Capítulo 50 – Conselheiro Honorário Kim Daek.
A manhã em Tianlong, como de costume, havia começado com os sinos espirituais da muralha principal tocando suavemente ao ritmo do fluxo do Qi espiritual. O burburinho do festival ainda ecoava pelas ruas, e as pessoas comentavam alegremente sobre as rodadas seguintes do grande torneio, que reunia gênios de todo o mundo murim em busca de glória e reconhecimento.
Mas naquele dia, uma sombra atravessaria as muralhas com a sutileza de um lamento ancestral.
Foi na Praça dos Céus, entre o Templo do Sistema Nova e a entrada do Departamento Militar, que o ar pareceu congelar. Nenhum vento soprava. Nenhum som escapava. E mesmo os cultivadores com almas fortes e corpos reforçados sentiram suas pernas vacilarem.
Foi ali que ele apareceu.
Sem aviso prévio.
Sem som.
Sem distorção espacial.
Um único homem atravessou as muralhas como se estas não existissem — Kim Daek, um nome que, até aquele momento, era desconhecido por quase todos.
Vestia-se com roupas simples, um manto preto sem insígnias, rasgado nas bordas pelo tempo e pelas batalhas. Seus cabelos longos e negros caíam até o ombro, desgrenhados como se não vissem um pente há anos. Mas o que mais chamava atenção era seu cavanhaque impecavelmente cortado e o olhar vazio, amargo e sem alma, como se o mundo já não o interessasse mais.
— “Que… que tipo de cultivador é esse?” — sussurrou um membro do Departamento Militar que estava de patrulha, caindo de joelhos sem conseguir erguer a cabeça.
O sistema, que monitorava os fluxos espirituais dentro e fora da cidade, bradou dentro da mente de Baek Jin, Nero e todos os Capitães da Liga:
A notícia foi como uma faca atravessando o coração de Baek Jin. Um Deus Marcial havia entrado em sua cidade sem permissão. Era impossível. Nem mesmo Jeong Woon, o Semi-Deus da Seita do Céu Aberto, havia conseguido algo assim sem provocar reações imediatas da matriz espiritual da cidade.
Baek Jin apareceu em um instante, surgindo sobre a praça envolto por sua aura prateada de semi-deus, com seus olhos negros como a noite fixos no estranho. Nero logo surgiu ao lado, com a aura de Profundo Monarca pulsando como trovões contidos no horizonte. Tae-Min chegou poucos segundos depois, já liberando os primeiros fluxos do Vazio, prontos para agir se necessário.
Mas o homem nem mesmo os olhou diretamente. Seu olhar estava fixo no chão de pedra espiritual da praça, como se o que visse ali não fossem simples rochas, mas túmulos invisíveis.
— “Meu nome é Kim Daek.” — sua voz saiu fria e grave, como uma espada enferrujada cortando o vento. — “Pai de Min-Seok, o Semi-Deus Lendário do Mar Oculto da Névoa do Sul… morto três dias atrás pelo exército da Escuridão.”
O silêncio que se seguiu parecia pesar mais que uma montanha.
— “O quê…?” — murmurou Tae-Min, dando um passo adiante.
Baek Jin franziu o cenho. Seus olhos se entreabriram, e o sistema se ativou, revelando:
Reino: Deus Marcial (Fase Inicial)
Condição Emocional: Luto Profundo / Fúria Contida / Rancor Ancestral
Afiliado: Nenhum
Missão: Advertir]
— “Min-Seok… aquele que defendeu a Ilha dos Ossos Brancos sozinho por sete dias… ele foi morto?” — murmurou Nero, um de seus olhos tremendo por um breve instante. — “Não havia outro como ele no sul…”
Kim Daek finalmente ergueu os olhos. Havia neles um vermelho seco, de quem já havia chorado até o último fio da alma. Seus punhos estavam cerrados, os músculos endurecidos pela raiva.
— “Um dos Generais Sombrios… apareceu. Não disse seu nome. Apenas abriu uma fenda negra, e de dentro saíram vinte figuras encapuzadas. Cada uma delas… Semi-Deuses da Escuridão.” — sua voz tremia levemente, não de medo, mas de impotência. — “Meu filho lutou até seu corpo não ter mais sangue. Foi esmagado. Arrastado pelas trevas… diante dos meus olhos.”
