Capítulo 17 - Mago Olun
Se alguém tivesse dito a Olun Riot seria promovido a capitão da guarda ao mesmo tempo que o Conselho Mágico aprovasse seu relatório e o fizesse Mago de Segundo Domínio, ele não acreditaria. Ambas as posições foram perfeitamente sincronizadas, e junto dela as oportunidades de uma vida pacata e sem muita adrenalina.
Depois de uma semana ostentando seu novo título como Mago, Olun continuou servindo a biblioteca real do palácio de Umae, um dos poucos lugares governados pelo Conselho Mágico, no Grande Continente. Dali, permaneceu seus estudos, mas encontrar seus antigos colegas era sempre divertido.
– Olhe, Arana. – Olun puxou o broche do peito e debochou com um sorriso. – Um Mago. Agora, você deve me obedecer. Na verdade, todos vocês.
O grupo de quatro pessoas sentadas deu risos desgostosos, mas nada poderiam fazer. Um Mago era muito superior a um aprendiz ou a um estagiário, que era a pessoa incluída em processos de aprendizados menores. O título governava em qualquer lugar do Conselho.
– Arana, pegue um dos livros de Magias Sinitras, por favor. Agora que sou Mago, eu posso ler facilmente. E sem espiar, entendeu? Você ainda não tem esse direito. Quando se tornar um Mago, talvez tenha.
Arana era um garoto ainda. Se levantou sem reclamar e foi até a prateleira. O restante do grupo continuou quieto, concentrado.
– Kley, um café cairia bem, não acha? O que acha de pegar para nós?
– Estou estudando, Olun. – O homem virou a página do livro. – Tenho Teste Específico essa semana. Use o seu título de Mago e peça outro.
Olun deu uma risadinha.
– Mestre Pie odiaria saber que um dos seus pupilos mais devotos é um preguiçoso. – Olun fez um beicinho, fingindo olhar para a própria unha. – O que acha que ele vai falar quando eu disser que você não está respeitando as normas?
Kley respirou o mais fundo possível e encarou Olun.
– Vou trazer o café. Se importa só de ficar calado um pouco? Não quero perder esse teste. Preciso dele para permanecer aqui.
– Ah, claro. – O novo Mago balançou a mão rapidamente. – Só preciso do café.
No instante que Kley se levantou, Arana retornou com o livro em mãos.
– Aqui.
As pessoas eram obrigadas a obedecê-lo, contanto que fossem inferiores. A hierarquia era belíssima quando o oprimido se tornava o opressor. Mais de dez anos sendo forçado a levantar da mesa, pegar comida ou livros, varrer a biblioteca ou comprar ingredientes para poções ou elixires.
Nunca mais nessa vida.
Andando pelos corredores do palácio, Olun se perdeu nos andares superiores, onde somente os Magos tinham acesso. Entre um corredor e outro, muito parecidos pelo carpete vermelho e os quadros de cachorros ou cavalos, ele travou em um beco sem saída.
Ao bater na porta, ouviu alguém de dentro pedir para que entrasse. Quando fez isso, deu de cara com cerca o Conselho Mágico, o grupo de cinco pessoas do mais alto posto, renomadas das cabeças aos pés. Cada um deles encarando o recém-chegado, até mesmo seu próprio irmão: Cillas Riot.
Seu irmão era uma aberração na magia, tão inteligente e dinâmico que tinha inovado um sistema inteiro de magia em poucos meses. Agora, sentava na mesa dos mais poderosos enquanto Olun estava perdido.
– Está perdido, Mago Olun? – Lina perguntou ao se levantar. – Os corredores são todos iguais. Sei como é caminhar aqui a primeira vez.
– Sim. – Ele fez uma reverência tímida para os que estavam lá dentro. – Não esperava encontrar os senhores aqui. Perdoe interromper cada um de vocês.
