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    Era uma tarde de beleza singular no interior do Clã Baek. O céu se estendia límpido, como um manto azul bordado por nuvens brancas e suaves. As brisas passavam entre as folhas dos salgueiros, assoviando canções esquecidas. Pétalas de ameixeira dançavam no ar, caindo lentamente sobre o pátio de pedras onde carpas prateadas nadavam em círculos tranquilos no espelho d’água. 

    No centro daquele cenário de paz e contemplação, Baek Jin permanecia sentado em uma cadeira de madeira escura, sob a sombra de uma cerejeira em flor. Ele aparentava apenas trinta e quatro anos, e seu porte era ao mesmo tempo sereno e indomável. Seus cabelos longos caíam até a cintura, de um tom cinza escuro quase negro, como se refletissem as cinzas de uma fogueira que jamais se apagara. Os olhos, profundos e cortantes, pareciam observar não o presente, mas os mil futuros possíveis à sua frente. 

    Em sua mão, ele segurava uma xícara de porcelana azul-clara, da qual emanava o perfume sutil de folhas raras, recém-infusadas. 

    Ao seu lado, ajoelhada com a postura impecável de uma serva treinada, Yan Mei-Ling permanecia em silêncio. Seus cabelos violetas estavam presos por um ornamento simples, e seus olhos translúcidos observavam com calma o vapor subir da chaleira. Por mais graciosa que parecesse, sua presença era marcada pela ausência de energia: seus meridianos estavam selados, um castigo silencioso imposto por Baek Jin meses atrás, após uma tentativa de traição frustrada. 

    — O chá está servido, Mestre. — sua voz era baixa, respeitosa, quase mecânica. 

    — Hm. — Baek Jin assentiu, levando a xícara aos lábios. — Calmo… como a lâmina antes de cortar a carne. 

    Antes que o silêncio se prolongasse, passos urgentes ecoaram entre as pedras do jardim. 

    Tae-Min, seu jovem discípulo, surgiu coberto de poeira e com os olhos inflamados de frustração. Seu manto estava rasgado no ombro, e seu braço exibia arranhões e marcas de combate. Na mão direita, carregava algo que revelava o motivo de sua expressão: uma espada partida ao meio

    — Mestre…! — ele se ajoelhou com respeito. — A missão de extermínio foi concluída, mas… minha lâmina não sobreviveu. Ela quebrou durante o confronto com o líder dos bandidos. 

    Baek Jin repousou a xícara com calma. Seus olhos observaram a lâmina fraturada por longos segundos, como se escutassem sua dor. Estendeu a mão, e Tae-Min lhe entregou a arma destruída. O mestre passou os dedos sobre o corte irregular do metal, analisando cada fio, cada falha em sua composição. 

    — …Impura. Mal forjada. Fraca. — ele murmurou, como se julgasse uma criatura viva. — Não é digna de alguém que deseja cortar o destino com as próprias mãos. 

    Levantou-se então da cadeira. Com seus longos cabelos dançando suavemente ao vento e o manto cinza escuro esvoaçando atrás de si, Baek Jin parecia um espírito errante das montanhas eternas. Seus passos eram leves, mas sua presença pesava como a lâmina de um ancião. 

    — Mei-Ling. — ele disse, sem virar-se. — Prepare-se. 

    — Sim, Mestre. 

    — Tae-Min. Venha comigo. Hoje aprenderá o que faz uma lâmina de verdade. 

    A área de comércio externa do Clã Baek fervilhava com sons e passos. Entre dezenas de tendas, barracas e pavilhões, uma construção se destacava: a Forja da Lua de Prata. Sua fachada era recém-restaurada, com pilares ornamentados em prata, tetos curvados em estilo imperial e uma lua de metal branco reluzindo no alto. Trabalhadores, cultivadores e nobres disputavam espaço na longa fila do lado de fora. 

    Baek Jin, com seu manto simples e aparência discreta, atravessava o pátio como um viajante comum. Seu cabelo longo quase negro balançava suavemente, e seus olhos semicerrados revelavam pouco, como se o mundo à sua volta fosse um livro já lido. Mei-Ling o acompanhava, carregando uma bolsa de pano. Tae-Min, de cabeça baixa e semblante sério, mantinha-se logo atrás. 

    Ao entrarem na forja, o calor dos fornos os envolveu, junto com o aroma do ferro em brasa e o som ritmado de martelos sobre metal. 

    No balcão, um jovem atendente de robe verde, com cabelos penteados em topete e um sorriso superior, os avaliou com desdém. Seu olhar passeou pelos trajes simples de Baek Jin, depois pelos sapatos de palha, e por fim pelas mãos nuas sem um único anel ou insígnia. 

    — Hm? — o jovem ergueu uma sobrancelha. — Está perdido, senhor? Este lugar não é uma tenda de ferros velhos. A entrada para servos e mendigos fica nos fundos. 

