Estava preparando alguns livros e antídotos quando Foton apareceu na porta de seu quarto. O rapaz suava bastante e segurava o portal de madeira, ofegante. Lançou um olhar tristonho logo de cara.

    – Está indo embora mesmo? – Parecia não acreditar na própria pergunta. – Por que está indo? Os Arcanos disseram que você está sendo banido e nunca mais vai voltar. É verdade?

    Haivor o olhou por cima dos ombros, suspirou e continuou a guardar alguns punhados de terras diferentes em pequenos frascos de vidro.

    – Eles falam muito. Mais do que deveriam. Você sabe que Mestre Grison não ia me banir.

    – Então, por que? – Foton adentrou o quarto. – Por que ele quer te mandar para o Grande Continente?

    – Três meses são suficientes para mim, Foton. – Haivor ficou ereto e virou-se para o rapaz, usava os dedos para coçar a palma. – Tem muitas pessoas para se ajudar no Grande Continente. Os Mestres precisam ficar e treinar os aprendizes. Fui escolhido para ir até lá.

    – Mas – Foton abriu a boca, tentando achar uma justificativa. – E se precisarmos de você?

    – Se isso acontecer, vou voltar para salvar sua bunda, como sempre. Aqui. – Um dos frascos, com uma pequena pétala branca, brilhava em tom amarelado. – Isso é pequena pétala de Orquidiana Branca.

    Foton a segurou com delicadeza, admirando-a.

    – E o que ela faz?

    – Vai te ajudar com os experimentos futuros. – Haivor pegou o resto dos frascos e levou para dentro de seu anel. – E deixei um livro de anotações com mestre Grison para a magia de cura que você tem estudado. É suficiente para lembrar de mim enquanto eu estiver fora.

    Aquela face amargurada, Foton era parecido com Cross quando estava entristecido. Haivor não sabia se via seu irmão novamente por conta da aparição de sua voz no teste há dois dias ou se era somente um resultado de ver Foton como uma irmão mais novo.

    Tendo sido o caçula por tantos anos, ser o irmão mais velho que assegurava e protegia, isso era tão diferente. Era um misto de ser protetor e responsável com aquela pitada de severidade, para que Foton jamais fugisse do problema.

    Ele deu um passo e abraçou Foton com força. Era somente um rapaz ainda.

    – Vou ficar bem. Quando eu voltar, quero que a magia de cura tenha sido desenvolvida. Entendeu?

    Foton respondeu o abraço.

    – Entendi.

    Haivor se desvincilhou dele e deu um sorriso. Foton não conseguiu responder da mesma forma, tendo sido mais forçado e torto.

    – Está na hora de eu ir – disse Haivor. – Vai me acompanhar até o Quadro?

    – Claro.

    Os dois saíram do quarto. O Quadro era do outro lado da Torre. Eles passaram por vários Arcanos e uns dois Adesir. Nenhum deles deu atenção para os dois aprendizes, mas Haivor conhecia bem o lugar para entender que a informação de sua saída como aprendiz seria encapsulada entre as pessoas mais importantes.

    Apenas os Mestres Arcanos souberam de sua saída repentina, e claramente pareciam vibrantes por dentro. Dias demais na Torre Mágica deram a Haivor a tonalidade que aquele grupo em especifico era repleto de viboras que gostavam de atormentar os demais que não seguiam suas condutas.

    Ignorar era apenas uma das respostas a eles.

    Quando chegaram ao Quadro, o lugar que sempre estivera cheio de vozes e discussões estava envolto de silêncio. Cadeiras em cima das mesas, o bar fechado, apenas Grison e Piey presente, diante do quadro com inúmeros pôsteres.

    – Mestre – disse Haivor, chamando a atenção de ambos. – Estou aqui.

    Piey sorriu ao vê-lo. Vestia uma roupa diferente do habitual, um gibão comprido e um colar de ferro puro ao redor do pescoço, que tintilou ao girar o corpo idoso.

    – Mesmo sendo um aprendiz, ele se apresenta como um verdadeiro Adesir.

