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    A lua estava alta, vestida em prata, refletindo sua luz suave nas muralhas negras da Fortaleza do Dragão Oculto

    As centenas de forjas já haviam cessado seus martelos, os jovens guerreiros dormiam, exaustos, sob tetos de lona e ferro negro, enquanto o frio da noite começava a tomar conta dos pátios. O silêncio reinava, quebrado apenas pelo assobio distante do vento. 

    No jardim central da fortaleza, onde uma antiga cerejeira seca parecia teimar em não florescer, Baek Jin permanecia de pé. Seus braços estavam cruzados e o olhar fixo no céu — ou além dele. 

    — “Ela escondeu sua intenção de matar durante o teste. Nem mesmo os anciões notaram…” — ele murmurou, em tom calmo. 

    O leve som de passos sobre a pedra interrompeu seus pensamentos. 

    Qian Xue havia se aproximado. 

    Usava um novo uniforme — uma túnica preta com contornos prateados, diferente das demais. Os emblemas do exército ainda não estavam costurados, como se sua presença ainda fosse… provisória. 

    Ela parou a cinco passos dele. 
    Baek Jin não se virou. 

    — “Qian Xue.” 
    — “Baek Jin.” — sua voz era clara, firme como gelo moldado. — “Chamou-me aqui esta noite apenas para pronunciar meu nome?” 

    — “Não.” — ele finalmente a fitou, com olhos tão serenos quanto profundos. — “Quero entender por que uma Mestra Marcial se sujeitaria a três testes básicos entre soldados rasos. E por que segurou seu poder no final.” 

    Ela hesitou por um momento. 
    Não por medo — mas por escolha. 
    Decidir o quanto revelar era, para ela, uma batalha interna. 

    — “Porque não vim aqui para exibir minha força. Vim para adquirir… direção.” 

    — “Vingança?” — Baek Jin indagou, direto. 

    O olhar dela se tornou mais afiado. 
    A brisa que soprava entre os dois pareceu esfriar. 

    — “É isso que vê quando me olha? Mais uma alma queimada em busca de sangue?” 

    — “Não.” — ele respondeu sem piscar. — “Vejo um espírito que congelou o próprio coração para impedir que se parta. Você está viva, mas não respira. Anda, mas não caminha. Cultiva, mas sem fé.” 

    As palavras bateram em Qian Xue como marteladas em ferro incandescente. 

    Ela cerrou os punhos, tremendo ligeiramente. 

    — “Você não sabe nada sobre mim.” 

    — “Seus olhos sabem. E eles gritaram na arena.” 
    — “Gritaram por justiça.” 

    Um silêncio gélido pairou entre eles. 

    E então… ela cedeu. 

    Deu dois passos adiante e falou com a voz baixa, mas repleta de emoção contida: 

    — “Meu nome completo é Qian Xue Li. Fui a filha mais velha do Patriarca do Clã Qian, exterminado há sete anos por cultivadores desconhecidos… desumanos. Eles destruíram minha seita, assassinaram minha família e arrancaram da terra as raízes que mantinham meu mundo em pé.” 

    Seus olhos brilharam com lágrimas, mas não caíram. 

    — “O patriarca me salvou com seu último fôlego. Ordenou que eu vivesse. Mas o que é viver quando tudo que amava foi enterrado sob cinzas negras?” 

    Baek Jin não respondeu de imediato. 
    Apenas observou… e respeitou o silêncio. 

    Qian Xue respirou fundo, controlando-se novamente. 

    — “Os três que vieram comigo eram discípulos leais do meu pai. Sobreviveram de formas distintas, e nos reunimos anos depois. Eu os trouxe porque confiam em mim… e eu… confiei em você.” 

    — “Mesmo sem me conhecer?” — perguntou ele. 

    Ela assentiu. 

    — “Porque em todas as regiões pelas quais passei, ouvi sobre Baek Jin, o Santo Marcial. Um homem que não se curva aos clãs, que enfrenta as seitas demoníacas, e que… protege os esquecidos.” 

    Os olhos dela se encontraram com os dele. 

    — “Se para alcançar minha vingança eu tiver que lutar sob sua bandeira, então farei isso com minha espada e minha alma. Mas não ouse me subestimar, Baek Jin. Porque se um dia você for corrompido… eu mesma o destruirei.” 

    Por um instante, um leve sorriso brotou nos lábios de Baek Jin. Não de deboche — mas de respeito. 

    — “Dragões Escondidos e Tigres Agachados… você é ambos.” 

