O trio parou novamente, dessa vez, em um declive. Os níveis da terra eram separados por uma grande parede de algo há muito tempo construído. As marcas nas paredes, grossas e profundas, Marco a tocou com sutileza.

    O material era frio e úmido.

    – Estamos perto – Kamus falou, baixo. – Aqui é onde Sayamo vive.

    – Sayamo – Marco repetiu, se virando. – Quem é esse?

    – A guardiã de Kusha. – O mercenário sempre levava a mão a cintura, mas ao lembrar que sua espada não estava lá, ele bufava. – Estar aqui desarmado é suicídio.

    – Não se preocupe – Haivor encarava o alto da parede, onde uma torre se camuflava entre os galhos e folhas das árvores. – Ele sabe que estamos aqui.

    Os três olharam para cima, onde uma grande árvore com seus galhos retorcidos com mais de cinco metros cada se espalhava pelo cenário. Vivida, a árvore possuía mais de cem anos, se não muito mais. Em Senbom, muitas dessas estavam espalhadas pela floresta, casas dos animais mais fantásticos que existiam.

    Ao saltar para o outro terreno, Haivor deixou os dois para trás. O homem em cima da torre segurava um pedaço de madeira, fino e reto. Ele deu um passo no vazio, antes de cair, raízes se elevaram dos galhos e do tronco da árvore, criando uma escada para sua descida.

    Caminhava devagar, descendo os degraus lentamente enquanto a ponta da varinha brilhava. Ao ficar de pé em um dos galhos da grande árvore, ele parou.

    – Então, é você – sua voz era atrativa, divertida, por trás de uma máscara azulada. Era uma roupa bem parecida com a de Knover, que enfrentaram no dia anterior. – Você é o Adesir, o aprendiz.

    – E você deve ser Sayamo. Estou para ver a Senhora de Kusha. – A arma de Knover, ele retirou de seu anel e esticou. – Não tirei a vida de seu colega, não estou para matar ninguém. Quero apenas que ela ouça o que Marco tem a dizer.

    – E o que ele tem a dizer? Sua cabeça vale mais do que suas palavras. – Sayamo não estava mais com o tom divertido da voz. – Suas ações não valem nada a nós, agora. Mas, podemos mandar um recado diretamente ao grande Luzin, que ele será o próximo a ter seus braços decepados.

    Os dois entraram em um silêncio. Haivor olhou para trás, a cabeça de Marco estava abaixada. As palavras dos guardiões eram fortes. Ele ainda era novo demais para entender que eram somente palavras. Não tinha poder.

    – Você é a Filha da Floresta, não é? – Haivor a fitou. – Esse lugar é a sua casa, naturalmente. Aqui, tenho a arma de um dos seus irmãos. Eu proponho uma troca justa. A vida dele pela oportunidade de falar com a sua senhora.

    – Você? E quem você é além de um aprendiz? – Ela pulou para um galho mais baixo. – Sua presença aqui é insignificante. Se persistir nessa troca, será morto.

    Os braços do Adesir se abriram, em confronto.

    – Então, o que está esperando? Venha e me mate.

    – Trazendo seus dois amigos aqui, você simplesmente também os sentenciou a morte. – Sayamo apontou sua varinha para Haivor. – Minha senhora não irá falar com você. Ela sentenciou a vida de Marco Pollo e Izhagi no momento que eles ajudaram aos meus outros irmãos a morrer pelas espadas e lanças.

    A dor nas palavras daquela mulher. Haivor sentia como se fosse o próprio Kamus dizendo. O próprio Marco, em momentos de profunda tristeza, tinha aquele tom melancólico. Ela estava sofrendo, como todos os outros.

    A vida de um não-humano era realmente miserável. O rei Luzin ainda marchava com espadas e lanças contra aqueles que ele denominava uma ameaça ao seu reinado. Onde deveria uma coexistência, apenas o massacre se rebelava de suas ações.

    A nuvem podia fazer a chuva cair, mas a casa era fraca de mais para suportar. O erro continuava sendo da nuvem ou das pessoas que construíram suas casas? A analogia era rasa comparada a situação que passavam.

