Capítulo 30 - As Duas Presas
– Amanda, traga um copo para o cavalheiro aqui.
A garotinha se arrastava entre as grandes mesas e cadeiras. Trabalhava nas lojas dos pais e nunca reclamou uma só vez. Suas mãos pequenas só podiam segurar uma caneca de madeira por vez, e todos a conheciam.
Ela era a Pequena Amanda.
Com esforço, ela colocou o copo em cima de uma mesa onde homens estavam conversando baixo. Por descuido, um deles não viu a pequena garotinha e puxou a caneca junto com ela. Amanda ficou encarando os homens de robe escuros, todos em silêncio.
– Pode soltar, eu acho – o homem disse. – Eu já paguei pela bebida.
– Falta a palavra obrigado, senhor.
O homem riu e concordou.
– Obrigado, pequena. Pode ir agora?
– Agora, eu posso.
Ela soltou-se e saiu andando de volta para o balcão, antes de chegar no meio do caminho, outro pedido tinha sido enviado por sua mãe.
O grupo sentado possuía quatro membros, sendo o homem que tinham pego a bebida Moul Baial, um dos Mestres Arcanos presentes no Grande Continente.
– Essa cidade é mesmo bem pequena, e não tem nada além de boas bebidas. – Luiz, o Arcano de Terceiro Domínio, bebeu a caneca de uma só vez, limpando a boca com as costas da mão. – Falando sério, senhor, nos trazer aqui só pra uma Normadie. Isso é trabalho de um Adesir, não nosso.
– Silêncio – Giovanna rebateu. A mulher de longos cabelos vermelhos segurava sua varinha em mãos, girando a colher da caneca com magia. – Você sabe muito bem que estamos aqui. Se continuar falando dessa forma com Moul, eu mesmo chuto sua bunda pra fora desse bar.
Luiz desviou o olhar, irritado.
– Não é como se fossemos obrigados a vir. – Drash, o único Arcano de Quarto Domínio e braço direito de Moul, cruzava as pernas uma sobre a outra e esperava sua cerveja com paciência. – O rei nos contratou justamente porque precisamos das informações da Normadie.
– Aquele papo de que ela é apenas uma subordinada é real? – Giovanna reteve a magia e pegou a caneca no ar. – Dizem que ela é usuária de magia oculta.
– E que um dos Filhos de Kusha foi derrotado por ela.
– São boatos verdadeiros, e temos que ficar atentos. – Moul espreitou ao redor. – Mesmo sabendo que tem uma criatura dessas por aqui, a cidade inteira se reúne e comemora. Não consigo entender porquê.
O grupo inteiro concordou. Cada morador bebia, as crianças estavam correndo entre as mesas, até mesmo os velhos se embriagavam. A existência do medo os deixava mais confusos do que antes. A cidade era como um sol, iluminada do centro aos becos.
Qualquer um poderia se esgueirar entre eles.
– Ei, alguém viu a Amanda?
Moul encarou o homem parado no balcão. Ele procurava a pequena garota que rondava por ali, mas nenhum dos clientes acenou de volta.
– Quem é Amanda? – Moul devolveu alto.
– Minha filha. Ela estava aqui agora.
Moul olhou para os três e os Arcanos nem precisaram de outro sinal. Se levantaram e saíram rapidamente a procura. Ele permaneceu sentado, bebendo a cerveja calmamente.
De repente, um grito surgiu da rua. Um grito desesperado rodeado de dor.
O Arcano saiu do bar rapidamente e deu de cara com a criança nos braços de um homem, um que usava a roupa mais azulada, com uma faixa na cintura e cabelo preso. Estava na mesma faixa de idade que ele.
– Tudo bem, pequeninha? – o homem perguntou. Segurava Amanda em um braço e no outro segurava o pescoço do agressor. O rosto estava tapado por um pano, mas era claramente um sequestrador. – Olhe para mim, está bem?
Amanda o encarou, com os olhos cheio de lágrimas.
