– No topo do monte Alin, existe uma flor. Ela deve ser resgatada, encapsulada e trazida de volta. Os grupos serão todos divididos e cada um deles terá a mesma missão. O primeiro grupo a pegar a flor, vence.

    As palavras de Mestre Piey em um outro dia de treino chegou a surpreender os aprendizes. Os treinamentos finais pareciam ter sido interrompidos depois de alguns Arcanos argumentarem contra os Adesir e seus métodos estranhamente letais.

    Para os Arcanos, os treinamentos passariam a ser separados. Nem Grison ou Hambo ligavam para quem iria participar, era somente uma forma de aperfeiçoar o raciocínio dos seus aprendizes. O quão longe poderiam ir com situações diferentes, radicais.

    Piey, então, foi abordado por alguns aprendizes Arcanos.

    – Senhor – Katarina quem o parou no meio do corredor. – Eu soube que os Adesir irão começar um segundo treinamento de sobrevivência.

    – Ah, pequenos. Sim, eles concordaram em continuar praticando. Algo de errado com isso?

    A resposta dos seis presentes o pegou distraído. Ele curvaram a cabeça, como uma tropa de choque obedecendo a um líder.

    – Por favor, senhor, nos inclua nesse treino.

    – Incluir? Seus mestres desaprovam completamente os Adesir. Não posso assegurar isso.

    Eles não cederam, rostos firmes e peitos estufados.

    – Por favor, Mestre Piey. – Oriun, seu aprendiz, falou. – Nos deixe praticar com eles. Vimos no outro dia que os Adesir nos superam e muito em quesitos técnicos, e eles são fortes, mesmo quando não estão juntos.

    Piey, então, cruzou os braços, curioso.

    – E o que aprenderam com eles da última vez, pequenos?

    Katarina era a mais abalada. Sua derrota tinha sido devastadora, mas ela não estava solitária. Oriun perdera para Enigma também. Ambos queriam uma revanche, mas suas mentes deveriam ir além.

    – Se me responderem que querem ir até lá somente para ganhar dos Adesir, vocês não precisam nem mesmo tentar. Ainda não estão prontos para aquelas pessoas. Eles buscam algo que não está nas nossas responsabilidades.

    – Então, o que um Adesir faz?

    – Ótima pergunta, aprendiz Erick. Por que não tentam descobrir sozinhos? – Ele retomou o caminho pelo corredor. – Pensem nisso até amanhã. Estejam no salão da Lótus antes do sol nascer.

    E lá estavam os três pares. A Flor de Lótus foi posta no alto de um monte, onde um forte corroído por gelo e neve tinha sido construído. Suas paredes quebradiças eram encrustadas por gelo, e seu solo era escorregadio.

    Para subir até lá, os aprendizes deveriam achar uma forma de se locomover da base. A altura era quase de dois quilômetros, e mesmo assim, depois de cinco horas, nenhuma das duplas tinha conseguido a proeza de subir nem mesmo cem metros.

    Enigma encarava a neve pesada caindo fortemente contra eles. Usavam o capuz para conseguirem ter uma visão mediana, mas era tudo branco, com apenas um ponto negro e uma chama brilhando no alto.

    Ao seu lado, Foton tremia de frio.

    – Deuses – sua voz trêmula por conta do corpo. – Como eles querem que subamos até lá?

    – Use ‘Aquecer’ em si. – Enigma encarava as pontas do monte, onde picos irregulares eram as únicas partes não cobertas pela neve. – Venha. Ficar aqui é perda de tempo.

    Foton o seguiu, e utilizou o comando em si mesmo. Sua temperatura corporal se estabilizou. Comandos eram realmente mesmo úteis.

    – Para onde vamos? – perguntou ao começarem a pisar na neve fofa. Seus pés afundavam a cada passo, e uma enorme força de vontade era feita. – Não podemos usar objetos mágicos para flutuar. Tem que ter um caminho, certo?

    – Estou procurando um.

