Capítulo 22 – O ferro forjado pelo Destino.
Era uma tarde de beleza singular no interior do Clã Baek. O céu se estendia límpido, como um manto azul bordado por nuvens brancas e suaves. As brisas passavam entre as folhas dos salgueiros, assoviando canções esquecidas. Pétalas de ameixeira dançavam no ar, caindo lentamente sobre o pátio de pedras onde carpas prateadas nadavam em círculos tranquilos no espelho d’água.
No centro daquele cenário de paz e contemplação, Baek Jin permanecia sentado em uma cadeira de madeira escura, sob a sombra de uma cerejeira em flor. Ele aparentava apenas trinta e quatro anos, e seu porte era ao mesmo tempo sereno e indomável. Seus cabelos longos caíam até a cintura, de um tom cinza escuro quase negro, como se refletissem as cinzas de uma fogueira que jamais se apagara. Os olhos, profundos e cortantes, pareciam observar não o presente, mas os mil futuros possíveis à sua frente.
Em sua mão, ele segurava uma xícara de porcelana azul-clara, da qual emanava o perfume sutil de folhas raras, recém-infusadas.
Ao seu lado, ajoelhada com a postura impecável de uma serva treinada, Yan Mei-Ling permanecia em silêncio. Seus cabelos violetas estavam presos por um ornamento simples, e seus olhos translúcidos observavam com calma o vapor subir da chaleira. Por mais graciosa que parecesse, sua presença era marcada pela ausência de energia: seus meridianos estavam selados, um castigo silencioso imposto por Baek Jin meses atrás, após uma tentativa de traição frustrada.
— O chá está servido, Mestre. — sua voz era baixa, respeitosa, quase mecânica.
— Hm. — Baek Jin assentiu, levando a xícara aos lábios. — Calmo… como a lâmina antes de cortar a carne.
Antes que o silêncio se prolongasse, passos urgentes ecoaram entre as pedras do jardim.
Tae-Min, seu jovem discípulo, surgiu coberto de poeira e com os olhos inflamados de frustração. Seu manto estava rasgado no ombro, e seu braço exibia arranhões e marcas de combate. Na mão direita, carregava algo que revelava o motivo de sua expressão: uma espada partida ao meio.
— Mestre…! — ele se ajoelhou com respeito. — A missão de extermínio foi concluída, mas… minha lâmina não sobreviveu. Ela quebrou durante o confronto com o líder dos bandidos.
Baek Jin repousou a xícara com calma. Seus olhos observaram a lâmina fraturada por longos segundos, como se escutassem sua dor. Estendeu a mão, e Tae-Min lhe entregou a arma destruída. O mestre passou os dedos sobre o corte irregular do metal, analisando cada fio, cada falha em sua composição.
— …Impura. Mal forjada. Fraca. — ele murmurou, como se julgasse uma criatura viva. — Não é digna de alguém que deseja cortar o destino com as próprias mãos.
Levantou-se então da cadeira. Com seus longos cabelos dançando suavemente ao vento e o manto cinza escuro esvoaçando atrás de si, Baek Jin parecia um espírito errante das montanhas eternas. Seus passos eram leves, mas sua presença pesava como a lâmina de um ancião.
— Mei-Ling. — ele disse, sem virar-se. — Prepare-se.
— Sim, Mestre.
— Tae-Min. Venha comigo. Hoje aprenderá o que faz uma lâmina de verdade.
A área de comércio externa do Clã Baek fervilhava com sons e passos. Entre dezenas de tendas, barracas e pavilhões, uma construção se destacava: a Forja da Lua de Prata. Sua fachada era recém-restaurada, com pilares ornamentados em prata, tetos curvados em estilo imperial e uma lua de metal branco reluzindo no alto. Trabalhadores, cultivadores e nobres disputavam espaço na longa fila do lado de fora.
Baek Jin, com seu manto simples e aparência discreta, atravessava o pátio como um viajante comum. Seu cabelo longo quase negro balançava suavemente, e seus olhos semicerrados revelavam pouco, como se o mundo à sua volta fosse um livro já lido. Mei-Ling o acompanhava, carregando uma bolsa de pano. Tae-Min, de cabeça baixa e semblante sério, mantinha-se logo atrás.
Ao entrarem na forja, o calor dos fornos os envolveu, junto com o aroma do ferro em brasa e o som ritmado de martelos sobre metal.
No balcão, um jovem atendente de robe verde, com cabelos penteados em topete e um sorriso superior, os avaliou com desdém. Seu olhar passeou pelos trajes simples de Baek Jin, depois pelos sapatos de palha, e por fim pelas mãos nuas sem um único anel ou insígnia.