    Grison nada respondeu, mantendo os braços cruzados. Firme no olhar.

    – Venha até aqui. – Piey passou o braço atrás do pescoço de Haivor e segurou seu ombro do outro lado. – Mesmo tendo decidindo de antemão onde começaria com os pedidos, há tantos aqui que chegamos em um conflito.

    O quadro realmente estava com muito mais pedidos do que a ultima vez que Haivor estava presente. Quase o triplo.

    – O que houve para que tantas pessoas começassem a pedir ajuda dessa forma?

    – Aumento de crimes e de aparições de criaturas distintas – respondeu Grison. – Os Adesir que se formaram recentemente estão sendo enviados para pontos próximos, mas não conte com a ajuda deles.

    – E o que vou ter que enfrentar?

    Piey puxou um dos papéis e entregou nas mãos dele.

    – Na Estrada de Ferro, perto da Baía do Foss, existe um vilarejo que está em acordo com as leis vigentes do feudo Luzin. Nesse lugar, existe um homem que é chamado de Construtor, é um ferreiro e marceneiro, que é um antigo amigo nosso.

    – Não usamos armas, Mestre Piey – Haivor interpôs, cauteloso. – Por que ele é importante?

    – O rei Luzin não é muito amigo nosso, e parece que tiveram cerca de três assaltos constantes a oficinas ao longo da estrada. Parece que alguém realmente está atrás de ferreiros, então, você terá apenas a missão de assegurar a oficina enquanto alguns amigos nossos cheguem.

    – Entendido.

    – Parece ser uma missão banal, mas Krill é um importante recurso, Enigma – Grison alertou, seriamente. – Perdê-lo para Luzin seria diminuir ainda mais nossas alianças no Grande Continente. Temos que manter nossa reputação para que o equilíbrio não desande.

    Haivor entendia isso.

    – O Vilarejo Imperial – Foton lera o pôster. – Parece um lugar importante.

    Piey concordou.

    – Não só parece como é. Lá era a antiga morada do Imperador. Quando o verão chegava, ele costumava deixar seu filho no trono aprendendo e ficava um mês de férias. Assim que a primavera aparecia, ele retornava.

    Haivor só manteve-se em silêncio. Não era um pedido muito perigoso. Esteve se preparando mentalmente para um desafio acima da média, mas cuidar de uma pessoa não era tão desgastante. Relaxou sem ao menos perceber.

    – Partirei assim que acharem necessário – disse. – O que devo levar para esse Krill saber que sou um aliado?

    – Apenas diga que eu o enviei – Piey manteve uma pompa, mas gostou de apontar para o próprio peito. – Tenho um pouco de renome entre os velhos, então, ele irá aceitá-lo imediatamente. Assim espero.

    Depois, Haivor virou-se para Grison e Foton.

    – Não quero me despedir – ele disse, mantendo a indiferença. – Quero agradecer pelas aulas e os livros, pelos treinos e meu desenvolvimento. Eu não estaria aqui se não fossem os dois.

    – Só está indo até o Grande Continente – Grison mostrou seu sorriso de lado, o que era surpreendente. – Não se esqueça que o básico pode salvar sua vida. Não invente nada que não possa fazer, e conclua a missão.

    – Ela é minha prioridade. Eu sei.

    O Mestre Adesir mostrou respeito ao inclinar a cabeça um pouco. Foton fez o mesmo movimento. Era o sinal mútuo de respeito e irmandade entre os membros da Torre. Estavam aceitando Haivor como um igual.

    Haivor pegou a pedra escura do bolso e apertou. Antes de parti-la em fragmentos, não deixou de olhar para Foton, que ainda permanecia entristecido por sua partida.

    – Lembre-se do que me prometeu, Foton. Não me decepcione.

    – Quando retornar, serei um Adesir. – Foi a primeira palavra firme que falou no dia.

    Haivor assegurou com destreza. E apertou a pedra. Os fragmentos se espalharam ao redor de seu corpo e ele começou a desaparecer, sendo sugado por um pequeno portal e jogado para outro ponto no espaço.

