Capítulo 15 - O Filho do Gelo
Os três saíram da Estrada de Ferro e começaram a fazer seu rumo por dentro de matas entre morros e montanhas. Com o terreno irregular, paredes naturais e raízes espalhadas, o cuidado foi dobrado. A mata densa sempre era um inimigo natural de aventureiros, mas na Estrada de Ferro, tudo estava claramente ainda mais elevado.
Nos livros de história, a Estrada de Ferro só cortava a parte sul do grande continente, sendo elas feitas pelos escravos do primeiro reino; os Alcathas. Desenvolvidos desde cedo em uma ilha ao sul, na própria Malaca, e tendo rumado para o desconhecido afim de ganhar mais poder.
Tendo a magia antiga a seu dispor, limparam terrenos facilmente e ganharam poder ofensivo. Porém, o rei de Alcatha odiava o cheiro de sal do oceano, por isso, ordenou que uma estrada fosse desenvolvida que partisse rumo ao oeste.
Porém, quando a estrada acabou por ser concluída, o rei faleceu de uma doença de coração. Assim, seu filho ao assumir o trono, mandou fazer um vilarejo onde seu pai seria sepultado e onde ele também seria, quando morresse.
Os mitos diziam que o lugar onde o rei foi sepultado era a própria Ruína de Alkmed. E no caminho para lá, por dentro da mata, uma dezena de rios e algumas cachoeiras partiam o terreno em diversos pedaços, justamente com o intuito de dificultar aqueles que queriam profanar o lugar de descanso da família real.
– Meu pai dizia que a Senhora de Kusha era uma das pessoas mais cruéis que já surgiram no mundo, mas durante meu tempo no castelo do rei Luzin, na cidadela de Luana, os não-humanos diziam que ela era uma salvadora.
Os três estavam sentados ao redor de uma fogueira que clareava uma noite sem lua. O único preso por correntes de ferro e sem poder falar era Kamus. O mercenário parou de se debater depois de algumas horas e continuou seguindo sem dificultar.
– Uma salvadora? – Haivor ficou ainda mais interessado na história.
– Ela construiu um lugar onde os não-humanos podiam viver afastado. A cidade de Kusha. Eu visitei uma vez, mas fiquei por pouco tempo. Nunca tive conhecimento dela, mas ninguém me maltratou quando estive lá.
O semblante de Marco ainda era abatido por todas as coisas que aconteceram. A culpa pesava os ombros, corroía a mente. Haivor sabia como era a sensação de ser responsável por um resultado que levou uma pessoa a morte.
No caso de Marco, a situação era que todos os que não eram humanos sofreram. Isso era, talvez, dez vezes pior. Se cada família que perdeu um parente o cobrasse, o que aconteceria ao jovem rapaz?
Um diplomata errava, mas seus erros eram maiores e mais devastadores do que um guerreiro ou um Arcano. Um erro, mil vidas.
– Você precisa deixar isso de lado, agora. – Haivor jogou mais lenha na fogueira. – Descanse. Eu irei tomar conta do turno da noite.
O cansaço de Marco era tão grande que ele nem mesmo negou. Juntou um pouco de folhas como um travesseiro e fechou os olhos, apagando. Haivor não diria a ele que tinha feito um Comando para que apagasse, era só necessário.
Pegando uma maça, a cortou em duas partes e colocou nas pernas de Kamus.
– Uma vez, eu criei um comando de ativação passiva. Fiz explodir uma árvore dez segundos depois que passei por ela. – Sua seriedade foi sentida pelo homem. – Pode ficar com o resto da maça, se quiser. Eu já comi.
Ao desativar ‘Paralisação’, Kamus mexeu os braços várias vezes de um lado para o outro. Estalou os ossos do pescoço e das pernas e respirou profundamente. Pegou a maçã do colo e deu uma bocada. No meio do silêncio dos dois, ele disse:
– Não irá conseguir chegar até a senhora. Nem mesmo sendo um Adesir.
– Sei o que me espera – Haivor respondeu sobriamente olhando para as chamas. – Um homem que conjura o gelo, uma criatura que cria raízes, guerreiros cujas habilidades estão fora da minha imaginação.
Kamus nada respondeu de imediato.
– Você leu minha mente, não foi? Naquela hora. Eu conheço um homem que pode fazer isso, ele é um Adesir também. – Apontou a maça mordida. – Não irá funcionar em nenhum deles. Kusha é mais poderosa do que todos os Adesir juntos.