    – Nos dê uma chance, então. – Haivor ajoelhou-se e colocou o cajado na frente de si. – Dê uma chance para Marco consertar isso, deixe-nos passar para falar com a sua senhora. Se a resposta não for do agrado dela, então, você pode me matar.

    As palavras dele paralisaram a Filha da Floresta. Por longos trinta segundos, o silêncio gutural permaneceu entre eles. Marco e Kamus não conseguiram quebrar aquela parede. Os dois usuários de magia estavam em um nível completamente diferente quando diziam aquelas palavras.

    Finalmente, Sayamo respondeu:

    – Você entende o que está dizendo? – Ela perguntou com extrema desconfiança. – Sua vida vale as palavras dele?

    – Só valerá se você deixar que fale com sua senhora. – Haivor continuou focado. – Enquanto Marco estiver com ela, ficarei aqui esperando minha sentença.

    – Quem raios é você, Adesir? – Sayamo estava completamente perdida.

    Haivor nada respondeu. Ainda ajoelhado, permaneceu.

    – Sayamo. – Uma voz calma soou pela floresta até eles. Não era maçante, nem mesmo irritada. Sua autoridade, no entanto, não poderia ser questionada. – Deixe Marco Pollo e o mercenário Kamus passar e vir até mim.

    – Senhora – Sayamo ficou assustada pelo aparecimento de sua voz. – Claro, minha senhora. E o Adesir, o que faço com ele?

    – O Adesir Enigma disse que dará sua vida as palavras de Marco. Eu aceito essa proposta. Enigma, você compreende o que está dizendo?

    Haivor assentiu firmemente.

    – Se Marco não convencê-la, eu irei ficar aqui para sempre.

    – Irá.

    Sayamo criou uma ponte de raízes para que Marco e Kamus subissem até onde Haivor estava e mirando aos arbustos, os dividiu deixando surgir uma passagem para eles. Marco estava com Kamus, parou e olhou para trás.

    Haivor e ele se olharam.

    – Suas intenções são as melhores – Haivor disse. – Fale com o coração e tenho certeza que ela irá te escutar.

    – Eu-

    – Vamos, Marco – Sayamo gritou para ele. – Nada de conversas agora. Sua audiência com minha senhora já foi marcada.

    Marco foi puxado pelo braço por Kamus. O mercenário saiu andando rapidamente com ele.

    I

    O imenso castelo construído a partir de uma montanha era um edifício tão largo que chamaria atenção de qualquer um que estivesse no alto de uma colina. Era enegrecida, diferente do verde habitual da floresta, com pilastras erguidas pelas laterais, com grandes bacias flamejantes no topo.

    A escadaria era longa, e larga, com quase vinte metros de largura. Aquela era o antigo lar dos mortos, da família Alcatha. Era pavimentado até mesmo duzentos metros na floresta, onde as antigas carruagens da família chegavam nos dias dos mortos. Não somente sua família, mas o antigo reino de Alcatha fazia uma oração para que a benção da deusa da luz recaísse sobre eles.

    A casa daqueles que um dia foram reis era coberta por grandes criaturas em cada ponta, homens e mulheres, com vestimentas parecidas, com os rostos cobertos, de malha grossa, segurando um objeto em mãos.

    Marco e Kamus subiram as largas escadas sendo assistidos por Bruxos. O hall da Ruína de Alkmed era gigante, com metade de uma centena de metros, larga para qualquer um conseguir passar, até mesmo um Gigante.

    Marco tinha ouvido histórias desse lugar por toda a sua infância. Onde os mortos falavam e os fantasmas dançavam nos dias dos mortos. Quando a família Alcatha pereceu em conflitos e se dissolveu, o lugar havia sido marcado para ser saqueado.

    Nunca encontraram esse lugar, nunca acharam a entrada, mas ele estava ali. Estava realmente na porta do que seria a sentença de sua vida e de Haivor.

    – Se você parar agora, não vai conseguir falar com ela – Kamus deu seu passo, o deixando para trás. – Posso odiar o que você fez, mas a lealdade é uma das coisas que os mercenários mais temem nesse mundo.