Baek Jin deu um passo à frente. Sua aura oscilou. Ele inspirou fundo.
— “Eles chegaram ao Continente Oriental, então.” — sua voz era como gelo trincando. — “A guerra está se aproximando.”
Kim Daek assentiu, lentamente.
— “O Rei da Noite Eterna ainda não veio pessoalmente… Mas seus filhos… seus generais… já tocam a terra do leste com os pés escuros. Os céus têm olhos, e até eles se fecham diante da escuridão profunda que rasteja do abismo.”
O vento soprou, finalmente, e a bandeira da Liga da Lâmina Celestial oscilou com um estalo.
Tae-Min fechou os olhos, lembrando-se de Qian Xue, de seus filhos. Uma onda de fúria contida surgiu em seu peito.
Nero, em silêncio, aproximou-se e colocou uma das mãos no ombro de Kim Daek.
— “Você veio avisar… mesmo tendo poder para queimar cidades. Por quê?”
O homem respondeu com os olhos.
— “Porque meu filho acreditava em vocês. Ele dizia que, se o mundo quisesse sobreviver à Noite Eterna… vocês seriam a última esperança. A última lâmina erguida contra as trevas. Eu vim… porque agora acredito também.”
Baek Jin estendeu a mão. Uma pequena aura de luz emergiu da palma.
— “Kim Daek, do Reino de Deus Marcial… como Patrono da Liga, convido-o como Conselheiro Honorário da Lâmina Celestial. Em nome do sacrifício de seu filho, lute ao nosso lado.”
O homem hesitou.
Depois se ajoelhou.
— “Então deixarei de ser um fantasma. E me tornarei lâmina.”
A notícia se espalharia em poucas horas.
Os Filhos das Trevas haviam chegado.
E com eles… o fim da paz.
…
A Sala do Conselho Estelar era uma construção grandiosa de jade espiritual reforçada por pilares de aço celestial, localizada no ponto mais alto da Cidade Celestial Tianlong. De suas janelas circulares, era possível ver a névoa flutuante ao redor, tingida com tons rosa e prateados pela evolução do Sistema Nova 2.0.
Mas naquele dia, nem os céus tinham cor. A sala estava envolta por um silêncio pesado, onde até o som das respirações parecia contido pela gravidade das palavras que estavam por vir.
Ao centro, uma mesa redonda de cristal divino com doze assentos principais. Nela estavam sentados os mais poderosos da Liga da Lâmina Celestial:
— Baek Jin, o Patrono, sua expressão serena como sempre, mas com o olhar afiado como uma lâmina antiga.
— Imperador Nero, o Profundo Monarca, encostado em sua cadeira com os olhos semicerrados, mas atentos.
— Jovem Mestre Tae-Min, calado, sentado ao lado de Nero, com os braços cruzados e o semblante grave.
— Capitã Qian Xue, silenciosa, ainda em processo de recuperação, mas determinada a participar.
— Capitã Jisoo, com seu traje de forja já manchado pelas recentes criações espirituais.
— Capitão Min Ryo, de braços cruzados, observando com frieza, como se diagnosticando um inimigo invisível.
— Capitã Mei Lian, do Departamento de Alquimia, com olhos brilhantes, mas sombrios pela gravidade.
— E por fim, o novo nome da lenda: Conselheiro Honorável Kim Daek, o Deus Marcial do sul.
Ele estava em pé, à frente de todos, e sobre a mesa, projetado por um cristal de memória, um mapa se formava.
— “Este,” — Kim Daek começou com voz baixa, porém firme — “é o esboço da estrutura militar do Clã da Escuridão, como se autodenominam.”
A imagem do exército surgiu em escala tridimensional. Como uma onda de tinta negra se derramando, figuras sombrias preenchiam os continentes com precisão organizada.
— “A infantaria básica deles são os chamados Filhos das Trevas. Sua origem é desconhecida, mas são corpos que abrigam energia obscura viva. Seus cultivos variam entre o Reino Marcial até o Guerreiro Marcial. Embora pareçam fracos, a quantidade é… absurda.”
A projeção se expandiu, mostrando milhares, talvez milhões de pontos sombrios.