    Virou-se, caminhando para dentro da fortaleza. 

    — “Vista-se. Amanhã começa o segundo teste: A Arena dos Mil Ecos. Nenhuma técnica é permitida. Só vontade, instinto… e dor.” 

    Qian Xue ficou ali, sob a luz da lua, enquanto flocos de neve começaram a cair do céu, silenciosos e belos. 
    Pela primeira vez desde a destruição do seu clã, ela sentiu algo se mexer dentro de si. 

    Era esperança. 

    No dia seguinte, o campo central da Fortaleza do Dragão Oculto estava lotado. 

    Mais de dez mil cultivadores se aglomeravam ao redor do círculo de combate. Era o segundo teste: A Arena dos Mil Ecos. 

    — “Neste campo,” — anunciou Beatrice, braço direito do Capitão Carter — “todos lutarão com armas de madeira. Nenhum uso de Qi será permitido. Aqui, mediremos a garra, a inteligência e o instinto. Porque a verdadeira batalha nem sempre acontece com técnica — mas com dor e desespero.” 

    Grupos de cinco cultivadores foram sendo chamados, enfrentando-se entre si até restar apenas um. 

    Alguns caíram rápido, exibindo técnica mas pouca vontade. 
    Outros, mesmo sem Qi, mostraram garras afiadas, lutando como bestas acuadas. 

    Qian Xue, quando chamada, não hesitou. 

    Empunhou uma espada de madeira e enfrentou quatro homens simultaneamente. 

    Eles zombaram dela no início. 
    Mas em menos de um minuto, estavam todos caídos. 

    — “Ela se move como vento e golpeia como avalanche…” — comentou um veterano. 

    — “Ela já lutou pela vida antes. Isso é óbvio.” — disse outro, olhando-a com respeito. 

    E Baek Jin, observando do alto, disse apenas: 

    — “Ela passou.” 

    Mas enquanto o dia caía, o verdadeiro teste estava apenas começando. 

    O terceiro — e mais mortal — desafio, chamado “A Travessia do Véu da Sombra”, colocaria os melhores entre os melhores frente a frente com criaturas seladas nos túneis escuros sob a fortaleza, aberrações alimentadas com Qi demoníaco, capturadas por Baek Jin em caçadas secretas. 

    Ali, não haveria misericórdia. 

    E Qian Xue… já afiava sua alma para enfrentar não apenas as feras do submundo, mas os fantasmas que ainda a perseguiam. 

    … 

    A entrada para os subterrâneos da Fortaleza do Dragão Oculto ficava atrás do altar de pedra abandonado, onde outrora se cultuava o espírito guardião da montanha. A pedra esculpida estava rachada, coberta por musgo e poeira do tempo. Atrás dela, uma escadaria afundava nas trevas — era o caminho para o Véu da Sombra

    A travessia não era um teste comum. 

    Era um confronto com o medo mais primitivo do cultivador: o desconhecido. 

    Qian Xue e seus três companheiros estavam entre os cem escolhidos que provaram seu valor na arena e agora recebiam a última provação. 

    Ela ajustou a espada na cintura, olhou para os três ao seu lado — Huo Liang, o silencioso das adagas; Wei Shen, o magricela dos olhos atentos; e Jian Tu, o de corpo largo e mente simples, mas coração firme como rocha. 

    — “Vocês têm certeza?” — perguntou, com a voz baixa. 

    — “Somos da Família Qian até o fim.” — respondeu Wei Shen, com um leve sorriso. 

    — “Se formos cair, que seja juntos.” — completou Jian Tu. 

    A escadaria não perdoava. 

    A escuridão era espessa como lama. 
    O ar, carregado com Qi demoníaco residual, pressionava os pulmões. 
    O som de garras arranhando pedra e respiração animalesca preenchia o vazio. 

    No fundo da câmara, olhos brilharam. Criaturas bestiais, deformadas por rituais obscuros, emergiram das sombras. Seus corpos eram fusões grotescas de homem e besta — presas salientes, pele cinzenta marcada por runas sangrentas, e uma aura assassina sufocante. 

    Por um momento, Qian Xue congelou

    Aquela presença… aquele tipo de Qi… 

    Era familiar. 
    Demais. 

    — “Não pode ser…” — ela murmurou, com os olhos arregalados. 
    — “O mesmo Qi que destruiu o Clã Qian…” 

    Ela foi tomada por uma onda de lembranças. 