    – Lealdade? – Marco seguiu os passos dele.

    – O que alguém pode fazer por você define o modo como essa pessoa vive. O que Enigma fez por você, mesmo conhecendo há pouco tempo. Isso mostra que ele confia em você. Muito.

    Haivor era claramente uma criatura descomunal. Ele derrotou um guardião, mas Marco havia visto a luta por partes. Não queria ser um fardo contra Knover, então, assistiu metade dela com Kamus ao lado.

    A luta, mesmo contra o Filho do Gelo, era confortável. Nenhum segundo sequer, Marco teve o vislumbre que seu amigo perderia ou seria morto. A confiança de um Adesir era sustentava pelos seus estudos e aprendizado, mas Enigma era um aprendiz.

    Mesmo sendo um aprendiz, ele estava dando sua vida ao pedido.

    – Homens como ele não nascem todos os dias – Kamus comentou. – Mas, eles morrem facilmente por confiarem nas pessoas erradas. Ele errou ao confiar em você? Se pergunte isso.

    Marco não respondeu. Estava nervoso por encontrar com a Senhora de Kusha. Queria erguer a cabeça, falar com força e firmeza, achar uma solução. A única coisa que repercutia em sua mente era o fato de que sua mão estava tremendo e seu coração acelerado.

    Nervosismo.

    Eles penetraram no salão principal. Uma sala vasta, desenhada no solo com figuras ilustres e coroas brilhantes. As janelas desenhadas representavam os antigos reis e rainhas, príncipes e princesas que fizeram parte da história de Alcatha.

    Era assustado estar no salão onde as paredes ligavam tumbas e sarcófagos, ali residiam os corpos de homens e mulheres sublimes na história do Grande Continente. Histórias essas que se perderam no tempo, onde nem mesmo historiadores ousavam buscá-las.

    As histórias que seu pai contavam sobre os fantasmas poderiam ser assustadoras, no entanto, olhar para a quantidade de bruxos e bruxas ao redor, criando um anel no imenso salão era ainda pior. Existia alguém ainda mais tenebroso, era a mulher que sentava no trono de ferro.

    O trono que nunca deveria existir em tal lugar. Sentado nele, a Senhora de Kusha.

    – Aproximem-se.

    Ao passo que chegava mais próximo dela, o coração palpitava com mais força e Marco segurava a respiração para conseguir suportar a pressão de olhar para a senhora. A face ossuada, com o queixo quadrado, a única criatura da sala que não tinha o rosto tampado, de olhos amarelados como dois sóis e um vestido longo negro, que caía e se espalhava pelos degraus.

    Kamus parou e se ajoelhou, Marco imitou seu movimento rapidamente.

    – O mercenário Zhelty. O prazer de encontrá-lo é minimo quando minha ordem era trazer Izhagi e não Marco. Mesmo assim, sua ineficiência trouxe a mim uma quantidade absurda de consequências e atrasos.

    Varinhas, cajados e bastões com pérolas no topo foram apontados para o mercenário de todos os lados do salão.

    – Em sua defesa, o que tem a dizer?

    Mesmo calma, a senhora de Kusha se tornava a própria Ruína de Alkmed. Como uma fortaleza, ela tinha o direito de ordenar quem poderia entrar e quem sairia vivo.

    Marco olhou para o homem, mas ele nada fez se não encará-la com ousadia. O homem não ligava para a posição da mulher que poderia matá-lo. Marco suou frio.

    – Eu fiz o que mandou. O Adesir é um homem de talento e me venceu em uma luta. Não somente eu, mas meus homens e o seu filho que vive no gelo. Estou aqui porque ele sabe do nosso acordo.

    Ela não expressou nenhuma reação.

    – Somente isso? Tão poucas palavras.

    – Ele está aqui por minha causa – Marco disse, falhando em elevar a voz. – Está aqui porque quero argumentar contra o que está fazendo.

    – E o que estou fazendo? Genocídio, vingança ou assassinato?