– Não estou indo lá para matar alguém, minha missão não é essa. – Haivor o encarou. – Quero ajudar Marco, mas se ele quer ajudar vocês, então farei de tudo para que ele consiga isso. Não importa se precisarei passar por cima dos soldados dela, nem de um rei pra isso.
– E o que paga sua lealdade a esse rapaz? – Kamus virou-se para Marco. – Ele dorme como se não tivesse perigos ao seu redor. Duvido que tenha matado alguém, ou que tenha dormido com uma mulher. Ele ainda é verde, cresceu nessas terras achando que conhece o mundo inteiro. Não chega nem perto disso, Adesir.
– E você conhece?
A pergunta travou Kamus.
– Sabe o que eu sei desse mundo? – Havior cravou um graveto no meio do fogo. – Sei que as pessoas são diferentes e possuem objetivos diferentes. Você quer somente enxergar o que está na sua frente, e isso limita toda a visão do horizonte.
– Quão filosófico.
– Marco dorme bem porque nada e nem ninguém irá atacá-lo enquanto eu estiver aqui.
A pressão envolveu Kamus como um abraço gélido. O vento não era refrescante, era parecido quando a morte se aproximava, como perdeu um duelo contra o guardião da senhora de Kusha, ou quando estava contra uma besta selvagem.
A presença de um mero aprendiz, como tinha ouvido, era massante somente para lhe dar calafrios. Era somente quando estava prestes a morrer, que a adrenalina o fazia respirar várias vezes.
– Enquanto eu estiver aqui, Kamus, Marco está em segurança. E por isso, se ousar fazer algo contra ele, o matarei no mesmo instante.
Haivor jogou outra maça para o mercenário e se levantou. Esticou as pernas e encarou na direção mais escura da floresta.
– Sei que estamos chegando perto. Aquele que me espera, o homem do gelo, eu sei o que ele fez a você.
Kamus segurou a fruta com as duas mãos, mas continuou focado no chão que sentava.
– Como você disse, eu leio mentes. – E andou na direção da escuridão. – Uso essa habilidade para aprender sobre o mundo, mas sua dor não é diferente da minha ou de Marco. Ele perdeu vocês quando o rei assinou esse decreto, você perdeu sua família.
– Para onde está indo? – Kamus perguntou alto. – Ei, volte aqui. E o garoto?
– Tome conta dele pra mim.
Haivor entrou andando na escuridão e ficou por quase três minutos. As raízes do solo haviam sido removidas, o chão se tornou frio, a sola dos seus pés doíam a cada passo, mas ele não parou. O breu que o circulava nada além dela mesmo, não sentia medo.
Caminhou por anos na escuridão em Senbom, a experiência o deixou mais forte. Ninguém é invencível, nada é intocável. Cross o ensinou essas palavras quando perdia suas forças e não queria mais focar nos estudos.
O som da água caindo e batendo, depois corria milhares de metros, criando ramos e se dirigindo para lugares onde Haivor um dia queria conhecer. Ali, naquele grande continente, poderia conhecer melhor o que era realmente viver.
E parou seu instinto o avisou sobre uma parede ondulante. Ele tocou e sentiu a manta de magia percorrendo. O som das águas havia parado por completo, e nada além de um som oco era audível. Penetrou a camada, dando de frente para um inverno inacabável.
As árvores haviam sido congeladas, a neve caía lentamente, mas a temperatura já estava em um grau que era impossível para qualquer criatura se manter aquecida. Haivor não sentia tanto esse frio, a roupa que usava era justamente feita para que temperaturas extremas não o afetasse, mas o solo tinha tantas crostas de gelo que só de pisar, rachados se alongavam pela superfície.
O rio que dividia os dois lados de terra estava congelado de uma margem a outra. Haivor via os peixes parados debaixo do cristal transparente. Tudo havia sido transformado em puro gelo.
O vento soprou fortemente ao redor, o fazendo desviar o rosto, mas os flocos fizeram pequenos cortes em sua bochecha.
– Então, você é o aprendiz de Adesir, o chamado Enigma.
Do outro lado do rio, parando na margem do rio, uma criatura usando uma roupa completamente vermelha. A primeira vista parecia uma armadura, mas ela balançava junto do vento, as botas eram pesadas e o couro da roupa ainda mais.