– Está tudo bem – a reconfortou. – Estou aqui. Não devia vir para cá essa hora. A praça está vazia.
– Eu… eu sei. Desculpe, senhor Mar.
O homem era chamado de Mar? Moul achou engraçado.
O dono do bar saiu, com a face quase caindo. Ele segurou a própria filha, a abraçando com imensa vontade. Acariciou seus cabelos e apertou suas bochechas.
– Senhor Kalik – o Mar disse com um aceno. – Ela está bem.
– Ah, você. Obrigado, obrigado. – Kalik o reverenciou várias vezes com intensidade. – Perdoe por causa confusão.
– Não se preocupe. – Mar levantou o homem pelo pescoço, que começou a engasgar sozinho. – Eu vi esse homem sozinho aqui e já estava esperando algo dele. Volte para sua casa, por favor.
Os outros Arcanos começaram a se aproximar, Moul os fez esperar.
– Obrigado, de novo.
– Amanda – Mar a chamou. – A esfera que te dei é pra ser usada quando estiver em perigo. Ela vai te proteger.
A pequena concordou com a cabeça, mais disposta do que antes. O choro já tinha sumido.
– Eu vou usar ela, senhor Mar.
Moul esperou que os dois fossem embora para ter sua chance de se aproximar. Ele ergueu a mão, como um sinal de amizade.
– Olá, estranho. Você é um Arcano também?
– Não. – Mar foi rígido. – Adesir da Casa Azuma.
– Azuma? – Moul lembrava de que algo aconteceu no Vilarejo Imperial fazia pouco tempo e uma nova Casa tinha sido formada para tomar conta. – Você é da mesma família que aquele homem chamado Gruu.
– Pode se dizer que sim. – Ele se abaixou e tocou a testa do homem, o deixando no chão em seguida. – E vocês devem ser os homens que Luzin contratou para acharem a Normadie.
– Isso. O meu grupo foi designado para cá faz poucos dias. Não esperava encontrá-lo aqui em tão pouco tempo.
Para que o Adesir tivesse a informação da Normadie e de que eles foram contratos, ele realmente deveria ser parente de Lorde Gruu Azuma.
– Como estamos caçando a mesma presa, devo dizer que a competição será acirrada – ele tentou sorrir, mas Mar não respondeu da mesma forma.
– Competição? – Ele deu as costas. – Pode ficar com esse ai. Tenho lugares para ir.
– Ora, espere. – Moul o acompanhou. – Estamos atrás da Normadie faz pouco tempo, mas se compartilharmos informações, vai ser de grande ajuda. Não pretendo ficar muito tempo por aqui, e sei que o trabalho de um Adesir não deve ser interrompido.
Mar parou de andar, fez uma pequena cara pensativa e concordou ao cruzar os braços.
– Continue.
– As informações que recebemos foi de que Normadie tem muitos planos além de caçar as pessoas por aqui. Um culto tenta trazer algo a vida, algo muio macabro. – Mar sequer fez surpresa pela informação. Moul continuou: – Os cultistas são os braços e pernas dela, temos que acabar com os dois para que nada mais aconteça.
– O culto que você diz, de onde recebeu essa informação?
– Tive uma conversa com o chefe da cidade.
Moul ergueu a sobrancelha e nada respondeu. Ele tirou um anel do bolso e pôs no dedo, depois disso, simplesmente encarou ao redor. Uma ondulação de mana passou por eles, era a própria Zona de Mana que os Arcanos utilizavam.
Era difícil um Adesir buscar conhecimento amplo, mas esse Adesir Mar, como Amanda o chamava, tinha habilidade. O campo se estendeu por mais de cinquenta metros, com o centro no próprio Adesir.
– Sua informação é falha. Os cultistas que eles falam são bandidos no topo da colina que estão escavando uma pedra antiga. Eu sei como caçar uma Normadie, então, não se preocupe.
– Mas e a nossa troca de informação? Você ainda está me devendo.