    De olhos fechados, nada parecia ter mudado. O ar parecia comum, o silêncio preenchia o espaço, o cheiro era de madeira e bebida. E então, tudo se transformou. As discussões, os xingamentos e risadas, o cheiro da natureza e a brisa suave.

    Abrindo os olhos, não estava mais no meio dos mestres ou da Torre. Atrás dele estava o Pilar Gravitacional, a estrutura que possibilitava o transporte de pessoas, e ao seu redor, incontáveis pessoas com mantos diferentes, sendo todos Arcanos.

    O símbolo de corvos indicava que eram todos Arcanos, mas alguns, com pequenos símbolos nas mangas, eram aprendizes. Não eram diferentes dos que estavam na Torre Mágica, mas suas faces eram mais firmes, mais experientes.

    Os tetos da casas de madeira, fossem moradas ou lojas, eram triangulares. As tendas montadas eram comandadas por homens e mulheres, de roupas simples, mas vendendo seus produtos criados com esforço e suor.

    Sendo um vilarejo, Haivor esperava algo mais simples; casas mais afastadas, com pequenas construções de pedra ao redor, algumas pessoas transitando pelas ruas. Porém, a verdade era que o Vilarejo Imperial era quase tão movimentada quanto uma cidade capital.

    – Ei, ei. Não está me vendo aqui?

    Girando, Haivor observou o homem baixo, quase um anão, segurando um martelo, com um grossa casca na frente do peito, com um mecanismo de vidro no olho direito. Aparentemente, ele tinha sido empurrado por um dos Arcanos.

    – Eu deveria pedir desculpas, pequeno homem? – A voz do rapaz ao lado do Arcano era sustentada por um desgosto profundo. – Talvez, se crescesse mais, meu mestre não esbarraria em você. Continue andando.

    – Fedelho repugnante. – A mão do velho pressionou o cabo do martelo com mais força. – Vocês Arcanos são tudo da mesma laia.

    O homem proclamado Arcano simplesmente desviou o olhar e continuou seguindo seu caminho. O velho começou a caminhar para longe, mas o rapaz ficou, com aquele sorriso no rosto, um sorriso maquiavélico.

    – Para onde acha que está indo, velho?

    Haivor deu um passo na direção dos dois. A mana liberada ao redor de seu corpo foi suficiente para que o aprendiz e o próprio Arcano o encarassem. Haivor parou quando chegou ao lado do velho homem.

    – Senhor Krill?

    O velho quase não conseguiu responder, mas manteve um olhar sustentado.

    – Sou eu.

    – Vim pelo seu pedido. – Haivor fitou o aprendiz com seriedade. – Se isso for um problema para o senhor, posso providenciar que seja resolvido.

    Krill abanou a mão, não ligando.

    – Deixe isso para lá. Eu estive esperando por você. Mestre Piey comentou que enviaria alguém. Agora que te encontrei, podemos voltar para minha casa. – Ele pegou Haivor pelo braço, o puxando. – Não ligue para esses fedelhos. Eles perderam total credência comigo faz algum tempo.

    Haivor ainda permaneceu encarando o aprendiz, mas não era indiferente. Sua raiva estava realmente ascendida, como uma fera pronta para dilacerar sua presa em pedaços. Estando no Grande Continente uma vez anteriormente, entendia bem o conceito de que as pessoas não eram tão humildes e respeitosas como nas ilhotas. Precisavam ser encaradas como se fossem inimigos, e transformar criaturas indiferentes em supostos adversários era uma das características que Mestre Grison havia ensinado a ele.

    – Se o senhor realmente acha isso. – Ele redirecionou-se para o homem. – Por favor, mostre o caminho.

    Os dois começaram a se afastar. O aprendiz suava frio depois daquele estranho encontro. Seu mestre, retornando, tocou seu ombro com delicadeza.

    – Vamos. Temos outros assuntos para resolver aqui.

