Capítulo 18 - A Tenacidade de um Adesir
Haivor andava ao lado de Kusha por um corredor longo demais para ser chamado de corredor e largo demais para ser chamado de salão. Andavam continuamente durante dois minutos, em extremo silêncio.
– Quero uma opinião sobre algo – Haivor parou. – Quero saber o que acha de Marco Pollo. E quero sinceridade.
Ela suspirou.
– Sayamo me contou sobre o que conversaram antes de enfrentar os Magos. Sim, ele é uma pessoa com a cabeça igual o pai, mas é completamente diferente dos outros. – Retomaram os passos. – Dono Pollo era cabeça fechada quando estava conversando. Seu filho, ele é só um sonhador.
– Sonhadores nunca tem finais felizes.
– E quem teve nesse mundo? – Sua honestidade era claramente sóbria. – Aqueles que entendem esse mundo tarde demais são consumido por toda as engrenagens sociais. Eu vivo aqui para defender algo importante.
– Sua família – Haivor supôs.
Ela não respondeu. Finalmente, os dois passaram pelo arco gigante de pedra. A sala era menor, sem mobília, com uma pedra erguida no centro dela, flutuando no centro de uma energia leve e esbranquiçada. Letras estranhas e desenhos deformados foram entalhados em sua superfície.
A pedra estava de lado. Quando Kusha se aproximou, ela girou lentamente, ficando de frente.
– Essa é a Placa da História. Ela conta com memórias antigas de um povo que sofreu intensos ataques por serem diferentes. O rei era um homem bom e se colocou diante os Arcanos, que por ordem de um soberano da época, atacaram todas as cidades e fazendas simplesmente porque os não-humanos viviam em união.
– É uma história triste.
– É a história que não quero que se repita. – Ela esticou a mão, mas a energia branca bloqueava seu toque. – É a única forma de entender o que aconteceu com aquele lugar. Entender o que aconteceu para que os não-humanos fossem tratados de maneira tão bruta.
Haivor permaneceu no seu lugar. A energia era mana bruta, usada em uma carga ainda superior a que estava acostumado a ler. A pressão dela era suave, mas duvidava que conseguiria ler algo tão pesado.
Kusha tocava na barreira como se fossem amigas de longa data.
– Passei meus últimos trinta anos procurando por uma forma de acessar essa pedra. E soube que um Adesir tinha a capacidade de fazer isso. – Kusha encarou Haivor. – Eu soube que ele tinha um Cubo, algo que conseguiria ler a mana como se fosse um livro, e então, a reprogramava.
– E por que quer tanto saber da história de Alcatha?
Ela desviou o olhar de volta para a pedra.
– Porque ela é a única lembrança que tenho de quando era criança.
– Espera. – Haivor cruzou as sobrancelhas. – Alcatha caiu faz quase trezentos anos. Como você estaria…? Imortalidade?
A risada de Kusha foi breve.
– Claro que não. Imortalidade não existe para criaturas como nós. Uma magia antiga, de uma Era que já passou. ‘Longevidade Regressiva em Três Pontos’. É uma magia de quatro palavras, completamente complexa para aqueles dias.
– Então, você tem mais de trezentos anos? Superar isso vai ser um pouco complicado.
– Não importa minha idade. Eu já vi as mesmas histórias, as mesmas doenças, as mesmas calamidades, e nunca consegui fazer nada contra elas. Sair daqui, onde meus antigos ancestrais permanecem, seria me dar por vencida.
– Os Magos não estão atrás da Pedra, não é?
Ela demorou, mas sua cabeça acenou.
– Eles querem a mim. Minha magia é algo que nenhum deles consegue compreender. Eles estudam magias arcaicas para trazer para a atualidade afim de beneficiar a si próprios. Enigma, a magia é algo que poucas pessoas entendem, ela não é uma ferramenta, nunca foi.
– É a primeira vez que ouço isso.
– Quando você derrotou Knover, eu vi que sua forma de mecanizá-la era diferente. Você não usa magias de combate ou feitiços, usa os moldes e comandos. Diferente do que os livros dizem, os comandos são mais próximos da mana do que as magias complexas.
Haivor tentava seguir a linha de raciocínio dela.