— Hm? — o jovem ergueu uma sobrancelha. — Está perdido, senhor? Este lugar não é uma tenda de ferros velhos. A entrada para servos e mendigos fica nos fundos.
Tae-Min imediatamente avançou um passo, indignado.
— Cuidado com sua língua! Você sabe com quem está falando?
Mas Baek Jin ergueu levemente a mão, silenciando-o com um gesto sutil.
— Precisamos de uma lâmina. Uma que corte mais que carne. — disse Baek Jin com voz neutra.
O balconista gargalhou.
— Uma lâmina? Hahaha! E com o que pretende pagar, viajante? Suas palavras?
O atendente inclinou-se para frente, cruzando os braços sobre o balcão.
— Isto aqui é a Forja da Lua de Prata. Cada arma é forjada com a bênção dos céus e feita para verdadeiros cultivadores. Não vendemos ferro a andarilhos que mal têm com o que cobrir os pés.
— Você está cortejando a morte. — rosnou Tae-Min, já com o punho cerrado.
— Tae-Min. — disse Baek Jin calmamente. — Observe, apenas.
Ele se virou de costas lentamente. Seu manto simples ondulava ao vento, mas sua aura pesava como o aço enterrado no solo. Dando as costas ao atendente, ele fez um gesto com os dedos.
— Vamos.
Mei-Ling se apressou, sem dizer uma palavra. Tae-Min, ainda fulminando o atendente com os olhos, o seguiu.
Quando já estavam na porta, Baek Jin parou e falou com voz firme, sem sequer olhar para trás.
— Lembre-se bem deste dia.
O balconista fez uma careta.
— Do quê, mendigo?
— Você escarneceu de alguém que viu as chamas negras do oitavo grau com os próprios olhos. E ainda ousou negar-lhe ferro.
O silêncio que se seguiu foi pesado. O atendente riu de novo, mas mais nervoso desta vez.
— Chamas negras? Oitavo grau? Essas coisas são lendas. Vá contar histórias na rua!
Baek Jin nada mais disse. Simplesmente partiu, sumindo na multidão com a mesma calma com que chegara.
No andar de cima da forja, escondido atrás de um biombo de seda, um homem idoso de barba curta e olhos sombrios observava a cena pela janela.
— Tolos… — murmurou o mestre ferreiro. — Aquele homem… não é um simples andarilho.
Seus olhos se estreitaram ao reconhecer os cabelos quase negros, a postura firme, e a aura sufocante que mal se contia sob o manto simples.
— Baek Jin…a Lâmina Silenciosa… vivo e caminhando entre formigas.
Ele sabia o que aconteceria a seguir. A arrogância de um jovem balconista acabara de reacender uma fornalha esquecida.
…
A rua principal do Distrito Sul fervilhava com energia. Mercadores gritavam ofertas, carruagens cruzavam os caminhos de pedra e aprendizes de diferentes clãs disputavam espaço para alcançar as forjas mais conceituadas do território. Mas entre todas, havia duas que se destacavam: a Forja da Lua de Prata, conhecida por sua arrogância e preços inflados, e a Forja do Martelo Divino, respeitada pela qualidade de suas armas e, acima de tudo, pela reputação de justiça e imparcialidade de sua diretora.
Foi para essa segunda que Baek Jin, a Lâmina Silenciosa, se dirigiu com passos firmes.
Seus cabelos cinza escuros, quase negros, escorriam pelas costas, e seus olhos cortavam o mundo ao redor como lâminas afiadas. Trajava o mesmo manto simples, sem insígnias, sem adornos, apenas pano cinzento e poeira nos calçados de palha. Ao seu lado, Yan Mei-Ling, de postura irrepreensível, e atrás deles, Tae-Min, com o olhar sério e os pensamentos em turbilhão.
Passaram sob o portão arqueado da Forja do Martelo Divino. Diferente da pompa ostentada da Forja da Lua de Prata, o ambiente ali era mais humilde, mas havia força nas fundações, como se o próprio chão guardasse a memória de mil criações.
Dentro, o som de martelos ritmados ecoava como música. O calor dos fornos era intenso, mas não sufocante. Cada aprendiz parecia concentrado, cada arma exposta tinha um brilho honesto.
— Sejam bem-vindos à Forja do Martelo Divino. — disse uma voz suave.
Uma jovem balconista de cerca de vinte e três anos os recebeu com um sorriso gentil. Seus cabelos castanho-escuros estavam presos em um coque prático, e suas mãos, embora pequenas, exibiam calos discretos de quem já manejara ferramentas com frequência.
— Procuram algo específico? Espadas? Lanças? Ou desejam encomendar algo único?
Tae-Min abriu a boca, mas foi Baek Jin quem respondeu, sem elevar o tom.
— Uma lâmina para um discípulo. Ela deve suportar a fúria dos céus sem quebrar.
