Capítulo 08 – O fim repentino da guerra.
O campo de batalha ainda estava coberto pelos vestígios do confronto no Lago das Névoas. Cinzas de folhas queimadas flutuavam como neve negra, e os sons de lâminas ressoando ao longe pareciam trovões abafados nas montanhas. Embora os ventos cortassem as encostas com violência, não conseguiam apagar o odor metálico de sangue que impregnava o ar.
Baek Jin observava o horizonte do alto de uma formação rochosa. Seus olhos frios e silenciosos percorriam o campo devastado com a tranquilidade de um ancião que já tinha visto muitas eras passarem, mas por dentro, havia algo diferente — um fio de inquietude que roçava a borda de sua alma.
A guerra havia mudado o rumo do Clã Baek.
O Lago das Névoas, uma região rica em ervas espirituais e fonte principal de água limpa das montanhas orientais, fora retomado pelo Clã Baek com muito custo. O sangue de muitos discípulos e soldados fora o preço da vitória. Entre eles, velhos companheiros de pelotão e jovens que ainda nem haviam recebido seus nomes de espada.
Baek Jin, em silêncio, havia retornado ao clã com o restante dos sobreviventes. Seu nome, agora sussurrado entre os anciãos, não era mais “Servo Mudo”. Chamavam-no de “Lâmina Silenciosa” — um título que surgira após ele abrir o Terceiro Portão Interno no auge da batalha e subjugar sete guerreiros do Clã Yan sozinho, sem pronunciar uma única palavra.
Mas havia um problema.
Essa força, ainda oculta de maneira oficial, já não podia ser completamente escondida.
Mesmo que não tivesse declarado seu avanço, a pressão espiritual que exalava em momentos de instinto era sufocante. Disciplinados do clã Baek evitavam cruzar seu caminho. Até mesmo guerreiros do estágio intermediário abaixavam a cabeça quando ele passava.
Na sala dos anciãos, o som do incenso queimando era o único ruído que preenchia o ambiente. Ancião Baek Woon, com os olhos semicerrados, segurava uma taça de jade contendo um chá amargo. Seu semblante era o mesmo de sempre — frio, firme, inabalável. Mas por dentro, o medo e a incerteza se arrastavam como sombras.
— A guerra terminou, mas as rachaduras ficaram — disse ele, sua voz soando como madeira seca ao vento. — Perdemos três dos nossos melhores discípulos internos. A força do Clã Yan não era comum. Se Yan Xian não tivesse recuado por motivos desconhecidos, talvez… talvez nem estivéssemos mais aqui.
Do outro lado da mesa, o Patriarca Baek Mu-Hwan escutava em silêncio. Seus cabelos longos estavam presos num coque simples, e sua túnica branca com bordados de nuvens douradas era impecável, mesmo após noites sem dormir.
— Os céus têm olhos — disse Mu-Hwan, com serenidade. — Sobrevivemos ao vendaval, e as raízes do nosso clã ainda estão fincadas. É hora de olhar para o que temos, e não apenas para o que perdemos.
— Patriarca… — Woon hesitou. — Sobre Baek Jin…
O Patriarca entrelaçou os dedos.
— Um servo que sobreviveu à guerra quando muitos cultivadores caíram. Um velho que agora carrega o olhar de um homem que matou.
— Ele é perigoso.
— Ou… — Mu-Hwan sorriu, com a calma de um monge que observa a chuva — …ele é o que o destino nos enviou. Dragões Escondidos e Tigres Agachados não surgem em tempos de paz. Só em meio à guerra é que os verdadeiros talentos revelam suas presas.
Enquanto isso, Baek Jin treinava em uma das encostas mais elevadas do clã. Seu corpo, embora envelhecido, demonstrava firmeza nos golpes, e cada movimento de palma, cada chute circular, ressoava com precisão.
Ele sentia.
Sentia o sangue ainda fervendo com a lembrança da batalha. A sensação do primeiro corte, da primeira vida tirada. Não houve arrependimento… mas havia uma pergunta que martelava em sua mente:
— Eu deveria sentir algo?
Recordava o rosto do guerreiro do Clã Yan. A expressão de desespero, o grito interrompido. E, acima de tudo, o silêncio depois.
— Era ele ou eu — murmurou Baek Jin para si mesmo, fitando o céu cinzento.
Se eu cair agora, voltarei a ser o servo inútil que todos desprezam.
Mas se continuar em frente…
Fechou os olhos. O fluxo do Qi dentro de seu corpo dançava como rios em fúria. O Terceiro Portão já estava aberto, e sua fundação espiritual agora rivalizava com Guerreiros Marciais do nível mais alto.
Então… que eu caminhe para frente, mesmo que seja pelo caminho do sangue.