Era cara de pau não devolver um acordo de palavras, mesmo para alguém como ele.
– Normadie não caça só crianças, ela caça aquilo que mais possui mana.
Com um salto, Mar pareceu planar em um arco fechado, indo para cima de um telhado e saltando novamente, para o meio do escuro, desaparecendo não muito tempo depois.
– Bem que você disse que um Adesir deveria fazer o trabalho, Luiz – Moul comentou ao encarar os amigos. – E chamaram um casca grossa. Nem tive tempo de falar com ele direito.
– Sua magia não funciona muito em pessoas desconfiadas – Giovanna respondeu. Ela segurava o pulso do homem caído, com o rosto tapado e quando mostrou aos outros sua face, estava marcada por veias negras percorrendo-a por inteiro. Ela recuou com cara de nojo. – O que é isso? Deuses.
Drash se abaixou e passou a mão por cima das linha negras. Uma poeira brilhante recaiu e foi sugada pela pele. Momentos depois, as linhas saltaram para fora da carne e veias, flutuando no ar, intactas.
– É magia de controle. – Olhou para Moul. – É uma magia oculta, você você disse. Eu já vi algo parecido, e se eu estiver correto, esse homem não deve nem mesmo saber que estava sendo controlado, e se perdeu a consciência no ato, pode estar assim há quase dois meses. É inútil para nós.
– E aquele Adesir sabia. – Moul praguejou para si. O Adesir sabia bem mais do que estava disposto a compartilhar. – Ele disse que a Normadie estava a procura de pessoas com mana acima da média. Luiz, faça uma varredura e veja quem da cidade está dentro desses parâmetros. Não refine a mana, apenas sinta-os.
– Vamos mostrar para o Adesir que conseguimos resolver os problemas. – Luiz era claramente o mais motivado. Desgostava dos Adesir tanto quanto da própria Normadie. – Pode deixar comigo.
II
Usar os Arcanos como isca foi a melhor ideia que Haivor teve naquela noite. A Normadie saberia que algumas pessoas estariam atrás dela. Usar o homem para atrair os predadores ou presas, dependendo do ponto de vista, foi uma jogada inteligente.
As linhas negras, uma magia oculta para controle mental e corporal. Simplesmente, não deixava rastros para perguntas ou respostas. Era perfeita para um sequestro, e ela poderia usar qualquer um. Haivor apenas mirou em que ela deveria focar.
Haivor espreitava acima da única torre da cidade, que nem parecia ser uma torre por ter somente quinze metros. Dali, continuava a observar o fluxo de mana que corria ao seu redor. A mana nascia em todas as pessoas, mas somente algumas possuíam a habilidade de conviver com ela, a aceitar e aprender a usá-la.
A mana era o alvo da própria Normadie.
Por quase duas horas, o fluxo se tornou coeso. Era como águas paradas, com pequenos peixes nadando pela cidade. Então, uma imensa quantidade de energia pulsou. Haivor girou para a posição e saltou usando ‘Impacto Duplicado’.
Ele deixou uma parte do telhado quebrado ao se atirar na direção do pulso. Antes de decair, vários gritos começaram a soar. Não eram de civis. Ele criou um bastão elétrico e segurou. Aterrissou no telhado de uma das casas já puxando o bastão para trás.
A Zona de Mana mostrava onde a criatura estava saltando, para fora da cidade, em direção a um barranco ligado por um bosque. Na escuridão, caçá-la lá seria desvantajoso.
Lançou o bastão rapidamente.
O ar expandiu para o lado pela pressão. A arma passou por dentro de uma parede de pedra, depois uma de madeira, e bateu contra o corpo a levando direto para o chão.
– ‘Aumento de Peso em Cem’.
O bastão pesou e fincou o alvo no chão.
– Merda. Merda. – Do chão, os Arcanos corriam na mesma direção que o bastão arremessado. – Luiz saiu correndo igual maluco.