– Os Magos não sabem que ao trazer complexidade para o hoje, eles também trazem tabus antigos. A longevidade é algo que ninguém deveria ter, pois a infelicidade parece que anda como uma velha amiga ao seu lado.
– É o que você sente? Infelicidade?
– Não mais. Meus filhos e filhas são meus tesouros, cada um deles possuí o sonho de viajar pelo continente, de conhecer novas pessoas, de entenderem quem realmente são. – Ela tocou o próprio peito. – Meu sonho hoje é concretizar os sonhos deles.
– Duvido que isso seja fácil de obter.
Ela negou.
– É uma das mais complicadas, se não uma impossível missão. E é por isso que não posso desistir. – Kusha firmou a própria cabeça. – Eu não posso ceder para ninguém, nem para os Magos, nem para Luzin. Por isso, apostarei minha chance em Marco Pollo.
O Diplomata teria sua oportunidade de consertar tudo. Era claro. Kusha precisava dele para que fosse direto na capital Patrono, ditar as regras que seriam feitas o acordo, ou nada seria feito. E Marco sabia bem o que estava por vir.
Ele tinha que ganhar de qualquer forma.
– Eu o enviei para Patrono nessa manhã – Kusha continuou. – Você não poderá ir a cidade porque você é um Adesir.
– E o que isso tem a haver comigo?
– Patrono é comandada por um grupo pequeno de Magos chamados de CBK. Eles foram responsáveis por aquele pequeno show na floresta há dois dias. – Mirou suas costas para a pedra e começou a andar para a saída. – Marco me deixou a pedra que vocês, Adesir, usam para voltar para a Torre Mágica.
Haivor a acompanhava. O largo e imenso corredor surgiu novamente ao sair da pequena sala.
– CBK foi o mesmo grupo que tentou atacar a Torre Mágica, em Malaca.
– Soube por um conhecido que Mestre Kralus foi derrotado por um Adesir desconhecido. – Kusha o lançou um olhar de lado. – Se conhecê-lo, diga que gostaria de sua ajuda no futuro.
– Eu sou um Aprendiz. – Haivor manteve a calma e tranquilidade. – Não conheço quase ninguém ainda.
– Sim, isso me lembra. Esse pingente que você tem no seu pescoço, ele é da série Poko. Posso dar uma olhada?
Haivor retirou o objeto do pescoço e entregou a ela. Kusha deu uma bela olhada, usando mana para fazê-lo rodar no ar.
– Antigamente, esse era um cordão bem comum. Hoje, é um raridade. Ele concentra a mana do seu usuário no interior e ajuda com fortificações no corpo inteiro. – Ela devolveu o pingente. – Se me lembro bem, apenas quatro deles ainda existem.
– Eu ganhei de um colega. – Haivor pôs de volta o colar ao redor do pescoço.
Eles entraram no salão de jantar. Algumas cadeiras eram ocupadas por Bruxos que se levantaram quando Kusha surgiu.
– Podem comer á vontade.
Eles se sentaram, novamente. Haivor sentia os olhares desconfiados de cada um deles sobre si. Criaturas selvagens, era como eles pareciam, prestes a saltar sobre uma presa que se movesse muito.
Se sentou ao lado de Kusha e pratos foram postos em cima da mesa.
– Pode ficar a vontade caso queira mais. – Kusha começou a cortar a carne. – A última coisa que tenho a dizer é que você será recompensado. Marco deixou um pouco de moedas, mas creio que não seja suficiente como um pagamento adequado.
– Não preciso de dinheiro para onde estou indo – Haivor interveio. – A Torre não exige pagamento.
– Ela pode não exigir, mas qualquer pessoa que tenha uma informação irá pedir. Estalagens não são de graça, comida não é. Só leve o suficiente para que não morra de fome ou frio em algum lugar que for se enfiar.
Um dos Bruxos veio andando na direção deles e deixou uma bolsinha que tintilou ao ser colocada na mesa.
– Quando vier novamente, Enigma, eu não irei perder.
Haivor encarou o homem. A armadura vermelha cujos olhos eram as única parte a ser vista. E o cajado de madeira. O Filho do Gelo pareceu ter rido antes de dar as costas.
