Capítulo 21 – Martelo que Forja Caminhos.
O tempo havia passado como um rio em silêncio. Um ano desde a grande guerra. Um ano desde que o nome Baek Jin, antes ignorado como um idoso inútil, ecoou pelos quatro ventos do mundo murim como o Protetor do Clã Baek, o Ancião que desafiou os próprios céus com sua lâmina ancestral.
Era manhã no Pátio de Missões. O som dos sinos, o barulho abafado dos passos apressados dos discípulos, os murmúrios de admiração… Tudo se aquietava sempre que Baek Jin surgia. Vestia suas roupas tradicionais em tons escuros de jade, o cabelo preso em um coque simples, e seus olhos permaneciam tão calmos quanto um lago congelado. Ele caminhava lentamente até o pergaminho de missões, onde, desta vez, não era ele quem partiria para o combate.
— Tae-Min. — Sua voz soou como um trovão abafado. — Já é hora de deixar de lado a sombra do passado… e enfrentá-la.
Tae-Min, agora com 15 anos, não era mais o mesmo jovem inseguro de outrora. Sua postura era firme, sua respiração profunda, e a energia que circulava em seu corpo era digna de um Guerreiro Marcial no Auge. Os olhos carregavam a ferocidade de alguém moldado na dor, mas também o brilho da esperança dada por um mestre que nunca o abandonou.
— Mestre, prometo que honrarei o nome que carrego. — Tae-Min apertou os punhos, recebendo a missão com respeito. O pergaminho descrevia um pedido de socorro vindo do Vilarejo Karn, ao sul das montanhas Yan. Bandidos estavam assolando a região… com tatuagens de serpente no pescoço.
Os olhos de Tae-Min se estreitaram.
— As Serpentes… eles… — Um tremor percorreu sua espinha.
Baek Jin não disse nada. Mas sua presença por trás era o suficiente para estabilizar o turbilhão de emoções do discípulo. Ele apenas colocou uma mão sobre seu ombro.
— Vá. E lembre-se… olhos calmos vencem guerras que punhos furiosos não conseguem.
O vilarejo Karn era um campo de cinzas. Ruínas queimadas, corpos enterrados às pressas… e o cheiro podre de desespero no ar. Tae-Min chegou com dois outros discípulos de apoio, mas ele logo percebeu que este não seria um teste comum. Algo mais sombrio pairava naquela região.
— As pegadas vão para a floresta ao sul. — Disse um dos discípulos, examinando o chão.
Tae-Min liderou o grupo, atento. A energia ao redor parecia contaminada, como se o próprio ar estivesse gritando. Em pouco tempo, encontraram uma caravana abandonada. Ao se aproximar, Tae-Min sentiu o primeiro golpe… não físico, mas emocional.
Uma emboscada aconteceu. Lâminas surgiram da névoa. Bandidos armados, muitos deles no Nível Guerreiro Fase Intermediária, atacaram sem aviso. Tae-Min enfrentou-os com precisão cirúrgica, misturando as técnicas do estilo da Lâmina Branca com o fluxo da energia interna. Mas havia muitos.
O último golpe o atingiu por trás. Não foi letal, mas o fez desmaiar.
Baek Jin chegou alguns minutos depois.
Ele havia seguido o discípulo em segredo — não por falta de confiança, mas porque os olhos de Tae-Min ao ler aquele pergaminho o fizeram lembrar… de si mesmo. E ele sabia: quando o passado volta para assombrar, até um Guerreiro Marcial pode perder o controle.
Ao encontrar Tae-Min inconsciente, ferido, mas vivo, Baek Jin o pegou no colo como se carregasse um filho. Seu olhar estava calmo, mas seus ouvidos captaram um som abafado, quase insignificante.
— …mm… ajude… por favor…
Seguindo o som, Baek Jin se aproximou da caravana parcialmente encoberta por folhas e lama. Havia estruturas metálicas improvisadas… jaulas.
E dentro delas… pessoas.
Mulheres. Sujas, feridas. Olhos vazios. Corpos encolhidos, como se tentassem se esconder do próprio mundo. Não havia mais palavras nos rostos delas. Apenas silêncios. Um silêncio que gritava.
Baek Jin sentiu algo apertar em seu peito. A sensação era diferente de tudo que sentira em combate. Não era medo. Era indignação.