    Eles passaram por Esfinge e Capitu. As duas pareciam dialogar sobre abrir caminho na neve, mas Haivor sabia que era uma missão quase impossível. Se elas criassem uma estrada, outros poderiam a seguir sem fazer esforço nenhum.

    Elas estariam em desvantagem no momento que começassem.

    – Os picos – Haivor disse olhando para trás. – Precisamos saber onde eles estão ligados.

    O brilho voltou a face de Foton.

    – Cavernas – concluiu.

    – Exatamente.

    Eles pararam bem abaixo de um dos picos irregulares depois de quase vinte minutos caminhando na neve. Era possível ouvir a respiração cansada de Foton atrás de si, e seus pedidos constantes para fazer uma pausa na caminhada.

    Haivor usou ‘Empurrar’ para criar uma linha fina na neve onde pudesse passar. Olhou ao redor para ver se alguém estava vendo-os. Ninguém estava presente. Pediu que Foton chegasse mais próximo.

    Ele abaixou e limpou uma pequena área do chão. Um pequeno calabouço de madeira protegia a entrada. Enigma olhou para Foton, sorrindo.

    – Aqueles livros do mestre sobre geografia Ligariana realmente valeram a pena – Foton disse com tanta felicidade. – Vamos, rápido.

    – É um túnel para baixo. Temos que ir com calma. Vá na frente, vou fechar a entrada.

    Foton passou por ele e abaixou-se, pulando dentro do buraco e deslizando para baixo. Haivor realinhou a neve assim que entrou no buraco e fechou-a com cuidado. Deslizou pelo que parecia ser um cano de metal, levando-o a deslizar por um imenso túnel.

    Ele deslizou por quase meio minuto, saindo de pé no final. Foton esperava por ele, uma chama branca o rodeava, clareando o redor. O solo era pedregoso e estava imundo, com água verde escorrendo das paredes e da única entrada do cômodo.

    – Lembre-se do que decidimos quando entramos. – Enigma limpou o ombro da poeira e neve acumulada. – Você vai ficar com a parte defensiva. Vai te ajudar a melhorar nos combates.

    – Sei disso. – Foton não estava tão animado quanto deveria. – Mas, e se eu não conseguir…?

    – Se não tentar, nunca vai conseguir. Vou ajudá-lo. Não estamos aqui somente pela Flor de Lótus. Toda a estrada até lá em cima está recheada de criaturas diferentes.

    – É por isso que não sei se vou conseguir, Enigma. Você é forte, consegue lutar contra qualquer um, mas eu não sou assim. – Ele abaixou os olhos. – Eu não sou forte assim.

    Haivor nada respondeu. A insegurança de um homem era sua ruína. Quanto mais se afundasse em dúvidas sobre suas próprias capacidades, mais perto do fundo e agarrado a ele estaria.

    Não era novidade que Foton era questionador sobre suas próprias capacidades, mas os treinamentos estavam tão apertados que ele não tinha tempo para fazer suas experiências ou aprender sobre o que gostava.

    Ele tinha sido forçado a caminhar para fora da sua zona de conforto.

    Mestre Grison tinha alertado Haivor sobre isso algumas vezes:

    – Quando algo quebrar, não tente consertar logo de cara. Pense um pouco em como pode melhorá-lo. Isso se chama inovação.

    Foton esperava por um apelo seu, mas nada respondeu.

    – Naquele dia, em Malaca. – Foton sentou-se em uma área seca, envolvendo as pernas com os braços. – Eu vi os Adesir lutando e os Arcanos todos se enfiando dentro da Torre Mágica. Eu não quero ser um Arcano que foge quando algo ruim está acontecendo.

    – Você não é um covarde.

    – Mas, eu sinto que sou – ele ergueu a cabeça, confessando. – Eu sinto que não faço parte desse mundo. Lutar contra criaturas lunáticas, morrer para proteger os outros. Por que tenho que morrer, Enigma?

    – Não vai morrer, Foton. Prometo isso a você. – Enigma segurou seu ombro, e o puxou para perto, abraçando o rapaz. As lágrimas dos olhos de Foton eram amarguradas. Suas costas foram muito apertadas. – Nada vai acontecer com você, juro.