O chefe dos Arcanos estava presente, mas nenhum deles o encontrou ali. Haivor simplesmente saltou de um telhado para o outro, chegando diretamente ao corpo cravado no chão. O bastão não havia perfurado ele, mas a corrente elétrica descarregava imensas descargas a cada movimento bruto.
Tirando o bastão, pisou no peito do Arcano e usou ‘Paralisar’.
– Adesir? – Moul e os outros se aproximaram. – Você… como chegou aqui?
Haivor simplesmente abaixou e usou uma chama para iluminar o rosto do homem. As veias negras estavam pulsando, mas ainda não haviam dominado completamente a mente dele. Haivor encostou em sua face, usando ‘Repelir’, tirando completamente toda a gosma sombria.
– Você consegue usar purificação? – Drash perguntou, assustado. – É uma magia dada somente aos devotos de Frea.
– Benção? – Haivor nunca tinha ouvido sobre isso. Deixou aquilo de lado, a gosma era prioridade. Começou a girar os dedos ao redor da gosma, a condensando ainda mais, tornando uma esfera negra. – Seu amigo está bem.
Giovanna chegou mais perto e abaixou ao lado do amigo. Com a mão no peito, tomou ciência do coração batendo devagar, e acenou para Moul em afirmação.
– Acho que deveriam levá-lo para um lugar mais iluminado – Haivor avisou. – A Normadie claramente está mais perto do que antes. Ficar no escuro é desvantagem para todos nós.
Moul ordenou que Drash pegasse Luiz e colocasse nos ombros. Giovanna permaneceu ao lado do desmaiado, bastante preocupada.
– Os efeitos da magia de controle da Normadie é só uma pequena dormência no sistema nervoso – Haivor disse a ele. – Deixe-o dormir e vai acordar melhor do que nos últimos cinco anos.
– Você sabia que ela viria atrás de nós?
Os olhos de Moul eram ferozes mesmo quando suas palavras eram calmas. Mestres Arcanos deveriam ser assim sempre, Haivor teve dificuldade de ver essas emoções no primeiro encontro dos dois.
– Era uma suposição, mas sim.
Moul fez silêncio por pouco tempo.
– Entendo agora porque os Adesir são tão desprezados.
Não fazia mal. Essa ideia não era difundida entre as pessoas, mas uma verdade. Até mesmo os próprios Adesir não gostavam de outros Adesir, o que dirá um Arcano. Haivor absteve de responder sobre isso.
O Arcano já estava indo embora quando disse:
– Tome conta de seu amigo.
Sem perder mais tempo, Haivor apertou a esfera sombria em sua mão, descarregando uma imensa quantidade de eletricidade em seu interior. A primeira vista, nada aconteceu, mas depois de duas descargas poderosas, ela estufou e soltou um ruído.
A magia oculta de controle era pulsada, mas sem que houvesse um hospedeiro, não teria efeito nenhum. Usando o controle de ‘Atração em Ponto Único’, ele conteve a expansão da esfera, podendo retirar sua luva e ler como funcionava seus atributos.
A visão de Haivor escureceu permanentemente. Seus outros sentidos ainda funcionavam, sua visão tinha sido a única afetada. No escuro, permaneceu imóvel.
– Eu vejo – uma voz sussurrou em seu ouvido direito. – Vejo um homem cuja habilidade se assemelha e muito a minha. Um homem de passado trágico e futuro indefinido. Entre o desespero e a curiosidade, alguém que vislumbra o desconhecido mais do que ama a própria vida.
– Se você é a Normadie, então, estou em seu domínio agora.
– Você é um Adesir inteligente para sua idade e seu posto. – Uma mão leve passou pela nuca de Haivor, o atiçando mais. – Sua forma de ver o mundo é diferente, como se estivesse preso em um vidro.
