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    A manhã havia começado silenciosa, mas não pacífica. 

    O céu nublado, sem o brilho habitual do sol, pendia como um véu opressor sobre a vastidão da floresta Rubra, uma região onde as árvores centenárias exalavam cheiro de sangue seco e os ventos uivavam como espíritos inquietos. As folhas tinham tons avermelhados como se houvessem nascido da carne de mortos esquecidos. Um lugar maldito — assim diziam as lendas. 

    Ali começava a primeira missão oficial da recém-formada Liga da Lâmina Celestial

    Qian Xue cavalgava à frente da formação. Seus longos cabelos prateados esvoaçavam com o vento, como uma torrente de luar cortando a paisagem sombria. Seus olhos cor de âmbar estavam apertados, atentos. Ela vestia o novo uniforme cerimonial da Liga — manto negro justo, armadura prateada refletindo a penumbra da floresta, ombreiras marrons e a capa branca dançando como uma bandeira de justiça. No peito, bordada com precisão, reluzia a espada símbolo da Liga. Ela havia sido promovida recentemente a Capitã de Mil Homens, e agora comandava com firmeza e frieza o primeiro destacamento da Liga em uma missão de alta importância. 

    Atrás dela, os escudos marchavam com passos sincronizados. 

    — Formação em cunha! — gritou Qian Xue. Sua voz era firme como aço batido. — Olhos atentos! Nenhum som deve escapar à nossa percepção! 

    As fileiras se moveram como uma criatura viva. A disciplina dos homens e mulheres da Liga da Lâmina Celestial era impecável — fruto do treinamento brutal sob Baek Jin e dos simulados de combate contra bestas selvagens. 

    A missão era simples no papel, mas perigosa em essência. 

    Nos últimos dias, quatro caravanas comerciais que cruzavam a Rota Leste, conectando o território do Clã Baek ao Reino de Yun, desapareceram misteriosamente. Sem sinais de emboscada, sem corpos, sem vestígios. Apenas silêncio. 

    Os rumores falavam em bestas mutantes. Outros murmuravam espíritos antigos. Mas Qian Xue… ela sentia que havia algo pior. 

    Algo que ela conhecia. 

    Horas mais tarde, em um desfiladeiro estreito onde os sons não ecoavam e os pássaros não voavam, Qian Xue ordenou parada. 

    — Algo está errado — murmurou. 

    Ela desmontou de sua montaria e avançou entre as pedras e arbustos. Seus sentidos, refinados pelo trauma e pelo cultivo, sussurravam como se o próprio vento estivesse tentando avisá-la. 

    Ela tocou o chão. 

    Uma mancha escura, quase imperceptível, manchava uma rocha próxima. Era uma substância negra e densa que se misturava ao solo, quase viva. 

    Qian Xue fechou os olhos. 

    E então, a dor veio. 

    Como uma lâmina cortando seu espírito, memórias que nunca se apagaram emergiram de seu coração — com tanta força que ela perdeu o fôlego. 

    Chamas. 

    Gritos. 

    O riso distorcido de cultivadores encapuzados com olhos como brasas, enquanto derramavam sangue inocente sobre os pilares sagrados de sua seita. 

    — Irmã… corra! — a voz de sua irmã mais nova ecoou, acompanhada do som da carne sendo dilacerada. 

    — Mãe… PAI!!! — sua garganta ardeu, como se ainda estivesse lá, impotente, diante da cena mais cruel que presenciou. 

    A Seita da Neve Celestial… aniquilada. 

    O Clã Qian… destruído. 

    Seus amigos, irmãos, mestres, todos esmagados sob as mãos daqueles cultivadores demoníacos sem nome. Eles não pertenciam a nenhuma seita conhecida. Eram como sombras. Como um Exército do Vazio, surgindo do nada e desaparecendo com a mesma frieza. 

    Qian Xue caiu de joelhos. 

    Mas apenas por um instante. 

    Ela rangeu os dentes. Seus punhos se fecharam até o sangue escorrer de suas palmas. 