— “Porém, são os Soldados de Elite Sombrios que tornam esse exército uma ameaça real. Eles não apenas têm cultivo elevado — variando do Mestre Marcial até o Santo Marcial — como também possuem… imunidade parcial à dor e uma espécie de regeneração das trevas. Não são imortais, mas sim difíceis de matar.”
Capitão Min Ryo apertou os olhos. — “Regeneração por trevas? Isso contradiz os princípios naturais de cura. O sistema do corpo colapsaria ao usar energia tão impura.”
— “Eles não se curam… Eles se reconstroem.” — Kim Daek corrigiu com gravidade. — “Como se fossem feitos de sombras. De escuridão viva.”
Tae-Min murmurou:
— “Isso explicaria por que mesmo técnicas puras de luz não os eliminam por completo…”
— “Justamente.” — Kim Daek assentiu. — “Mas pior ainda… São os Generais Sombrios, cultivadores no nível Semi-Deus, e alguns… muito além disso. Um deles matou meu filho Min-Seok com apenas quatro golpes. Outro destruiu três seitas em um único dia.”
O ambiente ficou sufocante.
Nero apertou o punho. — “E o líder deles?”
Kim Daek ergueu os olhos. E pela primeira vez, sua voz falhou por um breve segundo.
— “O Rei da Noite Eterna…” — ele respirou fundo. — “É um Deus Marcial que domina completamente a Lei Superior da Escuridão. Dizem que nasceu das ruínas de um mundo antigo e… não possui corpo. Seu verdadeiro ser é uma manifestação de trevas absolutas.”
Ele virou-se lentamente para Baek Jin.
— “Mesmo eu… fui derrotado com um único movimento dele. Humilhado. Meu espírito quase foi apagado do ciclo da reencarnação.”
O silêncio caiu como pedra.
Baek Jin apoiou os dedos sobre a mesa.
— “Então temos um inimigo cuja base de poder é maior que qualquer exército conhecido… que possui soldados com resistência sobrenatural, generais semi-divinos… e um rei que nem mesmo um Deus Marcial como você pode enfrentar.”
Kim Daek assentiu.
— “Sim. E estão vindo. Isso foi só um arauto. Um aviso. Eles desejam nos enfraquecer pelo medo antes da guerra real começar.”
Capitã Jisoo se inclinou. — “Podemos usar tecnologia espiritual para fortificar as matrizes defensivas. Se a cidade crescer mais com o apoio do Sistema Nova 2.0, poderemos ativar torres de absorção de Qi e fortalecer escudos de contenção.”
— “Minha alquimia pode preparar pílulas de aumento de energia emergencial. Não poderemos parar o exército… mas podemos diminuir o número de baixas.” — completou Mei Lian, já anotando fórmulas.
Min Ryo falou por fim:
— “E minha ala médica será o último bastião de vida. Se vocês caírem… eu os levantarei. Cada um.”
Nero se levantou, cruzando os braços.
— “Temos um plano.”
Todos olharam para ele.
— “A Liga da Lâmina Celestial não existia há pouco tempo. Agora temos Santos Marciais, Semi-Deuses, tecnologia, alianças políticas e sangue novo em todos os departamentos. Mesmo contra um inimigo de um mundo esquecido…”
Seus olhos brilharam com raios contidos.
— “Nós. Não. Recuaremos.”
Baek Jin finalmente se ergueu.
O cristal da mesa se apagou.
— “Preparem-se. Vamos convocar o Conselho de Guerra Continental. A partir de agora, o mundo precisa se unir… ou perecer.”
Kim Daek baixou a cabeça respeitosamente. Pela primeira vez, sua voz teve um traço de esperança.
— “Meu filho morreu acreditando em vocês. Que bom que ele estava certo.”
…
A luz não alcançava aquele solo.
No coração corrompido do Continente Oriental, onde os céus haviam se rendido à escuridão e a terra chorava em silêncio, um campo infértil se estendia por quilômetros. Antes uma floresta espiritual que cantava com as aves místicas e ventos celestiais, agora era um deserto de sombra e agonia, queimado pelas Chamas Negras do Purgatório que ardiam incessantemente sobre a vegetação morta. Árvores antes sagradas, agora retorcidas em formas quase humanas, pareciam lamentar sua própria existência, com galhos tortos como braços suplicantes para os céus.
No centro do caos, repousava a Flor Negra do Purgatório.