    A senhora sorriu mostrando os dentes brancos. Se não fosse seu aspecto sombrio, sua beleza se sobressairia mais. E não era velha, seus cabelos eram puro negro, não possuía mais do que trinta anos.

    – Defendendo seus filhos. – Marco não cedeu ao olhar dela. – A luta contra os homens de Luzin são parte de minhas ações. Eu tenho culpa nisso, admito. Fiz algo sem entender que os homens são capazes de criar brechas para escravizar, não li a história mesmo ouvido sobre ela a vida inteira.

    – Uma criança ainda – a senhora disse. – Mesmo que a culpa seja sua, o que fazemos não é defender o que é nosso. Atacamos por direitos. Nossos direitos de viver. Enganaram um povo e estão criando leis que farão de nós seus bens de consumo e material. Não é defender, nunca foi.

    – Nunca foi? – Marco não aceitava isso. – Antes das leis serem feitas. Cerca de cinco diplomatas vieram até vocês para entenderem o que queriam. Quantos aceitaram para uma audiência em sua antiga cidade?

    – Espiões para entenderem como nossos sistemas funcionavam. – A calma da senhora era inabalável. – Quantos outros tentaram fazer isso sem pedir? O que mais você tem além disso? São só uma culpa no peito e um desejo de querer tirar sua vida da reta das nossas armas. O chiqueiro cria porcos, Luzin cria covardes.

    CovardeEla tem razão.

    – É só isso? – Ela levou a mão a cabeça. – Minha vez, então, Marco Pollo. Sua ação para meus filhos e filhas foi de coração. Um dia, seu pai disse para mim que a maior das intenções sempre carregava as melhores ideias, mas as ideias não são feitas para diplomatas.

    – Meu pai?

    – Aquele homem era grandioso. Ele veio até mim usando as palavras, ultrapassou meus filhos com a lábia. Eu nunca vi alguém conseguir dizer tantas palavras firmes. Eu via o coração dele quando abria a boca, porque nunca deu para trás. – Ela apontou para Marco. – Ele vive em você. Consigo sentir isso. Mas, você não é ele. Dono Pollo era o pior dos perdedores, ele batia o pé e gritava quando tinha razão, não deixava que rei ou duque, Bruxo ou Adesir, Mago ou Arcano, ele não deixava ninguém passar por cima dele. O que está fazendo agora é deixar que tudo seja feito por cima de você. O rei grita e aponta o dedo para cidades e manda seus soldados, e onde você está? Aqui. Isso é um diplomata ou um covarde?

    Ela fez uma pausa.

    – Olhe meus filhos, rapaz. Nenhum deles vai atrás dos assassinos, ninguém aqui luta contra uma força armada porque quer. Eles são obrigados. A vida deles está marcada em seu nome. Agora, tudo o que eles fazem é morrer por homens que não veem nada além de mercadorias. Eu os crio para viver, vocês os marcam para morrer.

    – Não faço isso – Marco gritou pra ela. – O que quis era uma vida digna, para todos eles. Eu queria que eles vissem vocês como eu os vejo. Como sustentáveis, que são pessoas que possuem sonhos e desejos, que podem viver da forma que acharem necessário.

    – E quando isso aconteceu na história desse mundo, Marco Pollo? – Ela balançou a cabeça. – Sua visão infantil não entende que as pessoas são diferentes, e que cada pessoa não pode subir se não existir alguém embaixo. Olhe esse lugar, seu pai já deve ter contado como isso deixou de ser um túmulo sagrado e se tornou fonte de risadas nas festividades dos reis. Alcatha é o exemplo morto de um reino que queria ajudar as pessoas e foi derrubado justamente por isso.

    – Uma vida justa depende de ações justas – Marco respondeu mais alto. Ele se levantou e as armas ao redor marcaram-no. – Cada um dos seus filhos tem um sonho. Eu penso dessa forma, eu não posso ser culpado pelo que fizeram a vocês, mas sou culpado por pensar diferente.

    Kamus o segurou pelo pulso, o puxando.

    – Permaneça ajoelhado, Marco.