    — É o mesmo cheiro… o mesmo Qi imundo daquela noite — ela sussurrou, os olhos brilhando com fúria contida. — Cultivadores demoníacos… 

    — Capitã! — Um tenente correu até ela. — Encontramos vestígios a nordeste! Há sinais de uma batalha rápida, e… um cadáver de cavalo da caravana. 

    Qian Xue levantou-se com um estalo. Sua voz era gelo: 

    — Alinhar as tropas! Preparem-se para combate de curta distância! Se for o que eu penso… não teremos muito tempo antes que a escuridão nos encontre primeiro. 

    Ela puxou sua espada. 

    Uma lâmina de prata viva, que ressoava com o Qi da Neve Celestial, técnica perdida de seu clã. 

    — Por vocês… meus mortos — murmurou. — Eu jurarei diante do céu e da terra: se vocês ainda vivem, eu encontrarei seus algozes. E se estiverem mortos, eu mergulharei no inferno para arrastá-los comigo. 

    Horas depois, ao alcançarem uma clareira devastada, os soldados encontraram sinais de magia demoníaca. Runas negras gravadas em pedras, poças de energia negra fervilhando como óleo quente. 

    E… uma mensagem escrita com sangue em uma língua esquecida: 

    “Quando a Noite Eterna cair, o mundo se curvará. Este é apenas o primeiro passo.” 

    Qian Xue sentiu seu coração congelar. 

    “Rei da Noite Eterna…?” 

    Ela ergueu a espada lentamente. 

    — Retirada estratégica. Levar essas informações direto ao Senhor Baek Jin. Não enfrentaremos o desconhecido sem planejamento… mas juro pelos céus… isso não ficará assim. 

    … 

    O dia amanhecia lentamente sobre os vales e cordilheiras da província Baek, tingindo de dourado os telhados dos pavilhões e os campos que se estendiam como um tapete até onde a vista alcançava. A neblina matinal envolvia as encostas como um manto divino, silencioso e impenetrável. Em meio a essa beleza serena, o homem que carregava o fardo do destino caminhava sozinho por entre as montanhas. 

    Baek Jin. 

    Seus longos cabelos quase negros estavam presos em um nó baixo, sua túnica preta com adornos cinzentos fluía com o vento. Na cintura, a espada espiritual permanecia selada, quieta, como um dragão adormecido. Mesmo após as incontáveis vitórias e conquistas que erguera com punhos de ferro e sabedoria cortante, ainda buscava entender os segredos da terra e o murmúrio dos céus. Para ele, o mundo ainda era vasto, perigoso… e repleto de oportunidades que apenas os fortes poderiam conquistar. 

    Naquela manhã, Jin decidira caminhar sozinho até as Montanhas Quebradas, uma cadeia montanhosa abandonada e considerada espiritualmente “morta” há séculos. Nem mesmo os mineradores ousavam perder tempo ali — a energia da terra era escassa, e nenhuma veia espiritual havia sido registrada desde o fim da última era marcial. 

    Mas Baek Jin sentia algo estranho naquele solo. 

    Ao pisar sobre uma crista de pedra rachada, seus olhos se estreitaram. Uma leve pulsação percorreu suas solas, como se algo vibrasse com o sangue do mundo. 

    — Hm… — ele murmurou, agachando-se e tocando a superfície. 

    Era sutil. Quase imperceptível. Uma batida ritmada, lenta e poderosa. Como o batimento cardíaco de uma criatura antiga. 

    Jin se concentrou, circulando seu Qi interior. Quando sua percepção espiritual mergulhou sob a rocha, o mundo ao redor pareceu congelar. 

    Ali, sob camadas de rochas e terra, uma luz negra-dourada brilhou como uma serpente colossal adormecida. 

    — Não pode ser… — sussurrou Jin, seus olhos se arregalando por um momento raro. — Uma veia… 

    Ele saltou do penhasco e, com um movimento fluido, cortou o solo com sua palma infundida de Qi. O chão tremeu. A rocha se partiu como manteiga. Vapor quente escapou da fenda recém-aberta. 