    I

    Grison assistia seus dois aprendizes. Hambo estava ao seu lado, como sempre, fazendo companhia com suas canecas e barril de cerveja. Eles bebiam sem parar, mas a estranha fala de Foton o deixou desconfortável.

    Temer a morte é normal, não era motivo de vergonha, mas se apegar a isso era o problema.

    – Seus aprendizes acharam a entrada bem rápido, Mestre Grison – Piey se aproximou lateralmente. – Que tipo de treinamento vem dado aqueles pequenos?

    – Eles são livres para escolher o que querem estudar, mas costumo indicar livros diferentes para que possam lincar algumas pontas soltas. – O encarou de onde estava. – Fiquei surpreso que os aprendizes Arcanos estão praticando com a gente.

    Hambo interviu erguendo a caneca.

    – Isso mesmo, Mestre Piey. Como conseguiu convencer os irritadinhos a deixar eles continuarem?

    – Não fui eu quem fez isso. – Piey mostrou um sorriso. – Os Aprendizes queriam treinar porque viram que os Adesir são muito além de insultos e xingamentos. Parece que vocês acordaram algo neles.

    – Contanto que não atrapalhem. – Hambo bebeu o restante da cerveja da caneca e enfiou no barril. – Se os Arcanos souberem que eles estão praticando sozinhos, vão começar a gritar como sempre.

    – Fiz questão de falar que eu havia selecionado eles para algo mais pessoal. Não queria que a briga entre vocês se alastrassem mais.

    Calmamente, Grison respondeu:

    – Não temos conflitos contra eles, é o contrário.

    – Então, Mestre Hambo nunca chamou os Arcanos de ratos covardes imundos e sem mãe? – Piey questionou com divertimento no rosto. – Se eu estiver errado, perdoe minha imprudência.

    A gargalhada de Hambo era melhor do que uma resposta direta.

    – Eu nem lembrava mais disso, Piey. Isso foi quando eles começaram a criticar nossas viagens para as ilhas nortenhas, onde eles possuem bases mais sólidas. Acharam que estávamos fugindo das nossas responsabilidades.

    – E um Absolver de Terceiro Domínio estava se escondendo bem debaixo do nariz deles – Grison completou. – Só de ver a criatura, eles fugiram com o rabo entre as pernas.

    Piey também era um Arcano, mas estava afastado dos deveres por tanto tempo que o título era a única coisa que restou da ordem. Grison e Hambo o conheciam por quase a vida toda, e duvidavam que o velho homem se ofendia por comentários tão pequenos.

    – Foi uma época complicada – Piey concordou. – A base de Iata quase foi destruída, foi sorte deles que vocês dois estavam lá.

    Hambo acenou com a caneca.

    – Só fizemos o que nascemos para fazer.

    Grison encarou seus dois aprendizes conversando. Enigma e Foton nasceram para fazer isso? Para lutar contra criaturas demoníacas com capacidades completamente fora do padrão da realidade? Um deles, sim. O outro, sua capacidade ainda estava longe de ser usada para um combate.

    – Mestre Piey, deixe-me perguntar algo. – Grison se levantou e o puxou com cautela para o lado. – Há algo que quero perguntar.

    – Diga.

    – Lembro que um dia, muito tempo atrás, você me contou sobre um Adesir antes de Hambo ou de mim, um homem que não lutava contra os Absolver.

    – Ah, claro. O Inútil. O que tem ele?

    – Explique, mestre. O que realmente ele fazia a não ser combater os Absolver?

    – Ah, essa é uma história que não deveria ser contada com tanta facilidade. O Inútil era um grande homem, mesmo que as histórias sejam completamente questionadoras.

    As histórias que o Arcano Piey carregavam por muitas das vezes sanaram dúvidas e colocaram homens de volta nos eixos. O Inútil, como muito tempo atrás, era uma das poucas pessoas que nunca duelou contra um Absolver.

    Grison ouvira sobre eles algumas poucas vezes, mas nunca se interessara.

    – Por favor, é importante para mim.