– Ler minhas memórias não é nada além de tentar afiar uma faca que está guardada faz algum tempo. Diferente de você, eu posso ver tudo, senhorita Agnes Iasn. Filha de um dos Generais de Luzin. Uma boa vida, sem preocupações, trocadas para simplesmente caçar pessoas cujas habilidades são parecidas com a sua.
Mesmo que fosse uma mulher comum, suas habilidades de controle iam além do normal. Sua vida era completamente diferente do que alguém estava acostumado, a pressão de ser uma nobre, de ser uma filha cujos pais herdariam uma cidade inteira.
Fugir era sua escolha mais firme, e para sobreviver, ela teve de ver o mundo através da maldade, porque a própria maldade a via como uma presa.
– Sempre quis conhecer alguém com suas habilidades – ela disse. – Um dos Adesir possuí essa habilidade, mas ele é completamente inacessível. Mas você, se eu usá-lo de forma decente, posso fazer com o próprio rei Luzin fique aos meus pés.
– Tudo isso para fugir da sua família?
Ela gritou:
– Você não sabe o que é ter uma família que não sabe nada sobre você. Todo santo dia, eles queriam que eu fosse perfeita. A perfeição está na magia, apenas nela. – Era o tom de uma pessoa obcecada. – A magia simplesmente atrai o que é perfeito, e quando está em sua posse, ela se quebra como um espelho.
– E para isso, usaria crianças e velhos? Tiraria a mana deles e usaria para fortalecer a sua. Você é exatamente como um Absolver, uma criatura que suga a vitalidade dos outros para continuar vivo.
– Uma Normadie é simplesmente bela, não possuímos regras, não possuímos retaliações. Eu me fiz assim.
Haivor respirou fundo. Era o discurso de uma louca.
– Então, terei que enfrentá-la como um Adesir.
– Não existe outra maneira, Haivor. Esse é o nome que você não quer esquecer. O nome que deveria estar morto. Seu irmão o traz aqui, de novo e de novo. – Ela riu alto por várias vezes. – Um Adesir que possuí dois nomes diferentes. Será uma honra ter o seu corpo de volta.
– Você enxerga aquilo que é raso, Agnes.
Com um braçada, a mana liberada por Haivor corroeu sua cegueira, e explodiu o mundo sombrio que o guardava. A mulher estava sentada, em um trono feito de espinhos, com um vestido longo e negro, semelhante aos seus cabelos.
Sua beleza era radiante, com um sorriso caloroso. Seus traços eram verdadeiramente ligados a nobreza. Uma imagem tirada dos quadros mais bonitos. Porém, seus olhos corroíam tudo aquilo que dava vida a primeira imagem.
A maldade que fluía deles era ainda pior do que Haivor tinha sentido quando cego.
– Esse encontro me deixa excitada, Haivor – disse ela, ainda sorrindo. – Eu nunca achei que um homem poderia me deixar dessa forma. Eu vejo sua face, seus cabelos, sua roupa, mas não vejo seu futuro.
– Você não é vidente.
– Mas, minha magia me deixa ver além da carne e do cerne. Vejo traços e fios que ligam uma pessoa a morte ou a vida. – O fascínio dos olhos dela eram aterrorizantes. – É exatamente como um corpo que não sabe o que está acontecendo.
Haivor não ligou para palavras ao vento. Eram somente uma forma de distrai-lo.
– Minha missão aqui era saber para quem trabalha, Agnes. Seu contrato com Lerman Jaop, o homem que chamam de ‘A Flecha’. Você estava absorvendo a mana de pessoas inocentes para criar Esferas de Mana.
– Um trabalho que me custa caro demais, admito. – Ela assoprou, em desdém. – Lerman me encara como uma ferramenta. Sou uma arma, vivo para atender minhas próprias necessidades, meus desejos. Me alimentar de uma pessoa comum, sem vida ou sem futuro, é tirar dela o sofrimento de um futuro próximo.
– Isso não é mais um feito humano.