    E ali, exposta ao mundo pela primeira vez em milênios, jazia uma linha contínua de ferro negro pulsante, entrelaçada por veios dourados e uma energia tão densa que quase parecia sólida. 

    Veia de Dragão de Ferro Negro Puro. 

    Não uma comum, não uma veia moribunda — esta era o coração de um antigo campo de batalha entre dragões e santos marciais, nutrida por séculos com Qi celestial e sangue dracônico. Uma veia de nível supremo, capaz de alimentar uma cidade inteira por até dez anos ininterruptos

    Jin ficou em silêncio, observando. 

    As lendas falavam que veias assim só nasciam em lugares onde dragões haviam morrido em agonia, selando seus próprios ossos nas entranhas do mundo. Seus lamentos viravam Qi. Suas escamas viravam minério. 

    O tesouro absoluto de qualquer seita. 

    — Os céus… têm olhos. — murmurou Jin, sentindo a grandiosidade do achado. 

    Mas ele não estava animado. Seu olhar era calculista. 

    — Se descobrirem isso… os grandes clãs e seitas virão como abutres. — Ele franziu o cenho. — Até os Santos Marciais poderão se mover por algo assim… 

    Ele então se virou. Com gestos rápidos e sinais manuais selou o espaço ao redor com camadas de barreiras espirituais, bloqueando até mesmo a detecção de Qi. 

    — Devo construir uma forja de guerra aqui… — murmurou para si. — Uma base subterrânea… e criar armas para a Liga da Lâmina Celestial. Espadas, lanças, armaduras… artefatos com essência de dragão. Não posso permitir que essa oportunidade escape. 

    Ao tocar novamente o solo, uma visão surgiu diante de seus olhos espirituais — soldados marchando com lâminas forjadas da essência do dragão, invencíveis. Um exército capaz de enfrentar até mesmo os filhos da escuridão. 

    Mas no fundo, algo se contorcia. Uma memória antiga. 

    O símbolo deixado no desfiladeiro por Qian Xue. 

    “Quando a Noite Eterna cair, o mundo se curvará.” 

    Jin cerrava os punhos. 

    — Se o “Rei da Noite Eterna” acredita que este mundo cairá… então verá o que um exército banhado na luz de um dragão pode fazer. 

    Na mesma tarde, Jin retornou à fortaleza e convocou apenas três pessoas para uma reunião urgente. 

    Qian Xue, agora Capitã de Mil Homens. 

    Capitão Carter, líder veterano de confiança. 

    E o Patriarca Baek Mu-Hwan, recém-promovido ao limiar do Reino Quase-Santo, que agora respeitava Baek Jin não apenas como protetor do clã, mas como condutor do futuro

    Eles se reuniram em uma câmara selada por matrizes defensivas. 

    — Encontrei uma veia de Ferro Negro — disse Jin sem rodeios. — Não uma comum. É uma Veia de Dragão… de pureza absoluta. Dez anos de poder… talvez mais. Com ela, posso forjar um arsenal que mudará o curso desta guerra que ainda não começou. 

    Qian Xue apertou os olhos. 

    — Veias assim não surgem do nada. Havia algo… ali? Espíritos? Guardiões? 

    — Apenas o silêncio dos mortos. — Jin cruzou os braços. — Mas o que me preocupa não é o que estava… e sim o que virá

    Mu-Hwan assentiu, com um brilho misterioso no olhar. 

    — Você pretende guardar isso em segredo? 

    — Por enquanto. Apenas nós quatro saberemos. — Jin olhou para cada um. — E começaremos a preparar o primeiro Esquadrão Dracônico. Dez guerreiros. Dez lâminas. Dez armaduras. Fundidas sob o coração da terra. 

    — E quando as sombras vierem? — perguntou Carter, sério. 

    Jin caminhou até a parede, onde estava pendurada uma das bandeiras da Liga. Seu olhar parecia perfurar o tecido. 

    — Quando a escuridão vier… nós seremos os portadores da luz final

    … 

    Palácio do Paraíso Perfeito. 