    Tae-Min imediatamente avançou um passo, indignado. 

    — Cuidado com sua língua! Você sabe com quem está falando? 

    Mas Baek Jin ergueu levemente a mão, silenciando-o com um gesto sutil. 

    — Precisamos de uma lâmina. Uma que corte mais que carne. — disse Baek Jin com voz neutra. 

    O balconista gargalhou. 

    — Uma lâmina? Hahaha! E com o que pretende pagar, viajante? Suas palavras? 

    O atendente inclinou-se para frente, cruzando os braços sobre o balcão. 

    — Isto aqui é a Forja da Lua de Prata. Cada arma é forjada com a bênção dos céus e feita para verdadeiros cultivadores. Não vendemos ferro a andarilhos que mal têm com o que cobrir os pés. 

    — Você está cortejando a morte. — rosnou Tae-Min, já com o punho cerrado. 

    — Tae-Min. — disse Baek Jin calmamente. — Observe, apenas. 

    Ele se virou de costas lentamente. Seu manto simples ondulava ao vento, mas sua aura pesava como o aço enterrado no solo. Dando as costas ao atendente, ele fez um gesto com os dedos. 

    — Vamos. 

    Mei-Ling se apressou, sem dizer uma palavra. Tae-Min, ainda fulminando o atendente com os olhos, o seguiu. 

    Quando já estavam na porta, Baek Jin parou e falou com voz firme, sem sequer olhar para trás. 

    — Lembre-se bem deste dia. 

    O balconista fez uma careta. 

    — Do quê, mendigo? 

    — Você escarneceu de alguém que viu as chamas negras do oitavo grau com os próprios olhos. E ainda ousou negar-lhe ferro. 

    O silêncio que se seguiu foi pesado. O atendente riu de novo, mas mais nervoso desta vez. 

    — Chamas negras? Oitavo grau? Essas coisas são lendas. Vá contar histórias na rua! 

    Baek Jin nada mais disse. Simplesmente partiu, sumindo na multidão com a mesma calma com que chegara. 

    No andar de cima da forja, escondido atrás de um biombo de seda, um homem idoso de barba curta e olhos sombrios observava a cena pela janela. 

    — Tolos… — murmurou o mestre ferreiro. — Aquele homem… não é um simples andarilho. 

    Seus olhos se estreitaram ao reconhecer os cabelos quase negros, a postura firme, e a aura sufocante que mal se contia sob o manto simples. 

    — Baek Jin…a Lâmina Silenciosa… vivo e caminhando entre formigas. 

    Ele sabia o que aconteceria a seguir. A arrogância de um jovem balconista acabara de reacender uma fornalha esquecida. 

    … 

    A rua principal do Distrito Sul fervilhava com energia. Mercadores gritavam ofertas, carruagens cruzavam os caminhos de pedra e aprendizes de diferentes clãs disputavam espaço para alcançar as forjas mais conceituadas do território. Mas entre todas, havia duas que se destacavam: a Forja da Lua de Prata, conhecida por sua arrogância e preços inflados, e a Forja do Martelo Divino, respeitada pela qualidade de suas armas e, acima de tudo, pela reputação de justiça e imparcialidade de sua diretora. 

    Foi para essa segunda que Baek Jin, a Lâmina Silenciosa, se dirigiu com passos firmes. 

    Seus cabelos cinza escuros, quase negros, escorriam pelas costas, e seus olhos cortavam o mundo ao redor como lâminas afiadas. Trajava o mesmo manto simples, sem insígnias, sem adornos, apenas pano cinzento e poeira nos calçados de palha. Ao seu lado, Yan Mei-Ling, de postura irrepreensível, e atrás deles, Tae-Min, com o olhar sério e os pensamentos em turbilhão. 

    Passaram sob o portão arqueado da Forja do Martelo Divino. Diferente da pompa ostentada da Forja da Lua de Prata, o ambiente ali era mais humilde, mas havia força nas fundações, como se o próprio chão guardasse a memória de mil criações. 

    Dentro, o som de martelos ritmados ecoava como música. O calor dos fornos era intenso, mas não sufocante. Cada aprendiz parecia concentrado, cada arma exposta tinha um brilho honesto. 

    — Sejam bem-vindos à Forja do Martelo Divino. — disse uma voz suave. 

    Uma jovem balconista de cerca de vinte e três anos os recebeu com um sorriso gentil. Seus cabelos castanho-escuros estavam presos em um coque prático, e suas mãos, embora pequenas, exibiam calos discretos de quem já manejara ferramentas com frequência. 

    — Procuram algo específico? Espadas? Lanças? Ou desejam encomendar algo único? 

    Tae-Min abriu a boca, mas foi Baek Jin quem respondeu, sem elevar o tom. 

    — Uma lâmina para um discípulo. Ela deve suportar a fúria dos céus sem quebrar. 