Lina tocou seu ombro e prestes a conduzi-lo para fora, outra voz se elevou:
– Espere. – Era Arno. O chefe do conselho de Umae. – Esse é o seu irmão, Mestre Cillas?
– Sim, um abestado que se perde até mesmo no lugar que vive. – O tom de voz de Cillas era claramente um desprezível. – Não serve nem mesmo como guia turista.
Arno sorriu, mas não da piada.
– Bom, Olun, o senhor surgiu em uma hora oportuna. Eu soube de sua promoção pelo Mestre Jion. Ele me falou que sua velocidade de percepção de mana é altíssima, e que você tem olhos perspicazes.
– Ele sempre me elogia muito. Mestre Jion é um grande homem.
– Literalmente. – Cillas riu. – Mais largo do que uma porta.
Outros sorriram, mas Arno permaneceu paciente.
– Mestre Jion tem um grande apreço pelo seu aprendiz. – Arno esticou para que ele se sentasse. Depois que os dois se confortaram nos lugares, continuou: – Para uma expedição que estamos marcando, precisamos de um homem que tenhas as qualidades que ele citou. Alguém cujos olhos são claramente mais rápidos do que os reflexos habituais de um aprendiz.
Arno passou um dos mapas em cima da mesa.
– Como pode ver, o terreno do feudo de Luzin está desenhado em sua grande parte. Faltam algumas áreas que ainda não exploramos, e outras que não nos é permitido entrar.
– As permissões estão ficando cada vez mais difíceis. – Mestre Poun acendeu um dos seus charutos com a ponta dos dedos. – O rei tem ficado ainda mais impaciente com os ataques da Bruxa Kusha. Ele não vai querer enviar outros homens para lá.
– É uma causa perdida pra ele. – Cillas, se ajeitando na cadeira, apontou para o mapa que seu irmão lia. – Cada uma das localidades que eles pisaram era uma armadilha montada. Esperavam por eles, assim como esperariam por nós. Sabem quando estamos chegando, mas tive um embate contra um dos chamados Filhos.
Arno lhe deu a palavra para continuar.
– Era um bruxo arrogante. Se chamava Filho do Gelo. Knover, o nome dele. Dizia que a Bruxa era como uma geleira e que os Magos seriam mortos assim que pisassem lá. Eu demarquei a área com uma magia de localização e achei as marcações onde cada um deles estava.
– Então, temos a área coberta inteira de onde ela possivelmente está? – Lina questionou, curiosa.
– Não completamente. – Cillas se levantou e apontou para um dos pontos. – Essa é uma floresta com colinas e declives, eu demoraria cerca de três semanas para conseguir atualizar a magia. Mas, eu entendi que cada uma das áreas guardadas por esses Filhos são um arco.
– O que pode indicar que Kusha está no centro do arco – Olun concluiu. – Aqui, esse espaço.
Era uma fileira não desenhada, que não estava marcada por um círculo ou por um comentário a lápis.
– Fica entre as duas esferas.
Arno segurou seu pescoço pesadamente, com alegria.
– Perfeito, Olun. Era o que estávamos procurando. Como você tem completo domínio das suas capacidades e foi um ótimo aprendiz, daremos sua primeira expedição ao feudo de Luzin. Marcaremos o requerimento com o rei em uma semana, então, irá até lá averiguar a situação.
Olun encarou seu irmão que simplesmente cruzou uma perna em cima da outra e acenou com a cabeça.
– É sua decisão – Arno disse. – Seu irmão não tem nada a ver com isso. Quer mostrar seu talento? Agora é a hora.
– É uma grande oportunidade, Mago Olun – Lina também falou ao seu lado. – Poderá ser o começo de algo inestimável.
Olun não tinha motivos para desacreditar nas palavras de Mestre renomados. Ser um Mago já era uma ótima forma de não precisar pagar impostos, não precisar estar vinculadas a atividades maçantes ou discutir com outros aprendizes em debates que nada levariam.