– E o que é um feito humano? – Ela cruzou as pernas sobre a outra, lascivamente. – Uma vila atacada e suas mulheres estupradas? Crianças caídas em valetas enquanto a fome faz o estômago comer a própria carne? Crescer como um nada e morrer como um nada? Isso é um feito humano? O que você sabe sobre isso? Eu poderia responder isso ficando em silêncio.
– Se quer apontar os dedos para os demais por sua responsabilidade, então faça. A vergonha e covardia que teve ao fugir simplesmente por não ser o que dever ser mostra que é fraca demais assegurar o próprio futuro.
A face dela se contraiu em irritação. Levantou-se do trono, irada.
– Você é ousado, Haivor. Suas palavras ferem a minha imagem como Normadie. Se fossem em outros momentos, eu dividiria a cama com você, o faria ser meu escravo, mas hoje é um dia diferente. Sua habilidade de ler o mundo, eu quero para mim.
Expandindo sua Zona de Mana, Haivor ergueu a mão para ela.
– Venha buscar, então.
Laços negros se desgrudaram do vestido de Agnes, pulsando para Haivor. Com um simples movimento do Adesir, o tecido inflamou, evaporando em segundos. Ambos permaneceram parados onde estavam.
– Veremos quem será a presa hoje, Haivor.
– Parece que é minha vez, então.
Conjurando um imenso círculo elétrico acima de sua cabeça, seus dois dedos inclinaram e uma flecha de quase três metros foi imbuída com laços flamejantes ao redor. Sua maestria com molde estava perto de ser quase comparada a de um Adesir formado, mas longe de estar perfeita.
A flecha elétrica carregava labaredas flamejantes, nada assustadora para a Normadie.
Ela recebeu com a palma aberta, engolindo o golpe com uma gosma negra. Em segundos, dissolveu o golpe, absorvendo para si.
– Uma técnica de aparagem – disse. – Impressionante, não acha? Sei que gosta de coisas desconhecidas. Sou interessante para você, Haivor?
A mulher era realmente tentadora.
– Não mais do que uma formiga é para um humano.
– Suas respostas são sempre tão afiadas. ‘Clave da Noite’.
O céu escuro foi tomado por fileiras de armas negras. Desde espadas até flechas, dominando mais de uma centena metros quadrados, todas miradas em um só ponto.
– Estamos somente nos aquecendo para um confronto mais duradouro, certo? – Agnes riu. – Eu sei que você possuí mais habilidades do que pode mostrar ao mundo. Mas, eu sou sua inimiga, me mostre como é ser diferente. Me mostre como é ser uma anomalia que acha que é.
– Posso vencer com modos tradicionais.
– Nisso, discordo.
As armas decaíram. Rápidas, ganharam pressão no meio do caminho. Haivor simplesmente abriu a palma. Um espelho criado acima de sua cabeça. As armas permaneceram adentrando o espelho e sumindo.
– ‘Divisão Espacial’ – falou, casualmente. – Eu não estou aquecendo, Agnes. Você já perdeu essa batalha no momento que me fez entrar em seu domínio.
O espelho foi destruído em fragmentos que não sumiram. Haivor os direcionou para frente, criando estacas menores e afiadas.
– Eu tenho a capacidade de mudar as formas das coisas, tenho a capacidade de mudar seus atributos. Tenho a capacidade de comandar. – Haivor ergueu o pé direito e pisou com mais força. O trono de Agnes foi engolido por um buraco. O céu negro foi tomado por um vermelho fulminante. A escuridão que adornava ambos foi clareada como se a noite tivesse sido invadida. – Mesmo que ache que o mundo inteiro esteja aos seus pés, não pode me colocar no mesmo patamar.
– Quanta arrogância, quanta prepotência, quanto confiança e convicção. – A boca dela salivava. – Eu te quero para mim, Haivor. Estou realmente faminta pelo seu intimo.
– Não estou disponível agora. – Uma faísca se alongou em sua mão, em formato de lança. – Aqui, somos duas presas, Agnes. E somente uma delas pode sair vivo.
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