    II

    – Você fez bem – Krill falou abertamente ao dar um moeda de prata para o vendedor de legumes. – Piey disse que enviaria alguém com peito para me ajudar, e vejo que você está perto disso. Mas… – seu olhar foi da cabeça aos pés de Haivor – você é novo demais para o que pedi.

    – Tenho certeza que posso atender as suas expectativas – respondeu Haivor pegando a sacola recém adquirida e continuando o caminho com o velho. – Proteger sua oficina e ao senhor é minha prioridade.

    – Mesmo sendo sua prioridade, não caia na tentação de sair por ai ofendendo os Arcanos. – Krill era tão baixo que as pessoas realmente olhavam para baixo ao passar ao lado dele. Os vendedores se inclinavam para frente, com sorrisos e risadas escondidas. – Metade das pessoas aqui tem o poder de mandar matar um homem, não quero ser alvo de todos eles.

    – Vou gravar isso.

    – E grave bem – soou severo – não quero que ser morto a noite.

    Entraram em uma casa de madeira, mais afastado da praça. Krill foi recebido de cara por outro homem, que saiu de trás do balcão. Os dois braços abertos e um barbicha mal feita, quase parecia um cavalo se imaginasse bem.

    – Mestre Krill – soou amigavelmente. Os dois se cumprimentaram com apertos de mão. – É sua segunda vinda aqui essa semana. O que posso fazer pelo senhor?

    – O de sempre, Rob.

    O atendente soou com expectativa e saiu para dentro de um outro cômodo.

    – Esse cara sempre diz a mesma coisa quando venho aqui – Krill sussurrou. – Fiz essa casa para ele há cinco anos. Agora cobro ele em materiais pelo resto da minha vida. Como pode ver, estou quase no final dela.

    – O sorriso dele aumenta sempre que você aparece.

    A risada baixa de Krill fez Rob, saindo do quarto, questionar:

    – Qual a piada, senhores? – seu tom amigável camuflava a curiosidade. – Algo que gostariam de compartilhar com esse vendedor?

    – Apenas que estou chegando próximo da outra vida. – Krill pegou a sacola, dessa vez bem maior, com grandes lingotes de ferro, lisos e sem uma marca de choque. – Estão em ótimo estado. Era só isso, Rob.

    – O quanto precisar, mestre Krill.

    Com um aceno, o velho saiu da casa de uma só vez. Haivor o seguiu pelas costas. Na rua, novamente, tomaram caminho sempre para mais longe do centro do vilarejo. As pessoas que andavam mais para os subúrbios eram escassas e suas roupas mais humildes, mais bagunçadas e sujas.

    Krill cumprimentou algumas delas quando passou, mas não parou para conversar com nenhuma delas. Haivor estava acostumado com homens influentes, Krill parecia ser, só não era tão amigável ou empático quanto a maioria.

    Tendo virado mais uma vez na rua, chegaram a uma residência larga, mais parecendo ser três casas ligadas do que uma só. Feita de madeira, o espaço entre uma para outra era quase nula, sendo ligada por uma pequena ponte de pedra coberta.

    Era diferente de qualquer outra casa que Haivor tinha visto. Na ilha, os telhados eram de palha e as paredes eram fracas. Aquelas ali eram firmes, dava para saber só de bater o olho. Não pareciam vibrar com o vento e o solo era plano, roçado com uma grama muito rala envolto.

    Pela passarela de pedra até a varanda, Haivor continuou admirando a casa. Na varanda, suspendeu seus pensamentos para o Ferreiro tirando os sapatos.

    – Tire essas botas. – Krill jogou os seus sapatos para o lado, e entrou descalço. – Não quero sujar o chão com a bosta de cavalo da cidade.

    Desprendeu os cadarços e a única fivela da bota, tirou a meia grossa e pôs dentro do calçado. Entrou logo em seguida, buscando Krill no que parecia ser uma sala. Era uma sala de quase dez metros quadrados, sem absolutamente nada. Somente o chão e as paredes, com duas entradas para as outras partes da casa.