Ser Mestre era acima disso. Era desfrutar de uma vida de autoridade, onde todos os Magos do continente e fora dele poderiam ser ordenados. Seu irmão era somente três anos mais velho e já era um Mestre.
Se Cillas quisesse que alguém invadisse uma fortaleza, mandaria um batalhão de Magos. Agora, o Conselho Mágico queria que ele investigasse um deles.
Deveria ser uma tarefa fácil, então, ele aceitou de bom grado.
– Farei o que me pedirem, mestres.
I
Foi a pior decisão de sua vida.
A floresta era densa com grandes rios cortando as planícies e declives. As pontes foram destruídas e as chuvas produziam poças de lama enormes que entalavam as carroças e atrasavam seus homens. Ele tinha escolhido cerca de dez Magos para se juntar a eles, cada Mago possuía dois aprendizes, sendo que poderiam levar somente um.
No total, vinte pessoas com conhecimentos em magia caminhando em uma terra fechada e lamacenta, guiados por uma Bússola Marcadora, um objeto mágico que apontava para um lugar marcado em qualquer lugar do mundo.
Tinha sido dado para ele antes de partir. Mas, ao olhar para a ponta vermelha girando para o leste, ele apertava o próprio punho embaixo de uma capa de chuva. Eles não podiam usar magia naquela área para não chamar atenção, então tudo era feito manualmente.
E estavam parados.
– Senhor Olun – Arana chamou de longe, com a mão erguida. – Conseguimos tirar a carroça. Podemos fazer uma ponte com um Comando?
– Nada de feitiços, apenas comandos. – Ele gritou. – E por que essa demora toda? Vinte homens não conseguem levantar uma carroça?
– Vou avisar aos outros, senhor.
Olun praguejou sozinho. Os Mestres haviam dito que duraria somente uns dois dias, mas já estava no seu quarto dia no meio do mato preso. Era estressante. Queria estourar todas as árvores e jogar tudo para longe. Queimar as plantas e congelar os rios.
Um dia antes, uma onda de frio havia descido de um dos rios, tendo neve no ar. Algo estava acontecendo e Olun não queria ter sido descoberto. Mandou um dos Magos, Silino Iou, subir e tentar entender o que estava causando a estranha mudança no clima.
Quando o homem voltou, estava alarmado.
– Duas pessoas estavam lutando, e tenho certeza que era um dos Filhos. Aquele que Mestre Cillas mencionou, senhor.
– Knover? Merda, se ele se mover muito, vamos perder a brecha entre os círculos.
Olun se virou para pensar no que fazer quando o homem respondeu:
– Não, senhor. Ele foi derrotado. A outra pessoa que se chamava Enigma, ele derrotou Knover e o congelou em uma esfera de grande densidade. Eu mesmo não consegui desfazer a magia, era de uma escala completamente diferente.
– Enigma? – Olun fez uma careta. – E o que ele é? Mago, Arcano ou Bruxo? Que nome cafona.
– Não faço ideia, senhor – Silino deu de ombros. – Mas, era um homem poderoso. Estava com outros dois, e seguiram mais a fundo.
– Nossa chances melhoraram, então. Isso quer dizer que estamos bem perto do nosso objetivo. – Olun saudou Silino com um tapinha no rosto. – Ótimo trabalho. Volte e avise que iremos seguir o mais rápido possível. Faremos o relatório completamente para Mestre Arno.
– Sim, senhor.
Uma ponte feita de raízes foi construída pelos aprendizes e a carruagem puxada pelos cavalos passou facilmente. Seguiram fundo, cada vez mais firmes. A temperatura estava caindo mais e mais, e finalmente, depois de um dia inteiro de caminhada, chegaram até onde a Bússola marcava.
As árvores eram altas e largas, o cheiro de pedra era mais acentuado. Olun concentrou-se na visão, estava claramente no lugar certo, mas algo não estava no lugar. O que deveria encontrar ali era uma passagem direta para a Ruína de Alkmed, como dizia os relatórios.
