Capítulo 07 – Batalha no Lago das Névoas.
As montanhas que cercavam o Lago das Névoas tremiam sob o som distante de tambores de guerra. A bruma espessa que pairava sobre as águas profundas escondia, como um manto sombrio, as presenças espirituais que se moviam como fantasmas entre as rochas e arbustos.
O Lago das Névoas era mais que um local de cultivo de ervas raras. Era um nó de Qi natural, um veio espiritual que alimentava toda a região do Clã Baek. Perdê-lo significava deixar a seita vulnerável, tanto em recursos quanto em honra. E agora, o Clã Yan havia cravado suas bandeiras nas margens, como se os céus lhes tivessem concedido tal direito.
Ancião Baek Woon observava do alto de uma colina. Seu manto escuro balançava com o vento, e os olhos estreitos analisavam cada movimento inimigo. Ao seu lado, dois outros anciãos de cultivo inferior esperavam em silêncio por ordens. Apesar da pose firme, Woon apertava os punhos. Ele era apenas um Guerreiro Marcial no auge. E ali, na linha de frente do Clã Yan, estava o motivo de sua inquietação.
— Yan Xian…
O nome escapou como um sussurro venenoso. Yan Xian era o mais velho do Clã Yan. Seu cultivo havia atravessado a barreira que poucos ousavam sequer imaginar. Um Mestre Marcial. A diferença entre eles era como a de um lago para um oceano.
A simples presença espiritual que emanava do velho oponente fazia as árvores ao redor vergarem ligeiramente, e até os mais fortes entre os soldados do Clã Baek sentiam um aperto invisível no peito.
— Isso é… sufocante…— murmurou um dos anciãos, recuando meio passo.
Baek Woon não respondeu. Seus olhos estavam fixos também em outra figura, uma mais jovem, mas quase tão ameaçadora quanto.
Ancião Yan Wu Heng. Guerreiro Marcial no auge. Conhecido por sua crueldade e por ter queimado aldeias inteiras em nome da supremacia do Clã Yan. Seus olhos eram frios como gelo e seus movimentos, calculados como os de uma serpente venenosa prestes a atacar.
A atmosfera no campo era densa. Silêncios longos, interrompidos apenas pelo som da brisa cortando as folhas e os tambores rufando ao longe. O ataque teria que começar logo.
Baek Woon ergueu o braço.
— Comecem o cerco. Que os céus estejam conosco.
No instante seguinte, o chão tremeu sob o avanço das tropas. Os primeiros esquadrões se moveram pelos flancos, tentando contornar as margens e isolar os pontos de apoio inimigos. Mas o Clã Yan estava preparado.
— Eles sabiam…— disse Baek Jin, oculto entre as sombras de uma encosta.
O Pelotão da Lâmina Violeta havia sido posicionado como unidade de apoio, encarregado de explorar as brechas deixadas pelos defensores e eliminar alvos-chave. Mas algo estava errado. Havia emboscadas montadas. Batedores do Clã Yan surgiram de locais improváveis, bloqueando avanços e repelindo investidas.
Baek Jin manteve-se calado, analisando tudo.
— “Eles não estão apenas defendendo… Estão nos testando. Estudando nossos movimentos”.
As pupilas de Baek Jin, negras como ébano polido, brilharam por um instante.
A pressão espiritual de Yan Xian chegou até ele. Mesmo distante do centro da batalha, sentia-se como se uma montanha estivesse sendo colocada sobre suas costas. Era como se o mundo inteiro se curvasse ao redor daquele homem.
— Então este é o poder de um Mestre Marcial…
E, no entanto, Baek Jin não recuou. Ele era apenas um servo, sim. Mas também era alguém que havia reencarnado com o conhecimento de centenas de novels de cultivo, com experiências de batalhas míticas em sua alma. E agora, naquele corpo velho que se rejuvenescera com o tempo e a vontade, ele se preparava para ascender.
Ao lado, Dae Won se aproximou.
— Jin! Prepare os homens! Vamos abrir caminho por entre os batedores e causar uma ruptura no cerco!
O velho cultivador apenas assentiu. E como um trovão silencioso, ele se moveu entre as sombras da guerra.
A batalha começara. E o sangue começaria a banhar o Lago das Névoas mais uma vez.
…
As nuvens densas que pairavam sobre o Lago das Névoas não eram apenas névoas naturais. Cada fio de Qi que se agitava no ar carregava o peso da morte e do destino. O céu parecia em luto, envolto por nuvens pesadas e acinzentadas que se misturavam com a fumaça das tochas e fogueiras que delimitavam as trincheiras improvisadas do Clã Baek. O cheiro de sangue já era parte do ar.
Baek Jin caminhava em silêncio entre os corpos feridos e os olhos desesperados. Sua expressão era calma, mas seus pensamentos giravam como furacões. Em sua mente, as palavras de Baek Mu-Hwan ecoavam: “Nem toda guerra é vencida pela espada… mas sem ela, nenhuma batalha começa.”