— O mundo murim… — ele sussurrou — …é um campo de guerra real. Não há retorno à inocência após ver isso.
Com cuidado, ele abriu as trancas. As mulheres não se moveram. Algumas estremeceram. Uma delas, com a pele marcada por queimaduras e hematomas, olhou diretamente para ele. Seus lábios trêmulos se abriram lentamente.
— Me… mate… por favor…
Baek Jin ajoelhou-se diante dela. Seus olhos, normalmente frios, mostraram compaixão.
— Não posso atender a esse pedido.
Ela tentou se afastar, mas o corpo frágil não respondeu. Ele então estendeu um manto, cobrindo-a com respeito.
— Os céus não te esqueceram. E eu também não.
Sua mão foi até um pequeno frasco de pílulas medicinais. Com cuidado, ele deu uma dose à mulher.
— Eu não vim aqui para ser teu carrasco. Vim para ser tua chance de viver.
A mulher chorou. Pela primeira vez em muito tempo, lágrimas reais. Não de dor. Mas de um fio de esperança.
Tae-Min despertou horas depois, no acampamento improvisado. As mulheres estavam em repouso, recebendo cuidados básicos com ervas do próprio Baek Jin.
— Mestre… o que foi isso…? — perguntou ele, com a voz baixa.
— A face oculta do mundo. Aquela que nenhum torneio, treino ou técnica te mostra.
Tae-Min apertou os lençóis.
— Eles… foram os mesmos que destruíram meu vilarejo. As tatuagens… são iguais. Eu… quase os matei com ódio.
Baek Jin sentou-se ao lado dele.
— Ódio é como uma lâmina sem cabo. Corta quem a segura. Mas justiça… justiça é afiada, certeira… e precisa ser empunhada com clareza. Você está pronto?
Tae-Min olhou para suas mãos. E, pela primeira vez, não tremeram.
— Estou pronto.
Baek Jin assentiu. E, com um leve sorriso, respondeu:
— Então, levante-se. As serpentes ainda rastejam nesta terra… mas agora, têm um caçador.
No final do dia, Baek Jin olhou para o céu, os olhos presos na vastidão azulada.
“Esse mundo não é um conto de heróis. É uma terra onde se mata… e se salva. Onde se perde… e se reencontra. E enquanto eu respirar, ensinarei aos meus… que viver é lutar, mas também é proteger.”
O vento soprou suavemente, como se os céus tivessem ouvido.
E respondido.
…
Nos corredores principais do Salão Central, mestres e anciãos caminhavam em silêncio, mas com passos pesados. A notícia já havia se espalhado como um incêndio em campo seco: o discípulo da Lâmina Silenciosa havia despertado por completo. Tae-Min, o jovem órfão adotado por Baek Jin, havia voltado da missão com a expressão de um homem que conhecera o abismo — e escolhera não se perder nele.
— O discípulo daquele velho finalmente ergueu a cabeça… — murmurou o Ancião Baek Woon, observando da sacada o treinamento do jovem no pátio inferior.
Seus olhos, sempre gélidos, estavam agora fixos no garoto com a seriedade de quem observa um dragão em formação.
— …Dragões Escondidos e Tigres Agachados… os céus têm olhos. — acrescentou, recostando-se no parapeito com um longo suspiro.
A comoção não estava apenas entre os anciãos. Discípulos de todos os setores comentavam em sussurros o feito de Tae-Min. Libertar reféns, resistir ao ataque das Serpentes do Pântano, e, acima de tudo, retornar com a mente intacta — esse era um feito raro mesmo entre guerreiros experientes. Aqueles que antes zombavam de sua ligação com o velho Baek Jin agora evitavam até mesmo cruzar seu olhar.
O discípulo da Lâmina Silenciosa havia crescido.
Enquanto isso, não muito longe dali, numa rua lateral próxima à área de comércio interna do clã, um restaurante errante feito de madeira laqueada e com lanternas vermelhas dançantes no vento abrigava uma conversa tensa.
O interior exalava o cheiro agridoce de porco caramelizado e bolinhos de arroz, mas o clima na mesa do canto não era nada acolhedor.
Uma mulher de longos cabelos roxos, presos em um coque firme com uma presilha de metal cinza, batia o dedo no balcão. Seu olhar era afiado como lâminas forjadas sob pressão. O manto escuro que usava exibia, no centro das costas, o símbolo de um martelo flamejante envolto em runas, reconhecido por todo o mundo murim: a insígnia da Forja do Martelo Divino.