– É uma membrana – falou. Ele foi a frente enquanto seus homens pararam. Ele tocou uma manta transparente que ondulou em vermelho ao seu toque. Sorriu, vitorioso. – Achamos, senhores. Aqui está a nossa passagem.
– Mestre Cillas estava certo, então – Arana disse. – A Ruína de Alkmed, o lugar onde os fantasmas dormem.
– Não existem fantasmas – Kley respondeu a ele, convicto. – Existem somente fragmentos da mana da pessoa. Estudamos isso nos livros de Kross.
– Ah, certo – Arana concordou, envergonhado. – Desculpe.
Olun encostou as mãos na barreira e concentrou-se.
– ‘Reflexos de Presença’.
Sua mana se espalhou pela barreira. A mana de Olun se fundiu a própria mana da barreira. Era uma magia usada para criar distorções em materiais, mas seu irmão, Cillas, conseguiu criar uma ramificação, utilizando distorções e criando buracos em barreiras feitas de mana condensada.
Por isso, ele tinha sido considerado um Mestre. Sua descoberta era inovadora. Os Magos precisavam disso contra Bruxos e Arcanos já que boas partes de suas defesas eram mana condensada em um grande escala.
E também era como os Magos invadiram Malaca, criando buracos na barreira da própria Torre Mágica. Seu irmão era uma aberração completa.
Mas, Olun não era pior. Nunca se sentiu inferior. Nesse momento, deveria mostrar que era um Mago renomado e de grande autoridade. Faria a descoberta da real posição da Ruína de Alkmed e levaria tapinhas nas costas.
– Senhor – Arana chamou rapidamente de trás. – Movimento nas árvores.
Olun acordou de seu sonho e encarou o aprendiz atrás dele. Os Magos tinham círculos arcanos ao redor dos braços e pernas, olhando ao redor. Olun era o único mais afastado. Ele viu Arana abrir sua boca para gritar novamente, mas o tempo parecia ter parado.
Alguém tinha surgido ao seu lado, com o braço erguido e a palma preparada. Seu reflexo o obrigou a enrijecer o braço e proteger o lugar mais vulnerável, a cabeça. Mas, o golpe surgiu em sua costela, em um impacto de alta tensão.
Bateu contra galhos tortos e quebrou árvores secas, trombando suas costas contra uma árvore. Ao parar finalmente, soltou o ar dos pulmões. Um estalido ecoou de sua costela, algumas haviam sido quebradas.
– Senhor Olun – alguém gritou por trás dos arbustos. E então, a floresta foi incinerada por uma magia de fogo de alto nível.
A densa mata se desfez e Olun encarou o homem que estava do outro lado. Ele saltava de árvore em árvore. Era um manto, como Magos usavam. Os Filhos de Kusha usavam armaduras grossas que protegiam contra a magia, mas esse era normal. Liso, grosso, com poucas proteções.
O homem parou em um dos galhos e usou dois dedos de sua mão para redirecionar uma magia de eletricidade de sua mão. O raio girou ao redor dele várias vezes e o atirou de volta, ainda mais perigoso.
Dois Magos foram em frente e criaram imensas mãos de pedra, que subiram com punhos fechados. O homem bateu suas palmas e lançou algo contra a magia. As mãos explodiram e fragmentos de pedra voaram para todos os lugares.
Essas pedras pararam no ar quando o homem estalou os dedos.
– Proteções, agora – um dos Magos gritou. – Agora.
Os Magos foram a frente dos Aprendizes e criaram círculos mágicos. As pedras no ar foram incendiadas e lançadas de volta. O bombardeio era incessante. Por quase dez segundos, pedras flamejantes caíram como uma chuva interminável.
Aos poucos, os círculos começaram a rachar.
– Aprendizes, agora – Silino ordenou. – Usem magias ofensivas. Não deixem que ele permaneça parado. Usem a cabeça.
