbolos arcanos do Clã Yan, ondulavam com o qi que crescia ao seu redor.
Ele, o velho invisível do Clã Baek, que por décadas se ocultou sob a máscara de inutilidade. Barba longa e branca, roupas simples e pés descalços. Mas agora, a máscara havia caído. A aura de Baek Jin se erguia como uma parede de montanha que jamais tombou — inabalável, imperturbável, e mortalmente silenciosa.
As auras colidiram.
BOOM!
A terra se partiu sob seus pés, criando uma cratera. Os dois avançaram no mesmo instante, como dois relâmpagos de força pura. A batalha não duraria minutos. Nem mesmo segundos. Era um duelo entre mestres, onde o destino era decidido em poucas respirações.
Primeira respiração.
Mei-Ling moveu-se como uma sombra viva. Sua técnica era sutil, como se o espaço à sua volta tivesse sido engolido pela escuridão. Uma dezena de lâminas de qi surgiram ao redor de Baek Jin, perfurando de todos os lados — uma dança de morte feita para assassinar santos em silêncio.
Baek Jin, no entanto, não recuou. Seus pés afundaram no solo. Uma única palma. Simples. Direta. Frontal. O ar ao redor foi quebrado. As lâminas de Mei-Ling explodiram em partículas espirituais.
— Técnicas fantasiosas não cortam uma vontade verdadeira. — disse Baek Jin, com serenidade.
Segunda respiração.
Mei-Ling avançou com as mãos nuas. Cada golpe seu atingia com precisão milimétrica os pontos de pressão, tentando inutilizar o corpo de Baek Jin. Seu estilo era assassino — e antigo. Ela mirava os meridianos, os tendões, o pescoço. Mas ele… era como um rio que escapa por entre os dedos.
Baek Jin desviava por meros milímetros, seus movimentos simples, mas perfeitos. Com um giro de pulso, prendeu o braço de Mei-Ling. Ela sorriu.
— Eu te ensinei isso, Baek Jin.
— Por isso sei como quebrar.
Com um giro brutal, ele a lançou contra o chão, criando uma cratera. Mas antes que pudesse finalizar, ela desapareceu como neblina.
Terceira respiração.
Ela ressurgiu atrás dele, cortando o ar com a palma envolta em qi sombrio. Era a técnica secreta do Clã Yan — Punho do Esquecimento Sem Nome. Um ataque que dissolvia o qi inimigo ao contato.
Baek Jin foi atingido no peito.
Sangue escorreu de sua boca.
Por um instante… parecia que havia perdido.
Mas então, sua mão segurou o punho de Mei-Ling.
— O Quarto Portão… já não me é suficiente. — murmurou, com os olhos ardendo.
E o mundo tremeu.
O Quinto Portão Interno se rompeu.
Um som ensurdecedor ecoou dentro de seu corpo, como uma represa espiritual se quebrando. O fluxo de qi explodiu de seus meridianos como rios libertos de suas margens. Sua pele brilhou com luz dourada. Seus olhos… tornaram-se duas brasas intensas.
E com isso, sua presença mudou.
Baek Jin havia rompido o limite mortal.
Alcançara o status de Santo Marcial.
O ar tremeu. Os céus chiaram. Até os anciãos que observavam à distância perderam o fôlego.
Mei-Ling recuou de um salto, sangue escorrendo de sua mão direita, queimada pela energia transbordante de Baek Jin. Ela o encarou — e, por um instante, seus olhos vacilaram.
— Então… você quebrou a promessa. — murmurou ela, voz baixa como uma brisa.
— Eu quebrei as correntes. — respondeu Baek Jin. — O mundo nos traiu, Mei-Ling. Só nos resta cortar o destino com nossas próprias mãos.
E então, ele avançou pela última vez.
Quarta respiração.
Baek Jin apareceu diante dela como um raio prateado. A palma desceu, não como um golpe físico, mas como uma manifestação da própria vontade. Uma força que pressionava corpo, alma e destino.
Mei-Ling tentou resistir, mas seu qi se desfez.
A palma acertou seu esterno. Não a matou. Mas silenciou todos os seus meridianos, paralisando-a por completo. Ela caiu de joelhos, ainda com os olhos abertos, mas incapaz de mover um músculo sequer.
A poeira assentou.
O campo de batalha permaneceu em silêncio.
O Clã Yan assistia em silêncio absoluto. Ninguém se atreveu a dar um passo. Os mais fracos… já haviam caído inconscientes, apenas por sentirem a pressão espiritual de Baek Jin.
Ele permaneceu de pé, ofegante. Seus olhos se voltaram para os céus, onde nuvens negras se reuniam.
— Os céus têm olhos… — murmurou. — Então vejam o que fizeram. Empurraram este mundo à beira do abismo. Agora, eu empurrarei de volta.
A guerra não acabara.
Mas todos sabiam… naquele instante, um novo soberano havia surgido no mundo murim.
Baek Jin, o Santo Marcial do clã Baek.
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