    – Não. – Marco se libertou. – Eu não estou como desigual. Estou aqui como diplomata. Respeito sua história, sua posição, mas não sou inferior a ninguém aqui. A magia pode fazê-los mais fortes, inteligentes, mas ninguém aqui consegue saber o que é viver sem medo. Eu não preciso olhar para os rostos deles para saber isso. Apontem suas armas para dois homens que não podem fazer nada, o medo deles é mais intenso e enraizado do que suas capacidades.

    – O medo nos faz mais forte – a senhora respondeu, ainda calma. – O medo nos fez viver, o medo cria nosso mundo. Desde antes de você e sua ideia, nós já vivíamos assim. Mesmo afastados de todos as cidades, eles vieram. Por que? Sabe me responder isso?

    – Não.

    – Porque eles nos temem, Marco Pollo. A história inteira grita que somos o povo com defeito, com capacidades menores e sem nenhum tipo de utilidade. Eles nos fizeram como objetos, e lutamos para conseguir a liberdade, agora, na sua infantilidade, eles podem chegar a nós com o direito de nos escravizar. Eles temem que façamos a mesma coisa com eles, que os coloquemos abaixo de nossos pés e lambam a merda que nossos cavalos cagam. Eles temem nosso poder, mas você deu a eles a oportunidade de vir até nós e ordenar que nos rendemos. É isso que deu a eles, Marco Pollo.

    – O que eles fazem com minhas ideias não é culpa minha. – Ele respirou pesadamente. Estava irritado, não porque ela estava certa, ao contrário, tudo o que ela dizia era verdade. – Eu quero ajudar a todos.

    A senhora de Kusha liberou uma berro:

    – Então, ajude-nos. Volte para aquele lugar imundo que eles chamam de capital, diga que as leis são erradas e mande Luzin ordenar que todas as leis que irá criar será inútil. No momento que eles chegarem aqui, nós vamos lutar, vamos lutar até que eles sejam despedaçados ou nós perderemos nossas vidas tentando isso.

    – Então, é guerra que você quer? – Marco se aproximou mais. – É uma batalha sangrenta contra um reino? Os Magos estão do lado deles, os Adesir enxergam os Bruxos como uma ameaça e os Arcanos nunca gostaram de vocês.

    – Nossa liberdade foi feita através de sangue, fizemos isso centenas de anos atrás, e vamos fazer de novo. – Ela começou a descer as escadas. – E eles irão sentir o nosso poder. Meus filhos lutam com o objetivo de salvarem os outros, eles lutam para nos prender. De que lado você está, rapaz?

    Ela ficou na frente dele, era bem maior e sua presença era aterrorizante. Marco endureceu o queixo. Ceder na frente dela seria sua derrota.

    – Eu estou do lado do bem. Sangue ou aprisionamento, onde existe bondade nisso?

    – O sangue deles pela nossa liberdade. É suficiente para mim. Nesse exato momento, um homem tem uma varinha apontado para seu pescoço porque ele acredita em você. A lealdade dele pode custar sua vida, existe bondade nisso?

    – O quê? – Ele tomou o baque das palavras dela.

    – A premissa é a mesma, garoto. Seu amigo se entregou para que você pudesse falar comigo. Agora, se você errar, ele morre. Não é o mesmo que nós fazemos? Vamos lutar, assim como você está lutando, para que possamos viver, e seu amigo, ele irá viver? É a mesma coisa, mas você não enxerga nada além do seu ponto de vista medíocre. Seu pai não ensinou nada sobre o ponto de vista?

    – Não o mencione.

    – Por que não? Ele saberia porque estamos fazendo isso. Você só se inspira, é um falso diplomata. Quer um mundo ideal que não existe. O universo grita todos os dias que somos diferentes, e você continua dizendo que quer um mundo igual? Onde existe igualdade se você mesmo diz que todos aqui são diferentes? Mesquinho, você não entende nada, não entende a história, não entende as pessoas, não entende nem mesmo o valor de uma vida.

    A voz dela estava travada, estava irritada. Marco via o nervosismo dela. Era verdade? Ele não entendia nada? Anos estudando, anos viajando com seu pai e tudo estava tão claro?