Naquela mesma noite, um mensageiro do Patriarca veio até Baek Jin.
— O Patriarca deseja vê-lo — disse o jovem, curvando-se levemente. — Ele disse que… é chegada a hora de oferecer-lhe um novo caminho.
Na câmara do Patriarca, Baek Jin ajoelhou-se silenciosamente, sem desviar o olhar.
Baek Mu-Hwan se aproximou com passos leves, suas mãos escondidas nas mangas largas.
— Você se lembra de quando chegou a este clã?
Baek Jin apenas assentiu.
— Era apenas um velho de aparência cansada, sem talentos… ou assim pensávamos. Mas hoje… até os ventos do clã mudaram sua direção ao passar por você.
Silêncio.
— O clã precisa de pilares novos — continuou o Patriarca. — Guerreiros com raízes fortes e mente estável. Alguém que inspire sem precisar gritar. Alguém como… você.
Baek Jin ergueu os olhos.
— Está me oferecendo o título de ancião?
— Não como um título de honra. Mas como uma missão. — Os olhos do Patriarca brilharam por um momento. — Se aceitar, sua vida nunca mais será a mesma. Mas talvez… seja esse o preço de mudar seu destino.
O silêncio caiu sobre a sala como neve densa.
Baek Jin não respondeu imediatamente.
Mas dentro de si, uma chama queimar começou a queimar mais forte.
“Se é por isso que renasci… então preciso tomar tal decisão.”
— Diga-me, Baek Jin… — ele começou, caminhando em passos lentos na direção do homem ajoelhado. — O que você vê quando olha para este clã?
Houve um breve silêncio.
Baek Jin ergueu lentamente o olhar. Seus olhos refletiam uma mistura de exaustão e vigilância. Como a lâmina de uma espada velha: gasta, mas ainda mortal.
— Vejo… rachaduras — disse ele, a voz baixa, firme. — Pessoas divididas entre lealdade e medo. Jovens morrendo cedo. Anciãos temendo o amanhã.
Mu-Hwan sorriu levemente, como quem recebe uma verdade amarga sem se ofender.
— Uma visão clara. E dolorosa. Os céus têm olhos, Baek Jin… e mostram a realidade aos que não desviam o olhar.
Ele se sentou sobre uma almofada bordada à frente de Baek Jin, cruzando as pernas com postura impecável.
— Por isso o chamei. Não para forçá-lo. Mas para pedir-lhe que se torne… uma ponte.
Baek Jin manteve-se em silêncio por longos segundos. Depois, disse:
— Uma ponte entre o quê?
— Entre o que somos e o que devemos ser — respondeu Mu-Hwan, com os olhos suaves e honestos. — O clã não precisa apenas de força. Precisa de olhos que vejam além da espada, e mãos que saibam quando não cortar. Você mostrou isso no campo de batalha.
— Eu só matei quem precisava ser morto — murmurou Baek Jin.
— E poupou quem podia ser poupado — replicou o Patriarca com leveza. — Um tolo teria matado mais do que necessário. Um tirano teria se perdido no prazer da carnificina. Mas você… permaneceu no silêncio. Como uma lâmina honesta. E isso tem valor.
Baek Jin apertou levemente os punhos sobre os joelhos. Os nós brancos. Sua expressão permanecia impassível, mas por dentro, dúvidas o corroíam.
— Eu não… pertenço a esse lugar — disse ele, por fim. — Fui servo. Fui esquecido. Não me olhavam nos olhos nem mesmo para ordenar. Por que agora?
O Patriarca não se apressou em responder. Pegou uma pequena chaleira de jade ao lado, servindo calmamente duas xícaras de chá. O aroma amargo da folha montanhosa se espalhou lentamente.
— Os tempos mudam, Baek Jin. E não por vontade dos fracos, mas pela decisão dos fortes. — Ele estendeu uma das xícaras. — O passado não pode ser mudado. Mas o futuro… pode ser guiado. Como um rio.
Baek Jin hesitou. Seus dedos pairaram sobre a xícara estendida. Por fim, pegou-a, com mãos firmes. Ainda não bebeu.
— Aceitar este título é vestir outra máscara — disse ele. — Não sou político. Nem educador. Não me interesso por disputas internas entre anciãos gananciosos.
— Então será como sempre foi — disse Mu-Hwan, com um leve sorriso. — Uma lâmina que só se move quando necessário. Mas, desta vez, terá voz. E voto.
Outro silêncio se estendeu entre eles. Baek Jin finalmente levou a xícara aos lábios, bebendo um pequeno gole. O gosto era amargo. Familiar. Como a vida.
— Você… me confia tal responsabilidade? — perguntou ele. — Mesmo conhecendo meu passado?