– Ele é orgulhoso – Kusha comentou depois de engolir a batata. – Eu posso dizer que metade dos meus filhos gostariam de lutar com você, mas tive que fazer um anuncio que você era um convidado, não um inimigo.
– Eu não ligaria de lutar contra uns deles. Knover é forte, mas como disse, é orgulhoso demais.
Kusha continuou encarando-o.
– Irei partir depois do almoço – Haivor disse. – Não tenho mais o que fazer aqui além de comer e ser recebido com hostilidade. E preciso encontrar meu mestre. Ele deve ter voltado para a Torre depois de tanto tempo.
II
Grison segurava Foton pelo braço enquanto saltava de um pedra para outra. O canion abaixo deles era fundo suficiente para que morressem antes de bater no chão. O garoto estava desmaiado, mas usando comando de ‘Peso Reduzido’, o puxava como se fosse uma pena.
Os berros permaneciam altos atrás dele. Grison jogou Foton para cima e círculos mágicos criados brilharam ao seu comando.
– ‘Linhas Elétricas Combinadas’.
Uma dezena de disparos elétricos surtiram do círculo e explodiram as pedras ao redor, criando uma cadeira de poeira e fumaça. Grison agarrou Foton e com impulso no ar, aumentou sua velocidade quase em dobro.
– Não pode fugir, Adesir. Não depois de vermos o que o seu garoto pode fazer. Entregue ele para nós.
A magia de cura, Foton tinha recuperado uma queimadura de um dos garotos do Bando Hannabis. Era uma ideia interessante, mas como Grison ia saber que o pequeno garoto era filho do chefe do bando?
Essas inconveniências sempre atrapalhavam seus planos. E o Bando Hannabis era um dos maiores da região, com quase cinco centenas de membros espalhados por toda ilha. Era impossível fugir deles quando estavam em solo.
– Asumir, preciso de sua ajuda. – Grison segurou seu colar. – Preciso que leve o garoto para a Torre. Eu consigo me virar.
Um brilho vermelho aumentou pelas costas de Grison. Teve que parar e usar outro círculo mágico. As pedras se ergueram e bloquearam uma onda de chamas. Foton ficou deitado no chão enquanto Grison permaneceu segurando as pedras com toda a sua força.
– Eles estão usando anéis, Retro – Grison gritou. – Não posso lutar com ele aqui.
– Olhe para trás – a voz soou em sua cabeça. – Venha.
Grison olhou, o portal criado dava para um quarto de madeira. Ele desfez o círculo e chutou Foton para dentro do quarto. No momento seguinte, saltou. Caído dentro do quarto, o portal se fechou antes das chamas penetrarem.
– Mas que caralhos é isso, Grison?
O Adesir suspirou e olhou para Hambo, outro Mestre Adesir, que estava segurando um papel e um cachimbo. Ele se levantou rapidamente e ajudou o amigo.
– O que houve? Por que tudo isso?
– Problemas com Hannabis – Grison sentou-se na poltrona. – Esse garoto ajudou um deles e começaram a nos caçar feito animais.
– E o que você esperava? Hannabis procuram pessoas fortes para seu bando. – Hambo recuou para sua escrivaninha. – E como foi parar em uma das ilhas do oeste? O Asumir te trouxe pra cá?
– Pedi que ele intervisse por mim.
Ele pegou um cigarro da cartela de Hambo e deixou que o velho acendesse. Se sentou.
– Sabe que vai ter um problema quando ele começar a jogar isso na sua cara – Hambo disse. – Ele não gosta de ficar fazendo isso para os outros.
– Ele quem mandou eu ir atrás do Miserável.
– Só estou avisando. – Hambo tomou o resto da cerveja de sua caneca. – Soube o que aconteceu no Grande Continente?
– Acho que eu não estava com tempo pra saber de outras coisas além de salvar a vida desse garoto. – Grison chutou Foton. – Ele nem se mexe.
O velho Adesir olhou por cima da mesa.
– Morreu?
– Efeito de um sonífero. Continue sobre o continente, o que houve?
– Essas novidades são das boas. – Hambo concentrou, dando um sorriso. – Os Magos da CBK tentaram atacar a Senhora de Kusha. Um diplomata está gritando contra todos os conselheiros do rei Luzin. Parece que o acordo sobre trabalho dos não-humanos está pra ser desfeito, de novo.