O que deixou Haivor curioso era o capacete quadricular pontudo que usava. Apenas a freicha dos olhos era enegrecida, mas o par de olhos azuis eram tão profundos quanto a crosta do rio a sua frente.
– Por sua causa, o Mestre Kralus foi detido do Conselho Menor. O homem que parou o velho e antigo ‘Arcaico’. E agora, está indo encontrar com minha senhora. – Ele deu uma risada rouca. – Parece que você tem mais coragem do que racionalidade, rapaz.
Aparentemente, o robe vermelho era somente para destacar na multidão, mas quando vento soprou, uma linha de neve o cobriu e o homem desapareceu. Haivor olhou para o alto, onde uma árvore grande estava perfeitamente congelada. Lá estava ele, sentado no galho mais grosso, com o cajado em suas mãos.
– Mestre Kralus foi um grande amigo de minha senhora quando ela passou por dificuldades. – O homem se jogou para trás e saiu dando cambalhotas até a neve se erguer do solo, formando um trono, e ele caiu sentado, sem um som de baque. – Quando soube de você, eu quis encontrá-lo.
– Estou aqui agora – Haivor respondeu em Ligariano. – Seu mestre foi um inimigo que me fez repensar como eu combatia. Ele não perdeu aquela luta.
Haivor poderia não estar prestando atenção naquela hora, mas o anel que ligava a Kralus estava em seu dedo a todo momento.
– Rá, você fala Ligariano fluentemente. Me chamo Knover, sou o Filho do Gelo.
– Eu sei quem é você, Knover. – Haivor soltou o ar da boca, formando uma fumaça cinzenta, e rapidamente usou o dedo para modelá-la. A nuvem se dividiu em diversas metades e cristalizaram. –Não vou pedir para sair da minha frente porque sei que não fará isso.
– Incrível. Suas ações são realmente como descreveram para mim. – Seu cajado foi ao chão, o ar ganhou força e desceu junto ao rio. – Aqui veremos a quem Kralus teve mais dificuldade, Haivor.
As fumaças cristalizadas foram enviadas rapidamente pelo ar. O vento soprou mais forte, mas nenhum delas se alterou. Knover ergueu a mão rapidamente ao ver que sua ação não tinha surtido efeito.
Uma placa de gelo se elevou e ele saltou para trás. Os cristalinos ataques bombardearam a defesa e alguns até mesmo conseguiram penetrar. Knover sorriu e criou mais uma barreira, bloqueando o resto delas.
– Usando modulação contra um bruxo? Que coragem a sua.
A voz de Knover não era velha, mas era carregada de uma vasta experiência. Ele tinha saltado em recuo mesmo não sabendo da força dos cristais. E não usou nenhum tipo de comando ou feitiço para criar as barreiras.
Haivor conseguia criar comandos diversos sem a necessidade de fala porque ‘Leitura’ gravava os atributos em sua mente. Eram casos especiais, como Grison uma vez lhe explicou, porém, havia uma espécie de pessoas que também poderiam aprender essa técnica.
– Aqueles que não precisam invocar a magia porque já são parte dela. Essas pessoas usam alguns objetos que são a fonte de canalização do seu poder, mas se fundem a uma parte da magia para então nunca mais abandoná-las. Eles são poderosos, audazes e, acima de tudo, perigosos.
– Quão perigosos, mestre? – Haivor o questionou.
– Um bruxo que se denomina filho de algo ou alguém é mais perigoso do que qualquer outro Mago ou Arcano. Eles não possuem limites, não quando estão lutando em suas casas.
Knover girou o pé na neve e ela subiu. Uma onda gigante de neve começou a dominar o outro lado do rio indo a alturas quase inimagináveis. Trinta metros, Haivor calculou. Seu coração bateu forte. Antes, sabia dos riscos de enfrentá-lo, agora, entendia o que Kamus havia passado.
O medo de algo que parecia impossível de enfrentar.
– Render-se agora será vergonhoso, Enigma.
– Eu sei.
É do medo que surgem as oportunidades.
Ele bateu a mão no chão. Sua mana criou uma onda de luz azulada em toda o terreno onde a neve tocava. O gelo, as árvores e a neve, Haivor sentia tudo ao seu redor. E, então, forçou:
– ‘Molde’.
A onda gigante caiu como uma pedra pra cima dele. Haivor retirou a mão do chão e inclinou os dedos para o alto. A terra ao lado dobrou para cima e uniu-se em uma ponta única, disparando para o alto.