    – Marco – Dono Pollo, seu pai, dizia. – Não importa se você está errado ou não, continue firme nas suas convicções. Aprenda a mudar de ideia, aprenda a entender que tudo é mutável.

    – Mutável – Marco disse em voz alta. – Então, vou mudar isso. Eu não entendo nada, Kusha. Posso ser idiota e novo, mas meu pai sempre confiou em mim. Se você não acredita, isso não me importa. Eu farei com que me ouçam, mesmo que isso custe a minha vida. Farei como meu pai fez e morrerei acreditando no certo.

    – Perderá sua vida da mesma forma que ele – a senhora berrou estrondando o salão. – Continua repetindo as palavras de seu pai. Respeite a história do mundo, e agora, respeite a de seu pai. Está aqui para mudar a mim ou para mudar como as coisas são feitas?

    – Eu vim aqui para mudar o mundo – Marco firmou o olhar. – E não me importo se morrer por isso.

    II

    – Você está com problemas – Sayamo disse, rindo. – Minha senhora está destruindo seu amigo. Ela não cede nem mesmo quando está errada. Ela é a prova viva da autoridade. Uma vez, dialogou contra um duque ao ponto de fazer ele chorar. Quando teve a oportunidade, mostrou os dentes e fez metade de uma cidade temê-la. Ele não tem chance nenhuma.

    – Eu sei disso. – Haivor não esboçou expressão. – Marco não pode convencê-la de se defender ou atacar as pessoas. Ele nunca ia conseguir fazer isso, mesmo se fosse mais velho ou experiente.

    Sayamo ainda tinha a varinha apontado para o pescoço dele.

    – E por que mandou ele ir até lá, então?

    – Porque sua senhora pode mudar a visão dele. Ele é um garoto puro, com uma visão limitada dos tipos de pessoas, cresceu em uma família boa, cresceu com pessoas que gostavam dele. Não consegue entender o desprezo, o nojo, a fome. Nada disso.

    – E um Adesir entende?

    – Melhor do que ele. – Haivor suspirou e coçou a barba. Estava mais volumosa e já protegia bem do frio. – Trouxe ele aqui para entender que as pessoas diferentes precisam de diferentes realidades. No momento que ele sair daqui, será uma nova pessoa.

    Sayamo não gostava das palavras dele.

    – Um pessoa não muda de uma hora para outra.

    – Eu sei.

    Ela ficou inquieta.

    – Então, responda. Ele vai mudar por que?

    – Porque ele precisa. – Haivor virou-se na direção da floresta. Sayamo também olhou para lá. – Eles estão aqui. Os soldados.

    – Impossível, como encontraram esse lugar? – Sayamo abaixou a varinha e olhou na direção do castelo. – Droga, não consigo falar com a minha senhora.

    Haivor se levantou.

    – Eles cortaram a ligação. Também não consigo falar com ninguém daqui. – Ele pegou o cajado e esticou para Sayamo. – Knover, a esfera que o prendi está se desfazendo. Quero que você entregue para ele.

    – O quê? Não vou te deixar sozinho aqui. As ordens da minha senhora foram te vigiar.

    – Eu não tenho tempo pra isso. – Ele jogou para ela e saiu andando. – Vou segurá-los tempo suficiente para que vocês avisem a ela.

    – Não, Enigma. Pare agora. – A varinha dela se elevou, novamente. – Não se mova.

    Haivor não parou e ergueu a mão, acenando.

    – Você não tem muito tempo. Sua senhora também não sabe que eles estão aqui. Então, ela corre perigo.

    Haivor deu um passo para frente e seu corpo encurtou os espaços rapidamente. Usando ‘Velocidade Multiplicada’, era como um flash cruzando as árvores. Os soldados se aproximando era um evento que ele não esperava. Se atrapalhassem a reunião, Marco não teria outra oportunidade de entender melhor as classes sociais que regiam esse mundo.

    Marco ainda era imaturo. Uma tela branca que tinha um risco, ainda não completamente desenhada. Haivor seguraria quem fosse para que seu amigo entendesse a maior lição desse mundo; que a utopia nunca funcionou.

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