    Escondido além da tapeçaria celestial, num plano onde nem mesmo os Santos Marciais ousavam olhar, existia um jardim intocado, banhado por uma luz suave, dourada e azulada. Os céus acima pareciam feitos de cristal líquido. As árvores possuíam folhas que brilhavam como estrelas. As flores ali não murchavam. O ar não movia, e o tempo não respirava. 

    Era um paraíso esquecido pelos céus

    E no centro de tudo, erguia-se um trono feito de raízes entrelaçadas, cristal e poeira de estrelas. Nele, sentada com as pernas cruzadas e braços apoiados no descanso de um trono milenar, repousava uma figura pequena — quase infantil em aparência. Seu corpo era esguio, com um vestido que flutuava como névoa, e seus cabelos curtos balançavam sem vento algum. Seu rosto estava sempre envolto em sombra, como se o próprio mundo recusasse revelar sua identidade. 

    Silêncio. 

    E então… palavras surgiram, não ditas com som, mas com vontade pura, ressoando como o toque de sinos dentro da alma. 

    — Quanto tempo já se passou…? Um milhão de anos…? Dez…? — a voz era suave como seda, mas com o peso de um universo cansado. 

    Ela olhou para o céu, mas não havia céu. Só a imensidão. Só ela. 

    — Eu estou farta disso. — Sua mão se moveu, desenhando linhas de luz no ar. — Cansei de assistir, de esperar, de persistir nesse trono sem eco. Preciso… encontrar um novo propósito. 

    E naquele momento, uma imagem cintilou diante dela

    A figura de um jovem homem.

    Cabelos acinzentados, quase negros como ferro negro puro. 

    Olhos profundos, como um homem que já vivera uma vida inteira e mais uma. 

    Baek Jin. 

    — Hm…? Um homem reencarnado…? Da Terra moderna…? — a voz da silhueta ficou mais firme. — Interessante… tão deslocado quanto eu… perfeito. 

    Ela se ergueu do trono, seus pés flutuando acima do chão. Com um movimento quase imperceptível, seu corpo se fragmentou como pó de cristal, e antes que qualquer entidade celeste pudesse sentir, ela desapareceu do plano eterno

    No mundo mortal, na vastidão abaixo das Montanhas Quebradas, a Veia de Dragão de Ferro Negro ainda palpitava com vida. 

    As rochas tremiam suavemente, como se a terra tivesse um coração. E então, uma brisa sutil — impossível de existir naquele subsolo selado por barreiras espirituais — soprou silenciosamente. O Qi no ar ficou mais denso. A energia, mais pura. As paredes rochosas começaram a brilhar… e uma luz azul-clara se formou lentamente. 

    No centro da câmara subterrânea, uma silhueta feminina surgiu flutuando, transparente como cristal líquido, envolta em feixes de luz que oscilavam como as ondas de um lago. 

    Ela não falou. 

    Ela sentiu

    E então, deitou-se sobre a veia como se estivesse voltando para casa. Sua forma começou a derreter, seus fios de cabelo se desfazendo como fumaça, seus membros dissolvendo-se em puro espírito. 

    Seus últimos pensamentos ecoaram, suaves como canção esquecida. 

    — Para ganhar um novo propósito… perder minha vida aqui… é um pequeno preço a se pagar… afinal… já se passaram milhões de anos, e não fiz mais nada de extraordinário… 

    A essência dela penetrou no chão, e o solo tremeu

    No instante seguinte, a veia espiritual rugiu, e um lago cristalino surgiu ao redor da veia de dragão, tomando forma como uma bênção divina. As águas brilhavam em tons de azul e prata, carregando a pureza da alma da antiga entidade. 

    Uma voz, quase inaudível, como o sussurro da eternidade, deixou seu último suspiro no ar: 

    — Sinto muito, Denarys… um dia retornarei para ver seu crescimento… mas agora… não é a hora… 

    Com isso, o lago se aquietou. 

    E o mundo mortal… mudou

    A veia de dragão agora possuía não só poder espiritual, mas também a vontade de uma entidade imortal, selada para proteger e guiar aquele que seria seu novo propósito: Baek Jin

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