    A imagem do salão principal de sua seita em chamas. 
    Seu pai coberto de sangue, lutando até o fim. 
    A mãe protegendo os irmãos menores. 
    Gritos. Sangue. Cinzas. 

    — “Você está cortejando a morte, demônio!” — gritou Jian Tu, despertando-a. 

    Qian Xue rangeu os dentes. 
    O medo que tentava tomar sua alma foi esmagado por sua vontade. 

    Ela desembainhou a espada e avançou. 

    A batalha foi curta, brutal, e silenciosa. 
    Os gritos abafados das feras se misturavam com o som dos golpes precisos. Huo Liang dançava entre as sombras, cortando tendões. Wei Shen usava estocadas cirúrgicas. Jian Tu bloqueava os avanços com força bruta. E Qian Xue — ela era o olho da tempestade. 

    Movia-se com precisão implacável, seus olhos frios, suas emoções trancadas atrás de uma muralha invisível. 
    Cada criatura que caía sob sua lâmina… era uma parte de sua vingança selada. 

    Ao fim de uma hora, todos os cem haviam retornado. 
    Apenas sessenta tinham sobrevivido. 

    Qian Xue e seus três seguidores estavam entre eles. 
    Sem ferimentos graves. 
    Sem uma única palavra de reclamação. 

    Na manhã seguinte, as trombetas soaram pela Fortaleza. 

    Era o chamado para os aprovados. 

    Diante de todos, Baek Jin, envolto em seu manto branco, desceu os degraus do salão principal. 

    A multidão se ajoelhou. 

    — “Ergam-se, Guerreiros da Lâmina Celestial.” — sua voz ecoou como trovão contido. 

    Soldados vieram com os novos uniformes: 

    Túnicas negras como o abismo
    Armaduras prateadas com leve brilho sob o sol
    Ombreiras marrons de couro grosso reforçado
    Capas brancas esvoaçantes ao vento
    e no peito, bordado com uma única espada reta prateada, o novo símbolo da Legião de Baek Jin. 

    Era a bandeira que, em breve, se tornaria sinônimo de terror para as seitas demoníacas. 

    Quando Qian Xue vestiu a túnica, sua expressão mudou. 

    — “É pesada.” — comentou Wei Shen. 
    — “Não é o metal.” — disse Qian Xue, encarando o bordado. — “É a responsabilidade.” 

    Baek Jin olhou para os sessenta sobreviventes do Véu da Sombra. 

    — “Hoje vocês deixam de ser errantes. Hoje são escudos que protegem e lâminas que cortam. Mas o poder individual é inútil sem unidade.” 

    Ele ergueu uma das espadas curtas de treino, apontando para o campo ao leste. 

    — “Treino de formação começa agora. Formação: Muralha de Escudos!” 

    O campo de treinamento era amplo, plano, com linhas traçadas no chão como um tabuleiro. A primeira fileira de dois mil guerreiros empunhava broquéis de ferro negro nível 2, escudos circulares reforçados com runas defensivas. 

    Baek Jin caminhava entre as fileiras como uma sombra. 

    — “Quando um exército avança, a força de dez mil pés é inútil se não forem um só passo. A muralha de escudos é o coração de uma formação de defesa. Fraca em vontade, ela quebra. Fraca em sincronia, ela colapsa. Fraca em propósito… ela morre.” 

    Carter, o Capitão, tomou a frente. 

    — “Primeira formação! Escudos erguidos!” 

    Os escudos subiram ao mesmo tempo, criando uma parede metálica que cobria os torsos dos soldados. 

    — “Avançar!” 
    — “Golpe lateral!” 
    — “Pivô da segunda fileira!” 
    — “Reforço da terceira!” 

    Qian Xue estava na terceira fileira, lado a lado com Jian Tu. 

    — “Nunca lutei assim antes.” — sussurrou ele, desconfortável. 

    — “Nem eu. Mas tem lógica. Cada passo depende do anterior. Como uma dança de guerra.” — ela respondeu. 

    Durante horas, os exércitos treinaram sob o comando direto de Baek Jin. 

    E quando começaram a mover-se como um, como uma única muralha viva, ele assentiu. 

    — “Dez mil escudos. Um só rugido. Esta é a base da Lâmina Celestial. E será através dela que esmagaremos o norte… e queimaremos o mal de suas covas.” 

    Os olhos de todos arderam com vontade. 

    Aqueles que antes eram errantes, párias, sobreviventes… 
    Agora eram soldados. 

    E estavam prontos para a guerra. 

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