– Sim, senhor.
Quando a chuva cessou, as barreiras foram desfeitas e os aprendizes foram a frente. Não eram crianças, eram homens e mulheres treinando a vida inteira para conseguirem se tornar Magos. Suas vidas eram testadas sempre, mas um inimigo era um inimigo.
A morte aguardava aqueles que desafiavam os Magos.
Olun ficou estupefato com a quantidade de magias e feitiços disparados em um só ponto. Era possível destruir uma fortaleza com aquela quantidade absurda de mana. E o homem, por alguma razão, estava calmo.
– ‘União’ – ouviu suas palavras indiferentes.
A quantidade de magias dispersadas em ângulos diferentes entrou em um funil invisível. Começaram a se unir em um único ponto onde o desconhecido apenas esticava sua mão, a parando antes do contato.
Como? Olun estava indignado. A magia não poderia ser parada dessa forma. Estava fora de seus padrões completamente. Não existia uma magia chamada ‘União’.
A resposta do homem foi um salto por cima da esfera reunida com as magias.
– ‘Cristalização’.
Ao tocar o solo, uma onda de gelo cobriu completamente a terra. O cristal azul penetrou os cavalos e carroças. Todos os Magos pularam, mas os Aprendizes não foram tão rápidos. Com um pisão na terra, o homem fez duas imensas rochas subirem e com dois socos, as lançou na direção dos Magos.
O ataque foi rebatido e fragmentos de pedra voaram. O solo feito de gelo, então, foi remodelado para água. Mesmo sendo rasa, era suficiente para ligar todas as pessoas presentes. A faísca brilhou e desceu.
Os gritos dos Magos ecoou pela floresta. Intermináveis gritos. Olun encarava os Magos serem torrados. Suas roupas usadas para suportar magias estavam sendo queimadas enquanto tremiam em pé, sem cessar.
– Pare – Olun falou, mas não era nem mesmo capaz de gritar. – Pare. Eles vão morrer. Pare.
Levou sua mão a frente e um círculo mágico tomou controle de seu antebraço, em uma cor esverdeada. A quantidade de runas e escrituras era superior ao que estava acostumado a usar em treinamentos.
Se não usasse, a morte levaria cada Mago e Aprendiz. Ele não poderia deixar que isso acontecesse.
– ‘Anulamento Maníaco’.
Uma magia usada para anular outras menores. Uma esfera era criada com a magia que seu usuário utilizava. Olun permaneceu segurando a esfera que crescia a cada segundo. Conseguiu se levantar, segurando sua costela enquanto arfava.
– Seu merdinha, olhe o que fez com meus amigos. – O homem o encarou. Olun sentiu a raiva transbordar em seu coração. – Farei com que sofra. ‘Compreensão’.
A esfera diminuiu de tamanho ao ponto de quase não ficar visível ao olho nu.
– Não deixarei que fuja de mim.
A linha reta fez o homem saltar para o lado. A magia cortou uma árvore como se fosse papel e Olun se esforçava muito para levar seu braço para onde ele fugia. A linha era tensa e pesada demais para acompanhar a velocidade do salto, então, suspendeu a magia e virou o corpo para ativar novamente.
A linha cortou uma segunda árvore que começou a tombar.
– Essa magia foi feita pelo meu irmão – Olun gargalhou ao ver a destruição criada. – Você não pode derrotar um Mestre.
Quando a mana sugada acabou, a linha se desfez e Olun caiu sentado novamente. Seu peito ardia e suas costelas pareciam duas pedras colidindo a cada momento. Mas, seus amigos estavam todos caídos.
Do seu bolso, ele puxou uma safira roxa com formato losangular. Ele a quebrou usando a mana.
– Transporte, Umae. Estado Crítico.
A energia guardada na safira tomou conta de seu corpo e tendo marcado cada um dos Magos e Aprendizes que estava consigo, um portal se abriu embaixo deles. Olun caiu deitado em um gramado cortado. O cheiro do mar penetrou sua narina.