– Por que esse diplomata está fazendo isso? Beneficiaria completamente os não-humanos.
– Esse é o ponto. O diplomata é Marco Pollo, ele foi até Kusha, conversou com ela e conseguiu uma audiência.
Grison fez uma cara surpresa e Hambo concordou.
– Fiz essa cara mesmo. O problema é que esse diplomata disse que teve ajuda de um Adesir, alguém que derrotou um dos Filhos da Bruxa e também expulsou o CBK da floresta. – Hambo pegou o jornal e jogou para o colega. – Dê uma boa olhada no nome do Adesir.
– Ele foi bem imbecil de ter feito isso. – Grison começou a ler em voz baixa, e travou. – O quê?
– Eu tive a mesma reação também. O Mago Kralus foi até Patrono e está do lado do diplomata e o do Adesir. Parece que os planos do rei era escravizar todos os não-humanos. Continue lendo, olhe o nome do Adesir. Isso vai te chocar ainda mais.
Grison leu tudo, até chegar as últimas linhas.
– “O Adesir leva o nome de Enigma, mas poucos conhecem. Marco Pollo diz que ele derrotou o Filho do Gelo e conseguiu a confiança da Bruxa de Kusha”. – Grison encarou o amigo. – Enigma nem mesmo saiu da torre quando eu estava longe, como é possível?
– Está calmo demais, mas você sabe bem como funciona o Quadro. Ele pode ter um pedido pequeno, mas a pessoa quem solicitou pode muito bem mudar esse rumo. – Hambo deu de ombros. – Seu garoto fez um caso muito grande. Agora, Luzin está em uma corda bamba porque não quer voltar atrás com o acordo.
– E esse Marco?
– Ele disse que se Luzin fizer um movimento atrás dos não-humanos, ele vai acionar a lei feudal de terras. É bem esperto.
– Forças Luzin duelar contra um representante dos não-humanos. Isso não é usado desde que Alcatha caiu. – Grison devolveu o jornal. – Eu vou encontrar Enigma. Pode chamar alguém pra levar o garoto pra enfermaria?
– Claro, claro.
Grison saiu da sala e partiu os corredores. Apressado, desceu até onde o quarto de Enigma estava. Quando abriu, o viu sentado na cadeira, ao lado da janela, com um livro, rindo sozinho.
Quando os dois se encararam, nada além de uma pequena aura animada ressoou entre eles.
– Seu nome está no jornal – Grison disse da porta. Cruzou os braços. – Explique.
– Era um Pedido. Você leu, sabe o que aconteceu. – Ele fechou o livro e colocou em cima da cama. – Por que parece estar irritado?
– O Quadro não pode ser usado sem a autorização de um Mestre. Você estava do lado de fora, por contra própria, se morresse, o culpado seria eu.
Enigma não teve uma reação.
– Eu estou vivo, mestre. Meu nome pode estar no jornal, mas não fiz nada além de lutar contra algumas pessoas.
– Não quero que se repita.
– Por que? – Enigma se levantou. – Não fiz nada além de matar meu tempo.
– Eu ainda sou responsável por você. Se algo acontecer com você ou com Foton, eu… – ele respirou fundo. – Não faça mais isso, entendeu?
Enigma não respondeu de primeira, mas concordou.
– Perdão por ter falado de forma grosseira. Eu entendi, mestre. – Ele curvou a cabeça. – Não vai se repetir.
Grison concordou.
– Foton teve uma recaída e está na enfermaria. Vamos ficar na Torre até ele se recuperar, depois partiremos.
– Entendo. E para onde vamos?
– Com o ataque a Torre, os testes de combate foram todos suspensos. Iremos nos reunir com os outros Adesir para continuar seu treinamento. – Grison admitia que Enigma estava claramente calmo e confiante. – E bom trabalho por ter derrotado Knover. Aquele homem é arrogante, mas é forte.
Enigma respondeu com um sorriso.
– Não posso manchar o nome do meu mestre.
Grison aprovou o que ele disse, e se retirou. Tinha que cuidar de Foton.
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