    – Se você o diz. – Ele tocou o braço de Grison o levando para mais longe dos outros Mestres Adesir. Se sentaram em um outro banco. – O Inútil era um Absolver, mas não era um. É complicado, eu sei, mas a história se revela com mais pontas do que podemos imaginar.

    – Tempo é o que mais tenho.

    II

    Enigma estava atrás de Foton, assistindo. A Aranha Kimet, com garras grandes e uma dezena de olhos, bloqueava a passagem de pedra, sendo larga o suficiente para que ficasse presa com sua bunda em uma das portas.

    – Respire fundo e entenda o que está fazendo – Haivor disse lentamente. – Aranhas são reativos. São capazes de atirar de longa e curta distância. O ponto fraco delas é o fogo.

    – Não tenho fogo aqui – Foton devolveu, nervoso. – O que faço?

    – Use Comandos básicos.

    O rapaz se atrapalhou um pouco ao juntar as mãos, e criou uma pequena chama branca. Haivor ainda não acreditava que a confiança que tinha visto em Foton quando o encontrou a primeira vez era somente uma fachada para o medo constante.

    Era como se uma máscara caísse e sua face verdadeira estivesse sempre chorosa e medrosa. As pessoas eram realmente estranhas.

    – Pense em como atacar e se defender usando as chamas – Haivor continuou. – Olhe ao redor, as pedras estão todas úmidas e ela está presa. Foque sua mana para liberar a chamar, como uma rajada de luz.

    – Isso é possível? – Foton olhou por cima do ombro. – É assim que você usa os comandos?

    – Preste atenção a sua frente. – Haivor apontou. – Ela não vai te dar uma chance para atacar uma segunda vez. Assim é com muitos inimigos, dê uma chance, e ele vai acabar com você. Se concentre.

    Assentindo, Foton concentrou-se na chama branca em sua posse. Aos poucos, o fogo aumentou quase do tamanho de uma cabeça humana. E então, ele a direcionou para frente.

    – Isso, agora, use ‘Vaporizar’.

    – Isso é um comando?

    – Foton – Haivor o repreendeu novamente. – Foque no golpe. Ataque, agora.

    As chamas ganharam força e brilharam mais intensamente do que antes. Ela se alastrou pelo corredor, vaporizando a água escorrendo pelas paredes e acertando o peito da aranha. O grito da criatura ecoou e Foton recuou a magia.

    Haivor se aproximou rapidamente e esticou a mão. A aranha se jogou para cima deles com uma garra, por cima. Antes de cair, ‘Deflexão’ foi usada pelo Adesir.

    A garra bateu contra um escudo invisível e recuou contra o teto, violentamente. Foton recuou sendo puxado por Haivor. As pedras tombaram do teto, mas a criatura ainda estava viva, com chamas brancas espalhadas por várias partes do seu corpo. Algumas de suas patas afiadas estavam no chão, mas ela se mantinha de pé com apenas quatro delas.

    – Eu disse para não dar chance a ela. – Haivor tomou a dianteira. – Se o ataque físico não deu certo, espere pelas teias.

    A barriga da aranha inchou ainda mais, travando seu corpo ainda mais a parede. Sua boca se abriu e uma linha grossa, do tamanho de uma liga de ferro, foi enviada. Haivor ergueu sua palma.

    – ‘Quebra’.

    O fio entrou em na zona de contato do comando. Ele começou a se partir em partes menores, como se fossem todos pequenos tecidos jogados ao vento. A aranha permaneceu lançando por cinco segundos, e a quebra permaneceu.

    Haivor olhou para Foton que encarava os fios do chão com curiosidade.

    – Seu foco realmente não é a luta. – Haivor relaxou os ombros. – Vamos acabar com isso logo.

    Foton o encarou ainda abaixado, com receio.

    – O que quer dizer?

    O Adesir usou ‘Molde’ nos fios, transformando seus tecidos em ferro. Depois, com um brandir de seus dedos, eles se juntaram em uma lança robusta e nada ornamentada. O dedo de Haivor mirou na aranha, a lança voou e atravessou o peito dela facilmente.