    – Aqui – a voz o chamou pela frente. – Gosta de chá ou café? Ou você tem gosto por aquela cerveja medíocre da Torre Mágica? Que horror de gosto.

    Na porta para a cozinha, viu Krill ao lado de dois grandes barris.

    – Gosto de café e cerveja.

    – Tem um gosto porco igual o meu. – O velho entregou uma caneca de cerveja passando por ele. – Vou logo avisando, como pode ver, não tenho nada que me prenda a esse mundo. Essa casa é pequena demais e quero que continue assim.

    Eles pararam no meio da sala. Krill se sentou e Haivor o seguiu.

    – Na minha casa tem uma regra bem rígida, senhor…

    – Sou Enigma. É o nome que me dei quando virei um aprendiz.

    – Um Adesir? – sua cara não mudou tanto, mas seu contentamento foi maior. – Pelo menos, não é um Arcano. Piey foi inteligente dessa vez. Voltando para a regra, nada de barulhos pela manhã. Quero que mantena o silêncio a qualquer custo. A tarde, eu trabalho. Você vai ficar junto comigo porque não quero gracinhas ou que alguém fique fazendo ronda. A noite, dormir.

    Haivor esperava mais.

    – É isso? E sobre as pessoas que estão destruindo oficinas? Alguém em especial que eu deveria ficar de olho? Alguma inimizade?

    – Enigma, não é? Entenda uma coisa. – Ele tocou o próprio peito. – Não tenho amigos. Nunca tive. As pessoas desse lugar gostam de mim porque eu faço um trabalho honesto por um preço que eles podem pagar, diferente da metade das oficinas. Se alguém quer que me matar, então, teria que ter muita coragem para bater de frente. Posso ser pequeno, mas meu martelo tira sangue da mesma forma que uma espada ou magia.

    Os músculos do braço de Krill não eram flácidos ou molengas, pareciam duas colinas moldadas pelo tempo, de porradas e golpes contra metais diferentes.

    – Imagine como se você fosse meu secretário – acrescentou Krill, com um sorriso irônico. – Pergunte quem está querendo falar comigo e anote. Enquanto isso, você pode ler ou fazer o que lá os Adesir fazem nas horas vagas.

    – Entendi. Se é só isso, não irei atrapalhar seu trabalho.

    – Ótimo. Já é quase tarde, começo a trabalhar daqui a uma hora. A senhorita Cristine, filha de um dos homens que ajudei recentemente, traz comida para mim todos os dias. Eu avisei que teria visita e que ela deveria fazer mais uma remessa.

    Haivor agradeceu.

    Depois disso, Krill mostrou as duas casas que podiam ser vistas de fora. Uma era a ferraria, onde mesas eram esticadas de um lugar para o outro, com pinos na parede suspendendo armas e cajados, com trabalhos incompletos, como uma espada sem fio e lâmina negra. Um bastão que ficava brilhando de tempos em tempos, e uma estranha manopla que ficava sumindo e aparecendo em lugares diferentes pela sala.

    – Aqui é onde meu trabalho ocorre e onde o barulho torna tudo leve. – Krill apresentou a fornalha. – Quente. Não chegue perto. – Mostrou o martelo, pás e carvão. – Meus. Não toque. – E as armas na parede, todas com um brilho reluzente, acabadas. – Minhas obras primas. Nem pense em tocar. Anotou tudo?

    – Perfeitamente.

    – Ótimo.

    A outra parte da casa era onde os quartos estavam divididos. Haviam três, sendo que Krill só abri a porta de um deles. Era bastante largo para ser para um convidado, com a cama arrumada e escrivaninha. Além de uma janela virada para o gramado.

    – Bem arejado e iluminado. Não reclame da minha hospedagem.

    – Agradeço por ela.

    Krill fez o caminho para a cozinha, mais uma vez. Ele pegou uma cadeira e passou para Haivor. Depois, sentaram, os dois em silêncio. O Ferreiro encarava a porta para o gramado, lambia o próprio lábio inferior, e focava tão rápido na paisagem que nem parecia lembrar que Haivor estava presente.