— Estamos prontos para morrer… mas levaremos alguns conosco — murmurou Baek Dae Won, ao lado de Baek Jin, enquanto observava o campo à frente.
O velho servo virou apenas os olhos para ele, sem dizer uma palavra. Mas a pressão invisível que emanava de seu corpo, mesmo contida, fazia o ar tremer. Os soldados ao redor davam passos instintivos para trás quando ele passava.
No alto das colinas, onde as pedras esbranquiçadas observavam o lago como sentinelas adormecidas, os anciões do Clã Yan se posicionavam. Yan Xian, o mais velho e respeitado, permaneceu com as mãos cruzadas nas costas, os olhos semicerrados e o manto vermelho-sangue tremulando com o vento.
— Não deixem que se aproximem — disse Yan Wu Heng com um aceno, sua voz cortando o vento como uma lâmina. — Esse lago pertence agora ao Clã Yan. Os céus têm olhos, e os fracos não têm direito à terra dos fortes!
A pressão espiritual de Yan Xian caiu sobre os campos como uma muralha invisível. Muitos guerreiros comuns do Clã Baek caíram de joelhos sem nem mesmo compreender o que os havia atingido. Era como estar diante de uma fera antiga, um dragão oculto sob forma humana.
Até o Ancião Baek Woon rangeu os dentes. Seu corpo suava frio mesmo em meio ao vento gélido.
— Esse velho bastardo… sua presença é como se os céus me pressionassem diretamente… — pensou ele, lutando para manter a postura. Seus olhos buscaram Baek Jin entre os soldados. “Por que esse servo me parece tão tranquilo diante da morte iminente?”
De repente, gritos soaram na linha de frente.
— ESTÃO VINDO!
As lanças se ergueram. Os tambores começaram a soar, e o chão tremeu com o passo cadenciado de dezenas de soldados do Clã Yan descendo pelos vales. O impacto da investida era como uma maré de destruição prestes a engolir tudo.
Baek Jin avançou ao lado de seu pelotão, seu corpo fluía como se já tivesse repetido esse movimento mil vezes. Sua mão repousava sobre o cabo da espada curta presa à cintura, um metal simples demais para alguém com sua alma pesada.
Os primeiros choques aconteceram como trovões. Gritos, espadas se chocando, sangue jorrando. O som da carne sendo cortada e dos ossos sendo partidos enchia o campo. Baek Dae Won lutava com ferocidade, sua lança girava como uma serpente selvagem.
Mas então, um Guerreiro Marcial do Clã Yan avançou contra o flanco direito. Ele era rápido, forte e cruel. Seus olhos brilhavam com intenção assassina. Um discípulo jovem, ao lado de Baek Jin, tentou bloquear o ataque, mas foi empalado brutalmente.
— SERVOS NÃO SÃO GUERREIROS! — gritou o inimigo, erguendo a espada para atingir Baek Jin.
Nesse instante, os olhos do velho servo brilharam. Algo invisível se rompeu dentro dele. O Terceiro Portão Interno se abriu com um rugido silencioso, o Portão da Alma.
A aura de Baek Jin explodiu por um breve segundo. A pressão era sufocante, como se o próprio mundo parasse para observá-lo. Vários soldados do Clã Yan caíram de joelhos sem saber por quê. Até o Guerreiro Marcial que o atacava hesitou.
A espada de Baek Jin saiu da bainha sem som. Um movimento. Apenas um.
O pescoço do inimigo foi cortado limpo. O sangue jorrou como uma fonte, e o corpo caiu com um baque surdo.
Baek Jin o encarou. Mas não havia alegria, nem fúria. Seus olhos estavam vazios. O velho servo se questionava. “Era isso… matar?”
Ele não sentia nada. Nem dor, nem remorso. Apenas o peso da decisão.
“Se eu não matar… serei morto.”
Ao longe, Baek Dae Won, que vira a cena, se aproximou com o rosto contorcido.
— Você… o que foi aquilo? Um servo comum não pode ter esse tipo de presença! Está cortejando a morte ao esconder poder!
Baek Jin apenas o encarou. Seus olhos eram tão frios que o próprio Dae Won sentiu um calafrio na espinha. Por um instante, ele se lembrou da sensação sufocante anterior.
— Você é um… Dragão Escondido? — sussurrou.
Baek Jin nada disse. Apenas girou os calcanhares e voltou para a linha de frente, como se nada tivesse acontecido.
Dae Won hesitou, mas não o seguiu.
— Eu vi o Monte Tai… mas não o reconheci… — murmurou ele, engolindo em seco.
A guerra no Lago das Névoas continuava, mas algo havia mudado naquela tarde. Um monstro silencioso havia despertado entre os servos.
…
Baek Jin caminhava atrás do grupo. Sua expressão era a de sempre: fria, distante, os olhos mergulhados num silêncio que nem mesmo a guerra parecia alcançar. Em seu peito, no entanto, o peso da batalha anterior reverberava com estranha quietude. Havia matado. Um homem. E sobrevivera.