    O sangue espirrou pela parede e chão. O corpo da Aranha e sumiu em uma fumaça escura. O que restou da criatura foi somente um zumbido de sua aparição. Haivor levantou Foton e nem mesmo o encarou ao começarem a andar.

    – Desculpe – Foton disse.

    O tom de vergonha era claro em sua voz, Haivor permaneceu andando.

    – Pelo quê?

    – Eu não consegui derrotar a aranha.

    – Sua cabeça ainda está perdido em outras coisas. – Viraram uma esquina, onde duas portas de ferro se mostraram. Duas escadarias diferentes, ambas completamente iguais. – Sua mente não é dividida em duas partes, então, é comum que você esteja mirando somente para um lado e se concentrando.

    – Quero ajudar o mestre e ser um bom Adesir, mas não tenho agilidade, não sei muitos feitiços para combate. – Ele parou de andar e obrigou Haivor a fazer o mesmo. – Não quero ser um peso morto. Quando sai da minha ilha, eu queria ser mais do que sou hoje, mas…

    Haivor percebeu o braço dele, trêmulo.

    – Você tem medo, eu sei disso. Mas, para superar seus medos, vai precisar mais do que vontade.

    – Não quero matar criaturas. – Foton falou alto. – Posso não saber o que quero agora, mas sei muito bem o que não quero me tornar. Minhas mãos cheias de sangue, olhos sem vida e corpos espalhados. Não quero isso.

    – Por que nunca disse ao mestre Grison?

    Haivor claramente tinha uma boa amizade com Grison. Foco, por ser muito mais novo, não parecia nem mesmo animado com a pergunta.

    – Ele não me ouviria. Eu não tenho coragem de falar na cara dele que não quero matar as pessoas. Não quero dizer que ele errou em me escolher. – Foton balançou a cabeça várias vezes. – Não quero voltar a minha antiga vida, Enigma.

    – Você não quer muitas coisas. – Haivor apontou para a escadaria a esquerda. – Essa vai nos levar até o topo. Vamos.

    Subiram as escadas em silêncio. O único som que ecoava eram os urros de criaturas e o som de pingos em pequenas poças de água. No meio do caminho, Foton criou uma chama branca e espalhou ao redor, iluminando melhor.

    Chegaram até lá em cima sem problemas.

    – A Flor de Lótus não vai ficar desprotegida – Haivor avisou. – Deverá haver alguma criatura aqui em cima que esteja fazendo a ronda ou protegendo ela. É uma simulação de ataque. Vou suspender quem estiver lá e você irá pegar a Flor.

    – Entendido.

    Era a primeira palavra de Foton que Haivor sentiu confiança.

    Eles atravessaram o portal. O pátio cimentado era circular, com pilastras no centro de círculos amarelados desenhados no chão. O teto era alto, aberto com uma luz recaindo sobre uma capsula de vidro.

    A Flor de Lótus estava no centro, brilhando.

    – Ela está ali. Foton, fique aqui.

    Haivor deu um passo dentro do grande círculo que envolvia cada uma das pilastras e da Flor. Uma fumaça surgiu no ar, negra e sombria, ondulando e vibrando. O Adesir parou.

    – O que é isso, Enigma?

    – Fique ai. – Haivor deu mais um passo e parou. A fumaça vibrou com mais intensidade do que antes. – É uma Transmutadora.

    Haivor, Haivor.

    Uma voz masculina, sofrendo, gritou ao redor. Foton tampou os ouvidos com o berro.

    – O que é isso?

    – Fique onde está – Haivor alertou mais sério do que antes. – Se você entrar, vamos ter problemas. Transmutadores gostam de assumir a forma dos pesadelos do que estão sob seu domínio.

    Haivor, por que me deixou morrer?

    Era a voz de Cross, ecoando para qualquer um ouvir.

    Por que me deixou morrer para ela? Por que não me salvou? Por que me deixou lá?

    – Eu não deixei que morresse. – Caminhou na direção da fumaça. – Eu estava querendo salvar o pai de sua noiva. Você lutou como um guerreiro, como um combatente dos deuses.