O gelo e a neve se dissiparam, mas as pedras ainda eram firmes e rígidas. A natureza poderia ser moldada, mas ainda estava lá.
A parede de gelo colidiu contra a ponta rochosa, travando. Dois golpes se encontravam em graus diferentes, mas Haivor respirava profundamente. O inimigo comandava toda a a estrutura do gelo, e ele só poderia fazer com pouco.
A desvantagem era gritante.
– Adesir, que resistência. – Knover riu, se divertindo. – Agora, o que acha da segunda parede?
Haivor engoliu em seco. Uma segunda parede, atrás da primeira, estava tão alta e grossa. Demoraria só alguns segundos para se formar e desceria como uma rajada.
– Kralus disse a minha senhora que um dos Adesir mais talentosos que ele tinha visto. Eu vejo a verdade nas palavras dele. A magia pode levar um Arcano a ser incrível, um Mago a ser destrutivo, um Adesir a ser respeitado. Mas, a mim, a magia sou eu.
Ele bateu o cajado e a parede gigante começou a descer.
– A magia pode ser o que eu quiser – Haivor respondeu. – Eu posso fazer o que eu quiser com ela. Magos possuem fraquezas, um Adesir possuí fraquezas.
As mãos de Haivor encostaram nas paredes de pedra que o protegiam. Com um respiro leve, concentrou-se e dividiu sua mente.
– ‘Molde Duplo’.
As pedras marrons com sua cor bruta tornaram a serem avermelhadas. Sua coloração mudava porque seus atributos mudavam.
Um Comando eram as próprias características de uma palavra usadas em liberdade com a magia. Eram feitos para serem ordenadas, usadas da forma que achar necessária. O Molde, esse era diferente, ele era a própria característica mudada de um aspecto para outro, alterando sua composição básica.
A água poderia virar areia, o ar se tornar água. Uma pedra se tornar fogo.
As pontas se aqueceram ao ponto de penetrar no gelo da primeira parede. A água descia pelas pedras enquanto perfurava mais e mais. A segunda parede chegou. Haivor ativou o segundo molde. A cor vermelha de queima da pedra se tornou azulada.
Dependendo da chama, seus atributos mudavam.
A segunda parede fez com que os picos de pedra fossem empurrados para o chão. E encostando nos ombros de Haivor, ele começou a se curvar e ajoelhar.
– Esse seu discurso muito bonito, Enigma. Mudar o interior da pedra, aquecendo e perfurando minha criação. Uma estratégia sensacional, admito. – Knover apontou seu cajado para frente, mudando seu tom de voz. – Mas, não espero a derrota como Kralus.
Haivor segurava a respiração enquanto o pico efervescente ainda não tinha perfurado a primeira parede. O gelo poderia ser rígido, mas ainda era gelo. Acima de zero graus, ele derreteria. A física era clara, e aquele cenário de gelo era criado para sustentar um único homem.
– Filho do Gelo: Espelhos da Tempestade.
Um bloco fino cristalino saiu do solo, criando uma imagem perfeita de onde Haivor estava se defendendo. As pilastras de pedra em sua frente tapavam onde exatamente estava o Adesir, mas Knover mirou lá.
– Kralus deve ter pegado leve porque está claramente sendo fácil demais.
A neve atrás de Knover entrou pelo espelho fino e sumiu. Outro espelho foi criado atrás das costas de Haivor.
– Está mesmo. ‘Molde’.
Knover se atentou na mesma hora. O gelo abaixou dos seus pés estalou criando um eco ao redor de quase dois segundos. O barulho da cachoeira longe também retornou. E o ataque que ele tinha feito através do espelho fundiu.
O gelo inteiro ao redor tinha sido transformado em água.
Os pés do Filho do Gelo estava abaixo da água.
– Acha que mudando a estrutura, eu não poderia criar outra? Enigma, você nem parece estar tentando.
No entanto, ao bater o cajado no chão, a água permaneceu intacta. Knover bateu de novo, e depois de novo.
– O que é isso? – ele gritou. – Não. Não. Isso não está certo.
A imensa parede de gelo se desfez em água, tombando contra o riacho e contra as árvores. Haivor desfez a pedra ao redor, e ergueu a mão molhada. Não era água do rio ou do último ataque.
– Eu preciso apenas entender como funciona suas habilidades para pará-la. – Ele balançou a mão. – Você usa duas modalidades de atributos para consolidar a água e permanecê-la móvel. Assim consegue transformá-la em neve. ‘Solidificação’ e ‘Mobilidade’, nessa ordem.