Estava em casa.
Ouviu vinte baques seguintes, cada um dos seus homens. Ele respirou fundo, fechando os olhos. Tinha sido derrotado por um único inimigo. Seu batalhão inteiro destruído e desacordado por um único homem que usava uma estranha magia.
Não demorou para que outras pessoas passando por ali rapidamente se aproximassem. Olun sentiu sua cabeça ser segurada e várias perguntas serem feitas, no entanto, sua mente já estava desligando. A pressão do última magia somada com o dano de suas costelas e cansaço foi alarmante.
Ele desmaiou.
II
Contar tudo a Arno, Lina, Cillas e outros Mestres Magos foi completamente humilhante. Ter sido derrotado por uma pessoa apenas. Seria ridicularizado pelos Mestre e seu título seria tirado. O esforço que teve para chegar onde estava seria em vão.
Já se preparava para ouvir seu irmão gritando com ele, dizendo o quanto era repugnante que Olun fosse parte da família. Mas, o que se sucedeu o impressionou e deixou confuso.
– Mais uma derrota – Arno sentado ao lado da cama de Olun ficou de braços cruzados desde que começou a ouvir a história. – A Bruxa de Kusha irá montar uma nova defesa, fará com que a divisão seja feita de forma adequada. A chance foi para a vala.
– Perdoe, Mestre – Olun rapidamente disse. – Eu me sinto humilhado, perdoe-me.
– Não é culpa sua, querido – Lina tocou seu ombro, do outro lado. Calma e tranquila. – Vocês não tem culpa. Pensamos que como eles estavam focados em suas áreas, ignorariam o ponto cego. Mas, mesmo a nossa estratégia de selar a comunicação por objetos mágicos foi ineficaz.
– Somos ainda mais culpados por essa perda – Arno completou, sucinto. – Você fez o que ordenamos na medida mais firme possível. Se aproximou e se infiltrou, mas alguém estava lá esperando por vocês.
– Uma armadilha? – Mestre Poun acenou com um charuto entre os dedos. – Acha que ela estava esperando?
Cillas negou com a cabeça, pensativo.
– Os Filhos da Bruxa usavam roupas iguais, com suas faces tapadas para não serem reconhecidos. Esse homem, ele usava um uniforme. Mas, não estava conjurando magia. Não era um Bruxo.
– Silino. – Olun chamou atenção de todos eles. – Ele fez o reconhecimento de uma área afetada uma magia de gelo. Disse que haviam duas pessoas lutando e que Knover, o Filho de Gelo, perdeu. Ele tinha dito um nome para mim. Começava com E… Eno… Ena… Eni… Enigma. Isso. Esse é o nome.
Olun olhou para os Mestres. Seus rostos se fecharam rapidamente. A indiferença de seus olhos foram substituídos por uma escuridão. Seu irmão, principalmente, tinha sido consumido por uma expressão raivosa que Olun conhecia bem.
Cillas sempre fazia essa cara quando perdia ou não conseguia algo que queria. Era a pura expressão do ódio encarnado.
Até mesmo o clima tinha sido transformado ao dizer aquele nome.
– Acho que é o suficiente. – Arno se levantou. – Eu agradeço, Olun, sua ajuda foi de extrema importância. Vamos.
Um por um, os Mestres se retiraram. Cillas foi o único que ficou. Eles se encararam, Cillas ainda mantinha a seriedade do rosto. Olun se assustava quando ele se enfezava.
– Não se preocupe – Cillas falou, o surpreendendo. – Enigma é um problema que estou resolvendo. Descanse por alguns dias. Sua costela vai ser arrumada amanhã.
Cillas saiu pela porta, deixando Olun sozinho.
Quem era o Enigma?
No meio do caminho, Cillas parou em um dos corredores. Girou e socou a parede com toda força. A marca na parede balançou a estrutura, afastando alguns estudantes. Ele fechou os olhos e fez de tudo para se acalmar.