    Mas, eu morri, Haivor. A culpa é sua, não é? Você me matou.

    Haivor parou e enfiou a mão na fumaça, segurando o único material sólido existente, a Pedra da Alma. Puxou-a para fora, e quebrou num aperto. A fumaça começou a se desfazer lentamente.

    – Naquele dia, não só você quem morreu.

    Os fragmentos da Pedra da Alma estavam em seus pés, mas a voz de seu irmão continuava soando em seus ouvidos.

    Cross tinha tido uma morte brutal e honrosa, na mesma medida. Ele morreu sorrindo, protegendo aquilo que considerava importante. Talvez, a Transmutadora fizesse mais efeito em alguém que não tinha as lembranças socadas em uma parte do seu cérebro.

    Ouvir a voz de seu irmão novamente tinha sido reconfortante.

    – Quem é Haivor? – Foton perguntou ao chegar mais perto. – Os círculos amarelos sumiram também.

    – Ele não era ninguém. Morreu faz algum tempo junto com o meu irmão. A Flor. Pegue.

    Foton nada mais disse e foi direto a capsula. Abriu-a com delicadeza e a puxou de dentro. Em suas mãos, ela parou de brilhar. Ele procurou a ajuda de Haivor que simplesmente cruzou seus braços esperando.

    – E agora? – perguntou o rapaz. – Pegamos.

    Um portal se abriu atrás de Foton. Os dois se viraram e entraram. Do outro lado, o salão onde os Mestres Adesir e Piey esperavam. Ninguém além deles dois esperavam de pé, os outros simplesmente estavam ainda focados em ver seus aprendizes.

    – Pensei que o treinamento iria terminar assim que pegássemos a Flor – Foton disse para Mestre Grison que se aproximou. – Por que ninguém voltou com a gente?

    – Esse é um módulo de treinamento diferente – Grison respondeu. – Os aprendizes deverão enfrentar as criaturas pelo caminho que escolherem, no final tendo que enfrentar um dos seus piores medos.

    Foton procurou Enigma que estava enchendo o copo nos barris de cerveja.

    – Mestre, quem é Haivor? – sua pergunta foi baixa. – A fumaça chamou Enigma desse nome várias vezes. Alguém morreu e era culpa dele.

    – O medo é uma arma ou um escudo. – Grison pegou a planta das mãos de Foton. – As vezes, é um recomeço. Ele escolheu recomeçar. E você, Foton? Seu medo de matar te fortalece ou te expõe? Pense nisso.

    Haivor sentou-se em uma dos bancos, tomando a cerveja, descansando. Deu a primeira golada e depois a segunda. Na terceira, ao erguer a cabeça, viu o Arcano Piey adiante, o olhando.

    – Posso ajudar?

    – Ah, pequeno, claro que pode. – Piey tinha um copo na mão que encheu no barril. – Posso saber como te chamam?

    – Enigma. – Ele chegou para o lado e o velho Arcano se sentou. – Acho que sabe disso.

    – Claro que sei. Seu nome estava no jornal, e meus contatos disseram que foi você quem duelou contra o Mago Kralus na ilha. – A caneca foi erguida em tom cordial. – Um brinde as suas conquistas recentes.

    Haivor achou estranhou, mas brindou com o homem de qualquer maneira. Bebeu novamente, pondo as costas eretas e encarando o teto.

    – Esses treinos são sem graças, não é?

    Haivor olhou para Piey, bebia a cerveja rapidamente e encheu-a novamente.

    – Esses treinos para aprendizes são somente para consolidar a força e o conhecimento adquirido. Grison acha que eles não servem para você. E eu concordo com isso.

    – Confio nas palavras de vocês, mestres.

    – Fico feliz em ouvir isso. Enigma, eu tenho um pedido a fazer para você.

    O tom do velho Arcano podia se calmo e gentil, dentro dessa calmaria, uma pequena centelha de seriedade podia ser ouvida.

    – Preciso fazer isso agora, mestre?