    Haivor ficou assim por quase dez minutos até que tirou um livro de seu anel e começou a ler. Passados mais vinte minutos, uma voz chamou fora da casa.

    – Senhor Krill. – Era doce, como uma brisa de verão. A mulher, se Haivor pudesse chamá-la assim, usava um avental marrom, com os cabelos presos e um nariz fino. – Eu trouxe a comida.

    – Cristine. – Krill tomou os dois pacotes da mão dela. A voz do ferreiro tinha mudado na hora. Era leve e bem mais educado. – Esse é Enigma, ele é um amigo de um amigo. Está me fazendo companhia até que as coisas se ajeitem.

    Haivor se levantou e esticou a mão. Cristine olhou para a mão dele e depois de um passo para trás, ficando ereta.

    – O senhor Krill é uma boa pessoa, senhor Enigma. Tome conta dele.

    – É só isso. – O ferreiro acenou. – Diga a seu pai que mandei um abraço.

    Cristine foi embora rapidamente segurando as duas mãos. Haivor esperou Kril pôs os pratos na mesa e separar a comida.

    – Não vai me falar o que foi isso?

    – Isso o quê? Você passando vergonha na minha frente? – Krill o encarou, debochando. – Um aperto de mão a uma gracinha daquelas? E eu achando que você era do tipo galanteador.

    Haivor se sentou, mais uma vez.

    – Como assim? É um aperto de mãos.

    – Apenas coma, certo? – Krill entregou um garfo. – E quieto. Gosto de saborear a comida.

    Os dois comeram. Batata, frango e arroz. Era uma comida diferente do que Haivor estava acostumado, mas era saborosa e nutritiva. Depois disso, Krill o obrigou a limpar o rosto com água e limpar os dentes.

    Eram hábitos que a Torre Mágica não adotava. Krill sentou-se no meio da sala cinco minutos antes do seu trabalho começar, e respirou profundamente. Aquele processo não demorou, e quando terminou, simplesmente agradeceu ao vazio e saiu andando para sua oficina.

    Lá dentro, deu uma cadeira para Enigma perto da porta de entrada e pôs seus óculos redondos e escuros que pressionavam os olhos. A fornalha foi acessa e um molde largo de uma placa foi posta para aquecer.

    Haivor cruzou as pernas, achando uma posição confortável na cadeira e pegou seu livro. Grison havia deixado os cinco livros de ‘Criaturas Místicas’ para que ele lesse no decorrer do Pedido. Conhecia bem as criaturas que os Adesir enfrentavam, mas muitas outras se escondiam a plena luz do dia, algumas capazes de mudar de sexo e aparência, que cuspiam fogo ou usavam seu sangue para demarcar uma presa.

    Não queria usar sua ‘Leitura’ para ler todos. Queria experimentar as palavras e como elas poderiam ser efetivas. Os Comandos ainda eram seu objetivo, e usá-las da maneira mais efetiva deveria ser o resultado final.

    E as criaturas místicas, espalhadas pelo Grande Continente, usavam Comandos parecidas, mas em Ligariano. Outro livro que Haivor trouxe consigo era Hantagoriano, uma língua usada por Elfos e Anões, dotada de quase quinhentos anos e sem uso no dia atual.

    Conhecer as palavras eram simplesmente um hobby que fazia parte do trabalho.

    Antes de ter começado a ler, dividiu sua mente em duas para que conseguisse perceber algum movimento ao redor enquanto lia. As marteladas em uma faixa de ferro e o calor da forja dificultavam um pouco sua estadia ali, mas era parte de seu trabalho se atentar a tudo.

    A chegada de um homem alto, com roupas robustas, um grande casaco escuro de linho. Uma barba aparada e um olhar sofisticado, como se qualquer coisa abaixo dele fosse simplesmente uma pedra. Haivor ergueu a mão, o fazendo parar.

    – Sou secretário do senhor Krill. Ele pergunta o que você quer. Depois, irei repassar e ele entra em contato.