Mais uma vez, aquele maldito estava atrapalhando seus planos. Um pequeno inseto, um Adesir, estava entrando no caminho dos Magos. Uma sombra passou ao seu lado, ele a ignorou.
– Que derrota, hein.
Kralus caminhava pelo corredor. Cillas o fitou com todo desprezo possível.
– Quem te contou? – perguntou quando o homem já estava longe.
– Da pra ver pela sua birra. – Kralus riu. – Até parece que está preso em um enigma.
E sumiu na esquina do corredor. Cillas ergueu a cabeça. O velho sabia de alguma coisa. Correu até o corredor. Ninguém caminhando lá. Vazio.
Kralus sabia que era o Enigma que estava lá? Como?
III
– Eles sabem. – Kralus disse a Haivor. – Alguém viu você e ouviu seu nome. Você derrotou Knover, o Filho do Gelo. Um dos sentinelas alertou Olun e agora estão mais irritados que antes.
– Não importa agora.
Kralus suspirou. Em seu escritório, o som não se propagava para longe. Ali, era seguro conversar sem se preocupar com a raiva dos mestres.
– Eles estão furiosos – deu uma risada. – Disseram que você atrapalhou um plano que estavam elaborando a dias. Cillas Riot é o mais nervoso. Disse que vai caçá-lo até o fim da sua vida.
– Eu nem sei quem ele é, Kralus.
Pelo tom, Haivor estava se divertindo do outro lado.
– Mas, quero saber, por que está tão longe de Malaca? Disse que seu mestre estava em uma viagem. O que aconteceu?
– Um Pedido.
Kralus compreendeu.
– O famoso Quadro. Alguma hora sabia que você usaria ele. Mas, vir diretamente para o sul do Grande Continente. Está se metendo em lugares muito importunos. Metade dos Mestres marcam nomes que atrapalham seus planos.
– Não faço ideia porque eles estavam vindo para cá. Pensei que fossem soldados de Luzin. – Haivor bufou. – Eu não estava contando que fossem Magos. Se soubesse, tinha matado eles antes. Estava usando comandos.
A porta do escritório foi batida algumas vezes.
– Tenho que desligar, alguém está aqui.
– Até outra hora, velho.
Kralus guardou o anel em um bolso interno de seu manto para dizer:
– Entre.
A porta se abriu e Lina entrou. A mulher sorria de orelha a orelha, usando a vestimenta vermelha que Kralus mandou fazer sob medida para ela. Ele deu uma olhada de cima a baixo, averiguando:
– Ficou perfeita. O que achou, filha?
Ela segurou a couraça leve, mas imbuída em feitiços e magias protetoras. O vermelho era chamativo, e era sua cor preferida.
– É bom, mas sabe que não precisava gastar seu dinheiro nisso, pai.
– Claro que precisava. Sua segurança é minha prioridade. Meus amigo do sul disse que se conseguisse fundir comandos ao invés de feitiços, ele nem iria cobrar. – Kralus deu de ombros. – Ainda estamos longe de aperfeiçoar as vestimentas dos Magos.
Lina se sentou.
– Obrigado, pai. Ficou ótima.
Kralus sorriu para seu maior tesouro.
– Agora, o que veio fazer aqui? Não viria só pra falar sobre a roupa.
– Vim falar sobre o plano de achar a Bruxa de Kusha. Era um plano audacioso que a gente tinha, e você ia fazer parte se não tivesse sido exonerado do cargo. – Ela fez uma pausa, se acalmando. – Cillas teve um conversa com Arno em particular, mas ele acha que você sabe de alguma coisa.
– Eu? – Kralus deu uma risada. Até mesmo segurou a barriga. – Deuses, Cillas parece um cachorro que quando caga em um mato, coloca a culpa em outro só pra parecer mais civilizado.