    A balconista não demonstrou dúvida, nem menosprezo. Seu sorriso manteve-se sereno. 

    — Certamente, senhor. Temos algumas opções. Se quiserem me acompanhar… 

    A gentileza sem julgamento ecoou fundo nos ouvidos de Tae-Min. Em silêncio, ele olhou para o Mestre. “O comportamento do mestre reflete no servo…”, lembrou-se de ouvir de Baek Jin. 

    A atendente os guiou até uma sala de exibição. Lá, expôs três lâminas: uma prateada forjada com Aço-Dragão, uma de núcleo escarlate com resfriamento de Jade Celeste, e uma terceira, negra, cuja lâmina parecia beber a luz ao redor. 

    — Essa última é a Espada Umbral. Forjada com minério de abismo e temperada sob trovões reais. Responde melhor a usuários com Qi denso e silencioso. 

    Baek Jin tocou o cabo com um dedo apenas. A lâmina vibrou levemente, como se reconhecesse um antigo conhecido. Ele ergueu o olhar para Tae-Min. 

    — Pegue-a. 

    Tae-Min obedeceu. Quando seus dedos fecharam o cabo, a espada reagiu, liberando um leve brilho púrpura nas bordas, como se o aceitasse. 

    — Mestre… — ele murmurou, atônito. 

    Baek Jin assentiu levemente. 

    — Ela aceitará sua alma se você aceitar o caminho da espada. 

    A atendente observava a cena sem compreender completamente, mas com um respeito genuíno no olhar. Poucos clientes em sua vida haviam tratado a escolha de uma lâmina com tamanha seriedade. 

    Foi então que Baek Jin virou-se novamente para ela. 

    — Esta servirá. Mas não vim apenas por uma lâmina. 

    — Senhor? 

    Ele retirou de dentro da manga um rolo de pergaminho selado com um símbolo antigo: dois dragões negros entrelaçados sobre um campo de fogo. A jovem arregalou os olhos. Aquilo… era uma ordem de fornecimento de guerra. Com selo de comando de nível imperial

    — Desejo encomendar cinco mil espadas longas, três mil armaduras de aço leve, escudos para formação, arcos reforçados e três unidades da Série Escudo de Muralha. Tudo dentro do padrão de guerra celestial. 

    A jovem engasgou. 

    — C-Cinco mil…? 

    O som das ferramentas cessou. Alguns aprendizes pararam, e os mestres da forja ergueram os olhos. Em questão de segundos, os murmúrios espalharam-se como fogo sobre palha. 

    “Cinco mil armas?!” 

    “É uma ordem para uma seita? Ou uma guerra?” 

    “Quem é esse homem com aparência simples…?” 

    Logo, o som apressado de passos pesados ecoou pelos corredores. Um homem de músculos largos, cabelos presos por fitas de couro e uma barba grossa entrou na sala com expressão severa. O Mestre Ferreiro Daran, um dos cinco maiores mestres do continente, olhou em direção ao visitante. 

    Mas ao vê-lo, seus olhos se arregalaram. O pergaminho caiu de suas mãos. Ele caminhou lentamente até Baek Jin, e de repente… ajoelhou-se levemente, com a mão direita ao peito. 

    — Por todos os céus… Lâmina Silenciosa… 

    Os murmúrios se tornaram um rugido. 

    Baek Jin? O Santo Marcial que desapareceu nos Montes Desolados? Aquele que venceu três mestres de Clãs Maiores sem sacar a espada? 

    — Mas… ele veste trapos! 

    Daran curvou-se profundamente. 

    — Perdoe-nos, Senhor Baek. Se soubéssemos de sua vinda, teríamos recebido com tambores celestiais. 

    Baek Jin não respondeu. Apenas observou com olhos calmos, quase sonolentos. 

    — A qualidade da forja fala mais alto que os tambores. 

    — Sim… Sim, claro! — Daran ergueu-se e limpou o suor da testa. — A Diretora Jisoo está aqui hoje. Ela o viu entrar e ordenou que o convidássemos imediatamente. Por favor, Mestre Baek Jin, siga-me. Ela ficará honrada em revê-lo. 

    Baek Jin assentiu levemente, guardando o rolo de pergaminho de volta à manga. 

    Antes de partir, voltou-se para a jovem balconista. 

    — Seu nome? 

    — H-Hana, senhor. 

    — Hana. Atendeste um homem como a qualquer outro. Isso é raro… e valioso. 

    Ela curvou-se rapidamente, as bochechas rubras. 

    — Obrigada, senhor…! 

    Tae-Min seguia atrás, olhos arregalados. Nunca imaginara que o mestre… que caminhava com passos simples… pudesse dobrar um mestre ferreiro renomado com uma única presença

    E enquanto seguiam pelos corredores dourados da sede da forja, Tae-Min percebeu o peso real que carregava o nome Baek Jin, a Lâmina Silenciosa

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