    – Krill possuí outro secretário? – Riu com desgosto. – Você é velho pra ser um aprendiz de ferreiro, e suas roupas são de alguém da Torre. Arcano?

    Haivor suspirou pesadamente.

    – Vou repetir mais uma vez. Krill pediu para que eu gravasse seu recado. Ele está trabalhando agora. Se não…

    – Eu entendi, entendi. – O homem tirou de dentro do casaco um papel dobrado e entregou. – Diga que pense na proposta. Que temos muitos assistentes para trabalhar com eles e pessoas para protegê-lo.

    Haivor guardou o recado na parte de trás do livro.

    – Falarei com ele. Até a próxima.

    Com um puxão do casaco, deu as costas e se foi. Claramente, era alguém importante. Um nobre, talvez, alguém com um punhado de poder no Vilarejo. Haivor não tinha certeza de quem poderia ser, mas gravou sua fisionomia.

    Dez minutos depois, outro homem adentrou a casa. Esse era mais humilde, de roupas surradas e uma bandana ensanguentada na cabeça, tapando algum tipo de ferimento recente. Ele se aproximou, meio tímido, e abaixou a cabeça, temeroso.

    – Bom dia, senhor. Mestre Krill está?

    Os braços estavam feridos e os dedos inchados. A calça rasgada grudava na perna e o tom rubro realçava o tom esverdeado.

    – Está – Haivor respondeu sem perceber. – Ele pediu para que deixasse recado para mim. Está trabalhando em um projeto importante agora. Mas, o que aconteceu com seus dedos?

    Encarando a própria mão, o homem engoliu em seco, não sendo muito receptivo a pergunta.

    – Só um acidente. Nada demais. Por favor, passe isso ao senhor Krill.

    Outro papel dado a Haivor. Esse, o Adesir, não guardou.

    – Diga a ele que ficarei grato se ele resolver essa questão por mim.

    Indo embora, Haivor ignorou a privacidade e abriu a carta.

    – “Krill, minha casa desabou. Os homens de Crawl estão destruindo uma casa por dia. Por favor, converse com eles.”

    Com a parada das marteladas, Haivor enfiou o papel no final do livro. Krill apareceu com o óculos na testa, suando bastante. Usava somente o avental para cobrir a parte de cima do corpo, e calças de couro grossas para as debaixo.

    Ele limpou a testa, sentando na cadeira e enfiando uma caneca no barril de água antes tampado.

    – Quem veio?

    – Dois homens, deixaram papéis para você.

    Krill assentiu.

    – E o que disseram?

    – O primeiro era alto e parecia ser importante. Um olhar orgulhoso e cabelos cortado. Disse que era para você pensar na proposta e que teria muita ajuda trabalhando com ele.

    O ferreiro bebeu quase três canecas antes de esticar a mão. Haivor entregou o papel.

    – O nome desse é Crawl. – Krill devolveu a folha. – Pode queimar. O outro, quem era?

    – Era um homem surrado, parecia que tinha acabado de sair de um acidente. Disse que ficará grato se resolver isso para ele. – Entregou o outro papel dobrado. – Ele parecia com medo.

    – Todos tem medo de alguma coisa.

    Era incrível como Krill parecia com Grison quando o assunto era insensibilidade. Uma rocha falante, era o que parecia.

    – Dois problemas distintos. Você leu alguma dessas?

    – Só a segunda.

    Krill assentiu levantando da cadeira.

    – Leia todas elas. Queime e depois de me diga. Entendeu?

    – Perfeitamente. – Haivor acedeu ambas folhas e as vaporizou em cinzas na mesma hora. – Posso sabre mesmo do conteúdo de cada uma delas? Não seria violar a confiança deles em você?

    – Só se você trair a minha confiança. – Já com o martelo na mão, Krill o fitou de lado. – Tem alguma pretensão de fazer isso?

    Era um pouco amedrontador ver um homem baixo com um martelo. Haivor negou com a cabeça, de qualquer maneira, bem calmo.

    – Só queria ter certeza que posso ler as cartas.

    – Pode e deve.

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