— Não confio por não saber — respondeu Mu-Hwan, encarando-o com gentileza. — Confio justamente porque sei. E porque sei o peso que carrega nos ombros, sei também que não o deixará cair facilmente.
Baek Jin desviou o olhar por um breve momento. Por trás daquela muralha de frieza, algo vacilava. Algo antigo, enterrado.
— Se eu aceitar… — disse, lentamente — …deixarei de ser o que sou. Deixarei a lâmina. O silêncio. Talvez até… a liberdade.
— Não — respondeu Mu-Hwan, com firmeza branda. — Você não deixará nada. Apenas usará isso em nome de muitos. Ao invés de proteger sozinho, poderá guiar. Ao invés de apenas reagir, poderá moldar.
Baek Jin fechou os olhos por um instante. Uma respiração longa escapou de seus pulmões.
— E se eu falhar?
— Então falharemos juntos. Porque este clã não é feito por um só homem — respondeu Mu-Hwan. — É feito por todos que carregam sua marca. E você… é um deles.
O silêncio caiu uma última vez.
Baek Jin pousou a xícara no chão com cuidado. Quando abriu os olhos novamente, havia algo novo em seu olhar. Não calor. Nem esperança. Mas… aceitação.
— Então, que seja.
Suas palavras foram simples, como um trovão distante.
— Eu aceito.
O Patriarca assentiu com um leve sorriso.
— Seja bem-vindo, Ancião Baek Jin. Que sua lâmina continue afiada… e seu coração, justo.
E assim, no salão vazio onde os ecos da história sussurravam em cada canto, uma nova era começou.
…
Na penumbra da noite, dois homens se encontravam frente a frente.
Um deles era Yan Xian, o mais velho entre os Anciãos do Clã Yan. Seu manto cinza-prateado estava sujo pelo pó da guerra, e a barba longa, outrora bem cuidada, agora tremia levemente com cada suspiro. Seus olhos, que haviam visto inúmeros campos de batalha e se curvado diante de poucas almas, agora se mantinham fixos na figura à sua frente com respeito e… medo.
Diante dele, imóvel como uma estátua erguida por deuses esquecidos, estava a figura encapuzada. Um manto negro ocultava cada traço de sua forma. Apenas os olhos — duas fendas vermelhas que queimavam como brasas eternas — fitavam o ancião com frieza sobrenatural. Nenhuma aura podia ser sentida. E isso era o mais assustador.
Silêncio.
Até que Yan Xian, o “Punho Celeste do Norte”, se ajoelhou sobre uma perna, curvando-se com as mãos unidas.
— Mestre Sombrio… — sua voz ecoou como um sussurro quebrado — …por que ordenastes o recuo? Tínhamos o Lago das Névoas sob domínio total. Até mesmo Baek Woon tremia sob minha pressão. Mais um avanço, e o Clã Baek teria sido reduzido a cinzas! Não era essa a vontade da Seita?
A figura encapuzada permaneceu em silêncio por instantes que pareceram eternidades.
Então, ele falou.
Sua voz era fria como a morte, e ainda assim ressoava como uma serpente rastejando sobre os ossos de um cadáver. Era uma voz que não gritava, mas calava os corações. Que não ameaçava, mas fazia o medo brotar por si só.
— Yan Xian…
Um calafrio percorreu a espinha do velho ancião.
— Você ousa… questionar uma ordem direta do Mestre Oculto?
Yan Xian imediatamente baixou mais a cabeça, tocando o chão com a testa.
— Os céus têm olhos! Eu fui impetuoso! Peço perdão, Mestre Sombrio!
A figura sombria deu um passo à frente. O simples movimento fez com que a pressão espiritual se tornasse insuportável. As runas nas paredes pulsaram em agonia. A câmara gemeu como se quisesse implodir sob o peso da presença daquele homem.
— Se eu desejasse, Yan Xian, poderia esmagar este continente sem mover um dedo. Você, eu, os outros anciãos… nada mais somos do que peças no tabuleiro. O Mestre Oculto não age como um tolo. Ele não deseja a queda do Clã Baek… ainda.
Os olhos vermelhos arderam com intensidade.
— Cada movimento… cada recuo… é parte de algo maior. Você não vê o Monte Tai diante de você? Então cale-se e obedeça.
Yan Xian cerrou os punhos, pressionando-os contra o chão com força.
— Sim, Mestre. Foi minha ignorância que me cegou. Não reconheci o dragão entre os mortais. Eu estava errado…
O Mestre Sombrio se virou lentamente, voltando à escuridão do corredor.
— Os Guerreiros das Sombras já se movem. O silêncio será quebrado apenas quando a lua negra se erguer. Até lá, mantenha seu clã vivo… e cego. Dê-lhes a ilusão de vitória.
Yan Xian ergueu os olhos, apenas para ver a capa negra desaparecer como névoa ao vento.

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