– Sinceramente, pai, eu não posso negar. O irmão dele foi mandado para lá, e encontrou alguém conhecido nosso. Você lutou contra o Enigma, ele tinha uma parte pequena do cabelo branca e usava comandos, não era?
– Se isso responder sua pergunta, sim. Ele é um homem com habilidades fora do padrão. Cillas deveria temê-lo mesmo.
Lina puxou um cigarro de uma cartela da mesa do pai e acendeu.
– Por que?
– Com seis comandos usados, ele deveria ficar na cama por dois meses ou mais. Eu já vi um corpo entrar em decomposição depois de um quarto comando. – Kralus negou com a cabeça. – Enigma é uma aberração, assim como Cillas, e não teme Magos.
– Ele te derrotou – Lina sorriu. – Isso ainda é recente.
– Vai tocar na ferida do seu pai toda vez que passa por essa porta? – Kralus rebateu, se divertindo. – Minha derrota abriu uma porta de conhecimento, algo novo para mim. Vejo Enigma como um rival, não como inimigo. Cillas, ele está obcecado com isso.
– E como. Usou todas as redes de contato para achar o Adesir, mas nada dele. Ninguém conhece um Adesir chamado Enigma. – Ela tragou o cigarro. – Ele parece um fantasma.
– E o que você faria se encontrasse ele, Lina?
A mulher emperrou. Ao ouvir a pergunta, desviou o olhar para a janela.
– Não sei, pai. Arno diz que um Adesir não é perigoso porque procuram problemas maiores que envolvam criaturas mágicas. E nenhum dos nossos homens morreram. Só as roupas que foram inutilizadas.
– Ainda não me respondeu, Lina.
– O que quer eu diga, pai? – Ela fez uma cara de indiferença. – O único Adesir que importa é o Miserável e o Cubo. Não temos mais nenhum tipo de rastro dele. O Cubo era nossa chave para conseguir acessar a Tabuleta.
Kralus concordou com ela. Lina e os restantes dos Magos se focavam em pontos da história, em entender as magias arcaicas e trazê-las para o novo mundo. Eles se focavam em obter conhecimento em lugares onde a vida e a morte caminhavam de mãos dadas.
A Bruxa de Kusha vivia em um ambiente longe das cidades e numa ruína. A história de Alcatha, o reino destruído, tinha conhecimentos que eles poderiam obter e revelar para a atualidade. Mas, se esqueciam que a sociedade geral também pertencia aos cuidados deles.
Mesmo que Magos e Adesir não fossem compatível com suas ideias, eles não atacavam uns aos outros. Não até Arno usar CBK, o pequeno conselho de Umae, para atacar Malaca e criar um problema colossal.
– O que Luzin disse? – perguntou, depois de algum tempo. – O rei soube que vocês foram derrotados, não é?
– Soube, e está furioso. Pra mente pequena dele, os Bruxos vão atacar todo mundo a partir de agora. Um acordo entre eles e os não-humanos foi feito, e parece que vão utilizar ele pra criar um tipo de sistema neo-escravista.
– Lina, não existe isso. – Kralus pegou o copo de café da mesa e tomou lentamente. – O que está para acontecer é uma guerra civil. Se vocês não intervirem, as criaturas que estão espalhadas pelo feudo vão ser capturadas e torturadas, o melhor será a morte porque as pessoas gostam de usá-los.
– Eu sei, pai. Vou direto para a capital de Patrono para resolver isso, quer ir comigo?
Ele a encarou de lado.
– Sabe que não posso, minha flor. Não sou mais um mestre.
– E o que isso importa? Não vamos pelo conselho, vamos por nós mesmos.
Kralus não queria ir para lá, mas se era um pedido de sua filha, nada poderia fazer. Fazia algum tempo que não passava um tempo com ela. Tudo era resolvido naquela sala, e a poeira já se acumulava em seus ombros, como parte do escritório.
– Quando vamos partir?
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