Com pétalas cor de violeta profundo, cada uma com veios negros pulsantes como se fosse viva, a flor possuía oito pontas, cada uma voltada para uma direção do mundo. Em cada ponta, como se fossem tronos esculpidos do próprio inferno, estavam os Oito Generais Sombrios do Clã da Escuridão.
Cada general tinha aparência grotesca e uma aura que deformava o espaço ao redor. A energia espiritual ao redor se recusava a tocá-los, como se o mundo os rejeitasse. Na testa de cada um, uma marca brilhava em roxo e negro: uma numeração de 8 até 1, esculpida com símbolos antigos e proibidos, selos esquecidos que só existiam nos livros secretos das seitas extintas.
Eles estavam imóveis, mas seus olhos… alternavam constantemente entre um tom vazio negro, profundo como um abismo sem fim, e o roxo pútrido, que parecia devorar a alma de quem os encarasse.
O General Número 8, um ser magro e de aparência quase cadavérica, com chifres longos e dentes pontiagudos como agulhas, estalava os dedos sem parar enquanto murmurava com um sorriso sádico:
— “A cada nascer do sol… mais uma alma apagada da existência. Estou ansioso pelo cheiro de desesperança se espalhando pelas cidades sagradas.”
O General Número 6, uma mulher de pele cinzenta, olhos completamente roxos e cabelos que pareciam feitos de névoa viva, gargalhava em desdém:
— “Aqueles santos marciais… Ah, os pobres insetos achando que podem nos parar com luz e esperança. Quebrem seus ossos, quebrem seus espíritos… e deixem seus filhos assistirem.”
O General Número 4, com pele coberta por escamas negras, batia o punho contra o trono roxo que o sustentava:
— “A Liga da Lâmina Celestial ousou crescer demais. Devem ser esmagados. Os que acreditam na ordem… não entenderam que o verdadeiro equilíbrio nasce no caos absoluto.”
— “Eles falam como se o trono já estivesse vago para um novo Deus.” — sibilou o General Número 2, uma criatura encapuzada, de rosto invisível e voz que ecoava em múltiplos tons.
Risos estouraram ao redor.
Sádicos.
Sem emoção.
Como se fossem deuses diante de um jogo de tabuleiro, onde a vida e a morte dos mortais era apenas entretenimento.
Mas então… a voz do General Número 1 cortou tudo como uma lâmina.
— “Silêncio.”
Era um homem de postura ereta, cabelos longos cor de carvão que tocavam o chão e olhos tão profundos que nem as trevas ousavam devorá-los. A sua marca brilhava com mais intensidade, e a energia em torno de seu corpo criava distorções na realidade. A aura dele não era apenas obscura… era como se o vazio em sua alma quisesse arrastar tudo para o fim do mundo.
— “O Rei da Noite Eterna ainda não está aqui.” — sua voz era fria, dura, e com um traço de autoridade inegável. — “Vocês se esquecem de quem somos subordinados. Vocês falam de morte como se fossem os donos dela. Mas não passam de ferramentas afiadas. Lembrem-se do papel de cada um.”
O General Número 3, com seus olhos serpenteantes, rangeu os dentes.
— “E o que sugere, General Uno? Que fiquemos aqui sentados enquanto o mundo resiste?”
O General Uno não se moveu.
— “Sim.”
— “Ridículo…” — murmurou o Número 5, cuspindo uma gosma negra no chão.
— “Vocês não compreendem. Cada passo fora do plano é um risco. A escuridão venceu porque esperou, e o Rei da Noite Eterna não tolera falhas.”
Ele se levantou. O espaço ao redor se partiu como vidro, rachaduras negras se espalhando ao seu redor. O trono da pétala roxa parecia estremecer sob seu peso.
— “Apenas quando o Rei surgir… o mundo conhecerá a verdadeira noite sem amanhecer. E aí sim, poderemos agir. Até lá… mantenham suas presas afiadas.”
Os outros generais se entreolharam. Nenhum respondeu. Nenhum ousou rir.
Porque o Número 1, General Uno, não era apenas o mais poderoso entre eles. Ele era o mais lúcido, o mais calculista… e o mais cruel.
Na base da Flor Negra do Purgatório, raízes cobertas de sangue pulsavam. E entre cada pulsação, o mundo sentia… algo acordando.
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