– O quê? – Knover o encarou. – Isso… você está lendo minha magia?
– Qualquer um que tentasse enfrentar você com outro elemento, com velocidade, com destreza, seria esmagado. – Haivor se levantou e limpou a terra do ombro. – Assim foi com Kamus, assim foi com metade dos seus inimigos.
– O gelo é minha casa. – Ele segurou o bastão com as duas mãos e bateu contra o chão. – Se não posso vencê-lo usando a água, que seja a terra.
O gelo se estendeu abaixo da água, não conseguindo afetá-la. Porém, todo o terreno congelou novamente, até mesmo as árvores. Tudo estava em seu tom original, mas quando a magia se aproximou do rio, nada aconteceu.
Era para ter sido congelada, como antes, e onde o Adesir também pisava.
– Agora, estamos em níveis iguais, Knover – Haivor disse. – Minha mana não cobre toda a sua estrutura, então, não posso usar tudo ao meu alcance.
– Sua expressão me diz que tenho sorte por isso.
– Não precisa-se de sorte para ganhar uma batalha.
Haivor encarou ambos os lados onde uma pressão de neve emergiu de espelhos. Esticou seus braços para a avalanche ainda calmo.
– ‘Pressão de Ar’.
O choque entre dois golpes poderosos concluiu em um tufão de neve para todos lados. Haivor usou esse momento para encostar em um floco de neve e usar ‘Molde’. Jogando toda a neve do ar de volta contra Knover, ele somou também as que estavam ao seu redor, ainda no chão. Entretanto, abriu os braços e cada floco de neve que encostou nele, se modificou na hora.
– Eu vejo através de seus movimentos.
O cajado de Knover bateu contra o chão e a neve se dividiu para os lados, passando por ele em altíssima velocidade. Após, apontou o cajado na direção de seu inimigo.
– Você disse que todos os Magos e Adesir tem uma fraqueza, isso tudo é porque vocês não enxergam que a magnitude da magia está em como usá-la sem proferir palavras. – A neve subiu novamente, mas dessa vez, formando um pilar giratório que não parava de rodar.
Era imenso, tanto que Haivor encarou com certa surpresa.
– A fraqueza não está nas palavras de um Bruxo. Eu sou o descendente do gelo. – O pilar foi atirado pra cima de Haivor. – E eu posso realizar muito mais do que isso.
Gotas de água começaram a tocar o solo. A chuva estava começando a cair.
– Você não pode me derrotar, Enigma. A diferença entre nós é que eu fui designado a proteger a minha senhora. Adesir ou Mago, Kralus ou você, ainda estão longe do verdadeiro poder.
– Por que diz essas coisas? Você sequer me fez sair daqui. Durante toda a luta, seus ataques não fizeram nada além de adiar o inevitável. – A chuva percorria o rosto dele, descendo até a boca. – A fraqueza de um Bruxo está no quanto ele depende do seu nome. Veja o que faço com todo o seu apego. ‘Exploda’
O pilar giratório explodiu a primeira vez, dissipando a neve e o gelo. A pressão do ar fez Knover ser arrastado para trás. A segunda explosão criou uma segunda onda de choque. As outras vieram em sequência. Poeira e fumaça começaram a ser expelidas junto da neve, a água estava sendo bombardeada para todos os lados.
– Esse é o meu segundo movimento de ataque, Knover. Quando entrei aqui, sabia o que devia fazer. O seu gelo é puramente criação da sua magia, esse lugar foi criado a partir de sua mente. Tudo aqui depende do quanto você consegue criar. Aquelas duas paredes enormes foram a sua arrogância. Depositar um ataque primário logo de cara mostra como é fraco mentalmente. Humilhar um adversário e dizer depois que não possui fraquezas, e quando é atingido, diz que está fazendo para proteger sua senhora.
Haivor estalou os dedos, sério.
– O que mais odiei em você é que diz tudo isso e nada é verdade. Está aqui porque queria batalhar contra o homem que enfrentou Kralus. Eu sou Enigma, e minha missão vai muito além de você. Agora, saia da frente.
Ele deu seu primeiro passo e arrastou a mão pelo ar. ‘Compressão’, ‘Expansão’, ‘Velocidade’.