    – Não, claro que não. Conversei com Grison sobre seu aprendizado, e decidimos chegar em um consenso.

    Interessado, Haivor abaixou a caneca na mesa.

    – E qual seria?

    – Você é velho demais para ser um Aprendiz de Adesir. Na verdade, é o único acima de vinte e cinco anos, o que é quase impossível de acontecer. Muitos Arcanos foram contra sua estadia por causa daquele problema da explosão.

    Era o esperado. Explodir todo mundo não foi uma de suas melhores ações.

    – E decidiram que irão me banir?

    – Óbvio que não, Enigma – Piey riu. – Mas, iremos trocar seu mentor. Creio que aqui na Torre, estaremos desperdiçando seus talentos. Os frutos de suas ações em apenas três meses como aprendizes foram muito além do que qualquer outro registrado.

    – Trocar de mentor?

    – Sim. Veja esses homens. – Seu braço decorreu pelo salão. – Me incluo nisso, mas somos todos limitados. Nossos livros, papiros, conhecimentos, tudo é limitado a nossa mente. Aqui, você estará amarrado das cabeças aos pés.

    – Não entendo, mestre. – Haivor não gostava de deixar para trás seu mestre ou o próprio Foton. – Mestre Grison disse que não sou mais útil a ele?

    – Grison agradece por ter te conhecido, mas pensamos iguais. Aqui, você estará preso demais. Queremos que você vá atrás do que realmente interessa. – Piey enfiou a mão do bolso e tirou uma pedra negra, do tamanho de sua palma. – Você trabalhará diretamente para si.

    Haivor pegou a pedra.

    – Ainda não entendi, mestre.

    Grison se aproximou pelas costas dele.

    – É simples. Um Adesir possuí uma responsabilidade simples, de expurgar criaturas malignas do mundo. Você começará a fazer isso. Muitas pessoas estão começando a alavancar uma quantidade incrível de Pedidos no Grande Continente que excede nossas mãos de obras. Os Mestres estão ocupados com os aprendizes e os Arcanos não possuem arsenal suficiente para lidar com eles. Precisamos de alguém que faça alguns trabalhos para nós.

    – Se precisam de mim, farei o possível para ajudar – Haivor respondeu, seguro. Ele se levantou, ficando de frente para Mestre Grison. – Estou pronto para partir a qualquer momento.

    – Ainda é cedo – Piey disse pelas suas costas. – Amanhã iremos começar os documentos. Descanse, Enigma, você vai precisar de todas as forças possíveis.

    Com um aceno leve, Piey se despediu partindo. Haivor esperou que o velho Arcano se fosse para, então, perguntar a seu mestre:

    – E Foton, o que vai acontecer com ele?

    – Isso te preocupa? Permanecerá comigo para continuar seus estudos. Preciso tanto dele quanto de você. – De costas, fez trajeto para fora do salão, com Enigma ao seu lado. – Foton ainda possuí pouca coragem em suas ações, mas entende o que deve ser feito.

    – Fiquei com medo de que depois de hoje, poderia excluir ele.

    Grison ficou surpreso.

    – Por que achou isso? Conheço aquele rapaz melhor do que qualquer um. Sei muito bem que ele tem falhas que devem ser corrigidas, mas são dessas falhas que os melhores Adesir são forjados. Você domina o seu medo ou ele domina você.

    Haivor assentiu. A voz fresca de Cross em sua mente era claramente reconfortante porque ele dominava a culpa que o atormentava. Se fosse o contrário, talvez nem mesmo estaria ali ao lado de Grison.

    Sua habilidade de ler tudo era sublime, mas para manter a mente saudável, lia a si mesmo mais do que qualquer outra coisa ou livros. Era a consequência para manter-se instável. Para que não entrasse em desespero.

    Partir para ajudar os outros, em lugares diferentes do continente, o ajudaria. Estava apenas três meses como um aprendiz, mas já poderia ser considerado melhor do que aqueles que permaneciam lá por quase dois a três anos.

    Não era arrogância, era uma necessidade.

    Algumas pessoas nasciam diferentes, Haivor acreditava que era uma dessas.

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