— Se não conseguimos um patrocinador até o próximo mês, estaremos falidos. — A voz da mulher era firme, autoritária, mas sem perder a classe. — A Forja da Lua de Prata acabou de anunciar a chegada de um novo mestre… dizem que ele consegue dobrar ferro celestial como se fosse argila. Você tem ideia do impacto disso, Daran?
Diante dela, um homem careca, de barba longa trançada e pele bronzeada pelos anos diante do calor da fornalha, suspirou. Seu nome era Daran Ferro-Negro, um dos ferreiros seniores da Forja do Martelo Divino. Ele era uma lenda silenciosa, conhecido por sua habilidade rara de moldar Ferro Negro da Essência Pura, um dos materiais mais difíceis de manipular no continente.
— Diretora Jisoo… eu compreendo sua preocupação. Mas não é tão simples quanto contratar um ferreiro qualquer. Para vencermos a Lua de Prata agora, precisaríamos de alguém… — ele parou por um momento, como se ponderasse se deveria mesmo dizer aquilo — …alguém capaz de manipular as Chamas Negras de Sétimo Grau. Ou… até mesmo as lendárias Chamas Negras de Oitavo Grau.
Jisoo arregalou os olhos, sem acreditar no que ouvira.
— Chamas Negras de Oitavo Grau? Você está dizendo que precisamos de um mito para continuar existindo?
— Talvez. — Daran não desviou o olhar. — Porque a Lua de Prata já deixou de ser apenas uma forja. Eles se aliaram a um Mestre Alquimista da Seita das Mil Essências. Isso muda tudo.
O silêncio caiu entre eles. Lá fora, o som de trovões ecoou distante.
Naquele mundo, ferreiros e alquimistas não eram meros artesãos.
Eram existências capazes de influenciar dinastias, alterar o curso de guerras e até mesmo erguer ou destruir clãs inteiros. Uma pílula feita por um alquimista de Terceiro Grau podia fazer um guerreiro comum alcançar um novo nível de cultivo. Uma espada forjada por um mestre ferreiro podia cortar montanhas ou selar feras demoníacas.
Cada um deles carregava nomes reverenciados. Mesmo um aprendiz de alquimia de Primeiro Grau, ou um ferreiro de entrada, era tratado com extremo respeito nas grandes seitas. Mestres de alto nível? Eram mais protegidos que generais. Mais ricos que príncipes.
Era por isso que o declínio da Forja do Martelo Divino era tão alarmante. Perder esse espaço significava mais do que falência.
Significava desaparecer do cenário murim.
— Se ao menos encontrássemos alguém com afinidade com as chamas negras… — murmurou Jisoo, com os olhos perdidos.
Daran olhou para ela, hesitando.
— Existe um boato… sobre um jovem no Clã Baek. Disseram que seu mestre já manipulou chamas negras durante a guerra, quando enfrentou sozinho três cultivadores no Vale Sangrento. Dizem que ele nem sequer usou arma. Apenas os próprios punhos… e fogo negro.
— Fogo negro…? — Jisoo endireitou-se.
— Mas são apenas rumores. — Daran completou. — E mesmo que fosse verdade, ninguém viu esse velho ferreiro em ação desde então. Ele vive recluso, com o discípulo… o tal do Tae-Min.
Jisoo franziu o cenho.
— …Baek Jin?
O nome soou como um sussurro em meio à tempestade.
De volta à sede do clã, no jardim interno onde os bambus dançavam com o vento, Baek Jin tomava chá silenciosamente, enquanto Tae-Min praticava movimentos lentos com sua espada. A tranquilidade da cena escondia uma tensão no ar, como o momento antes de uma tempestade.
Baek Jin suspirou, olhando para o céu.
— Há muitos que querem algo… mas poucos que sabem o que fazer com isso quando o têm em mãos.
Tae-Min parou o treino e se aproximou.
— Algo o incomoda, Mestre?
Baek Jin balançou a cabeça.
— Nada. Apenas senti o aroma de ferro queimado no vento… e isso me lembra que o mundo ainda está em combustão.
Os olhos de Baek Jin pareciam atravessar o tempo, como se ele já soubesse que, em breve, ferreiros e guerreiros cruzariam destinos no fogo.
E quando isso ocorresse…
As chamas negras se ergueriam outra vez.
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