A balconista não demonstrou dúvida, nem menosprezo. Seu sorriso manteve-se sereno.
— Certamente, senhor. Temos algumas opções. Se quiserem me acompanhar…
A gentileza sem julgamento ecoou fundo nos ouvidos de Tae-Min. Em silêncio, ele olhou para o Mestre. “O comportamento do mestre reflete no servo…”, lembrou-se de ouvir de Baek Jin.
A atendente os guiou até uma sala de exibição. Lá, expôs três lâminas: uma prateada forjada com Aço-Dragão, uma de núcleo escarlate com resfriamento de Jade Celeste, e uma terceira, negra, cuja lâmina parecia beber a luz ao redor.
— Essa última é a Espada Umbral. Forjada com minério de abismo e temperada sob trovões reais. Responde melhor a usuários com Qi denso e silencioso.
Baek Jin tocou o cabo com um dedo apenas. A lâmina vibrou levemente, como se reconhecesse um antigo conhecido. Ele ergueu o olhar para Tae-Min.
— Pegue-a.
Tae-Min obedeceu. Quando seus dedos fecharam o cabo, a espada reagiu, liberando um leve brilho púrpura nas bordas, como se o aceitasse.
— Mestre… — ele murmurou, atônito.
Baek Jin assentiu levemente.
— Ela aceitará sua alma se você aceitar o caminho da espada.
A atendente observava a cena sem compreender completamente, mas com um respeito genuíno no olhar. Poucos clientes em sua vida haviam tratado a escolha de uma lâmina com tamanha seriedade.
Foi então que Baek Jin virou-se novamente para ela.
— Esta servirá. Mas não vim apenas por uma lâmina.
— Senhor?
Ele retirou de dentro da manga um rolo de pergaminho selado com um símbolo antigo: dois dragões negros entrelaçados sobre um campo de fogo. A jovem arregalou os olhos. Aquilo… era uma ordem de fornecimento de guerra. Com selo de comando de nível imperial.
— Desejo encomendar cinco mil espadas longas, três mil armaduras de aço leve, escudos para formação, arcos reforçados e três unidades da Série Escudo de Muralha. Tudo dentro do padrão de guerra celestial.
A jovem engasgou.
— C-Cinco mil…?
O som das ferramentas cessou. Alguns aprendizes pararam, e os mestres da forja ergueram os olhos. Em questão de segundos, os murmúrios espalharam-se como fogo sobre palha.
“Cinco mil armas?!”
“É uma ordem para uma seita? Ou uma guerra?”
“Quem é esse homem com aparência simples…?”
Logo, o som apressado de passos pesados ecoou pelos corredores. Um homem de músculos largos, cabelos presos por fitas de couro e uma barba grossa entrou na sala com expressão severa. O Mestre Ferreiro Daran, um dos cinco maiores mestres do continente, olhou em direção ao visitante.
Mas ao vê-lo, seus olhos se arregalaram. O pergaminho caiu de suas mãos. Ele caminhou lentamente até Baek Jin, e de repente… ajoelhou-se levemente, com a mão direita ao peito.
— Por todos os céus… Lâmina Silenciosa…
Os murmúrios se tornaram um rugido.
— Baek Jin? O Santo Marcial que desapareceu nos Montes Desolados? Aquele que venceu três mestres de Clãs Maiores sem sacar a espada?
— Mas… ele veste trapos!
Daran curvou-se profundamente.
— Perdoe-nos, Senhor Baek. Se soubéssemos de sua vinda, teríamos recebido com tambores celestiais.
Baek Jin não respondeu. Apenas observou com olhos calmos, quase sonolentos.
— A qualidade da forja fala mais alto que os tambores.
— Sim… Sim, claro! — Daran ergueu-se e limpou o suor da testa. — A Diretora Jisoo está aqui hoje. Ela o viu entrar e ordenou que o convidássemos imediatamente. Por favor, Mestre Baek Jin, siga-me. Ela ficará honrada em revê-lo.
Baek Jin assentiu levemente, guardando o rolo de pergaminho de volta à manga.
Antes de partir, voltou-se para a jovem balconista.
— Seu nome?
— H-Hana, senhor.
— Hana. Atendeste um homem como a qualquer outro. Isso é raro… e valioso.
Ela curvou-se rapidamente, as bochechas rubras.
— Obrigada, senhor…!
Tae-Min seguia atrás, olhos arregalados. Nunca imaginara que o mestre… que caminhava com passos simples… pudesse dobrar um mestre ferreiro renomado com uma única presença.
E enquanto seguiam pelos corredores dourados da sede da forja, Tae-Min percebeu o peso real que carregava o nome Baek Jin, a Lâmina Silenciosa.
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