Dae Won, o líder, mantinha o olhar atento adiante, a lança descansando sobre o ombro. Seu semblante era tenso, mas decidido. Ao seu lado, os poucos membros restantes do pelotão mantinham a formação, mas os olhos oscilavam entre o medo e a incerteza.
“Hoje… os céus terão olhos,” murmurou Dae Won, como uma prece de guerra.
O Lago das Névoas era um campo estratégico. Era onde as águas nasciam, onde ervas espirituais raras cresciam sob os véus de umidade e onde o Clã Baek fortalecia gerações com seus recursos. Mas agora, tomados à força, os espelhos d’água estavam sob domínio do Clã Yan.
À frente, destacavam-se três figuras em meio à neblina, cada passo pesado como o trovão:
— Yan Wu Heng, no auge do nível Guerreiro Marcial. Um homem de feições austeras e olhar afiado como lâmina. — Dois Anciãos do Clã Yan com níveis levemente abaixo, mas que exalavam intenções assassinas. — E então, o monstro oculto nas brumas: Yan Xian, o Mestre Marcial do Clã Yan. O mais velho, o mais temido, o mais respeitado.
Quando sua presença se fez sentir, não foi com palavras, mas com o colapso da própria atmosfera. O ar se curvou. A pressão espiritual que desceu sobre os soldados do Clã Baek era como um punho invisível esmagando o peito de cada guerreiro.
Baek Jin estremeceu por um instante, não por medo, mas porque seu corpo — velho, limitado — ainda não estava pronto para suportar tamanha força sem reagir. O Terceiro Portão Interno, recém-aberto, se agitou em sua alma, como uma fera despertando.
Ao lado, Ancião Baek Woon avançava com semblante inabalável. Mas por dentro, seus pensamentos fervilhavam.
— “Esse é o verdadeiro poder de um Mestre Marcial… Meu corpo treme. Mesmo com décadas de cultivo, não consigo enfrentá-lo de igual para igual. Será que temos chance?”
Mas ele não podia demonstrar fraqueza. Como um dos Anciões do Clã Baek, sua postura precisava permanecer ereta.
“Dragões Escondidos e Tigres Agachados… estamos prestes a pisar num campo onde até lendas podem morrer,” murmurou.
Um estalo no ar. Uma lança de luz dourada foi lançada. O primeiro movimento havia sido feito por Yan Wu Heng, que avançou como um raio em direção à vanguarda do exército Baek. As forças colidiram. O estrondo que seguiu foi como o trovão quebrando montanhas.
Soldados voaram. Poeira, sangue, gritos. A guerra começara novamente.
No meio do caos, Baek Jin observava. O tempo pareceu desacelerar. Viu um discípulo do Clã Baek ser perfurado por uma espada curva. Viu outro implorar por socorro antes de ser silenciado. E então, a chama fria se acendeu novamente dentro dele.
Ele correu.
Seus movimentos, antes ponderados e ocultos, revelavam agora leveza e precisão. Como um velho espectro em meio à névoa, ele dançava entre lanças e lâminas.
— “Aquele velho…!” – murmurou um guarda do Clã Yan antes de cair com a garganta aberta.
Baek Jin matava novamente. Mas agora com convicção. Não havia remorso. Apenas a certeza: ou ele matava, ou seria morto.
“Eu vi o Monte Tai mas não o reconheci… estava errado,” confessou um guerreiro ferido antes de desmaiar ao ver os olhos vazios de Baek Jin.
Dae Won, lutando contra um dos Anciãos do Clã Yan, teve um vislumbre daquela figura atravessando as fileiras inimigas. Seus olhos se arregalaram, suando frio.
— “Esse velho… não pode ser um mero servo. Essa pressão… essa frieza. Ele… não teme a morte?”
O campo de batalha era agora um mar de fumaça, ferro e sangue. E no centro, onde o nevoeiro era mais denso, Yan Xian caminhava como um deus caído, sua aura distorcendo o mundo ao redor.
Ancião Baek Woon avançou para interceptá-lo, mesmo sabendo que sua morte poderia ser o preço.
Mas antes que os dois colidissem…
Baek Jin parou. Seus olhos brilharam por um instante. O Terceiro Portão Interno se abriu por completo.
Uma explosão silenciosa de pressão espiritual emanou dele. Era sufocante. Cortante. Impossível de ignorar.
Alguns soldados do Clã Yan que ainda tentavam atacar recuaram, caindo de joelhos com olhos arregalados. Os mais fracos urraram de medo.
— “O que… é isso…? Um… monstro escondido entre servos?”
Mas Baek Jin não disse nada. Apenas observou. Seu destino, a partir daquele dia, estava selado.
Ele não era mais um mero servo.
Era uma sombra crescente, um prenúncio de que os céus, de fato, tinham olhos. E que logo… todos veriam quem ele era de verdade.
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