Seu passo seguinte foi como um salto no espaço. Comprimir o espaço. Expandir o movimento. Velocidade de Movimento. Em um segundo, encarava os olhos azuis de Knover bem de perto. Segurou o pescoço dele enquanto a outra mão apertou o cajado.
– Você é filho de um não-humano. Criado pela senhora de Kusha, mas sendo um dos poucos que conheceu a Ordem dos Magos. Fez parte de um grupo de pesquisa onde conheceu Kralus. Depois disso, humilhado porque os Magos não aceitavam não-humanos, buscou ajuda da única mulher que realmente o receberia.
Os olhos dele se arregalaram.
– Agora, tudo o que faz é duelar para conseguir superar seu medo. Aquele medo que está no fundo do seu coração: O de nunca ser suficientemente forte para enfrentar Kralus. Por isso, você se apressou e veio até aqui. Achou que me vencendo, tudo o que perdeu seria compensado. Que venceria o mestre indiretamente.
– Não – Knove berrou. – Eu nunca faria isso. Sou honrado a senhora de Kusha. Sou o Filho do Gelo.
– Mas, você nunca o quis. Por isso, o gelo paralisa seus membros cada vez que o usa. – Haivor se aproximou mais ainda dele. – Você pode gritar para o mundo que é a própria magia, mas no fundo do seu coração, você nunca será. E sabe disso.
O pé de Haivor bateu contra o chão e toda a água ao seu redor subiu. O tempo parecia ter parado porque até mesmo as gotas da chuva estagnaram no ar. Knover suspirou em um medo profundo vendo aquela quantidade absurda de água, terra e gelo flutuando ao seu redor.
Era uma magnitude diferente da sua.
– Enquanto não aceitar o que quer, nunca terá controle de si mesmo e de sua mana. – Haivor puxou o cajado dele e o empurrou para trás. – Um Adesir tem a fraqueza mais aparente de todas. Nossa ignorância resulta na falha e no erro, mas aprendemos com isso. Nos tornamos melhores. Eu sou forte porque sigo o que acredito, e o que acredito agora é que você será derrotado pelo homem que chamam de…
– Enigma.
A água envolveu Knover por completo, subindo e rodopiando. Ele começou a gritar, berrar e se debater. Os três elementos no ar começaram a se modelar porque Haivor ordenava. Esse era seu objetivo, fazer com que tudo obedecesse a ele.
Knover foi completamente envolvido em uma esfera até que estabilizou. Uma bolha de quase 3 metros. Haivor estudou por um mês inteiro para conseguir criar um comando que conseguisse ser propriamente seu.
Uma união de comandos, incluindo um pequeno conjunto de atributos, e sua habilidade de ‘Leitura. Um inimigo teria seus pontos fortes e fracos, e que deveriam ser sempre mascarado por sua postura, lábia e veracidade.
A fraqueza de um Adesir é acreditar que está acima de todos. A qualidade de Haivor é entender que a magia ainda poderia mostrar muito a ele. Um Bruxo, um Mago, um Adesir e um Arcano. A diferença entre eles era a forma como a mana era utilizada. Ainda poderia aprender muito mais, muito conhecimento fora dos livros.
Ironicamente, o Filho do Gelo tinha sido congelado.
O mundo de gelo se desfez aos poucos, e Haivor sentiu a volta da chuva tocar seu cabelo e seu rosto. Ficou parado por algum tempo, encarando o homem com seu braço esticado dentro do gelo.
– Enigma? – a voz estava assustada. Era Marco Pollo parado ao lado de Kamus. Ambos chocados. – Quem é esse?
– É Knover – Kamus rapidamente correu e pulou o rio, chegando mais perto. – É o Filho do Gelo. Um dos guardiões da senhora de Kusha. Você… você o derrotou.
– Por que a surpresa? – Haivor jogou o cajado adquirido dentro do seu anel. – Eu disse que faria de tudo para que Marco chegasse a Ruína de Alkmed. Eu não menti.
Kamus o encarou com completa incredulidade. O Adesir esperou Marco se aproximar para retomar a caminhada. Mesmo depois de lutar contra o Filho do Gelo, ele parecia inabalado, sem um único ferimento. Parecia até mesmo mais limpo do que antes.
Ainda que, no passado, Knover tinha o derrotado, vê-lo dentro de uma esfera congelado era como entender o quão pequeno era comparado ao homem que o derrotou. No meio da chuva, o mercenário se perguntou que tipo de pessoa era o Enigma, e quem ele realmente era.
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