Capítulo 36 - Chamada (I)
Uma pilha de livros sobreposta na mesa esperava para ser lida fazia cerca de duas semanas inteiras. Kralus estava preso em um único fazia quase três meses, tentando encontrar a latente sabedoria de uma história antiga sobre Anões e Elfos.
Diziam que o embate entre raças antigas se tornou tão mortal que durante as Eras seguintes, os Anões se dividiram entre os que lutariam e os que tornariam suas moradas mais fortes. Os Elfos, ao contrário, lidavam todos sobre o teto de um Rei Maior e um Rei menor, cada um com sua respectiva função.
Era datado até mesmo que os próprios Reis Elfos mantinham relações com as mesmas esposas, partilhando de filhos e até mesmo irmãos, mesmo não sendo da mesma família sanguínea. Um ato que Kralus nunca tinha se deparado até o ano anterior, onde conheceu a Senhora de Kusha, a Bruxa que lidava com os Magos, na Ruína de Alcatha.
– Está lendo isso ainda? – Lina perguntou ao passar pela porta com outra pilha de livros. – Por que mesmo que estamos tirando tudo da biblioteca pessoal do senhor? Está muito pesado.
– Viagem a negócios – Kralus respondeu secamente, sua atenção completa para as palavras lidas. – Tantas formas diferentes, tantos conceitos diferentes. Quanto mais leio essas páginas, mais entendo o motivo dos humanos terem conseguido domar o Grande Continente estando em menor número.
Lina pouco se importava com a história dos Elfos, mas Kralus fazia questão de comentar sempre que estava presente.
– Eles carregavam a Benção da Luz – disse o velho Mago. – Deuses, eles foram os primeiros a entender como a mana circulava ao redor do corpo. Isso nos leva de volta aos livros de história que dizem ser os humanos os primeiros a conjurar uma magia por círculo mágico.
Novamente, em um baque surdo, Lina jogou os livros dentro da caixa. Pôs a mão na cintura, suspirando.
– Se você ajudasse, já tínhamos acabado.
– Deixe eu só acabar esse pequeno trecho. – Ele passou o dedo por cima da linha. – Quanto mais a mana se deformar, mais ela está apta a sofrer alterações. O Rei Menor Poldo escreveu muitas coisas interessantes, sabia?
– O que esqueceu, pai, é que se não formos rápido, você vai se atrasar para qualquer coisa que quiser fazer. – Lina resmungou em outra língua, e depois jogou a pilha na mesa para dentro da caixa. Andou até seu pai e puxou o livro da mão dele. – Ajude.
Kralus tomou o livro da mão dela e guardou-o em seu anel. Os dois ficaram indo e voltando da biblioteca. A quantidade de documentos, papiros e informações datadas do cômodo valiam um milhar de prata dependendo para quem vendessem.
Fascinado com a história, Kralus deteve o maior número de resgates da história passada, colecionando-os como forma de hobby. Depois de tantos anos, teve de ampliar a pequena sala e abrir sua própria biblioteca.
Se despedir dela seria deixar uma parte de si para trás.
As paredes foram erguidas antes mesmo dele começar a criar Lina, quando ainda era um dos mais fortes Magos da CBK. Cada uma das estantes foi reforçada com magia temporal antiga para nunca corroerem, e o teto era a prova de fogo, raios, água e qualquer coisa nociva.
Como o Rei Menor Poldo dizia: “Somente deixando algo, podemos alcançar algo”.
– Lina – ambos olhavam para o salão, agora, vazio – destrua tudo.
– Tem certeza, pai?
– Não resta nada para nós aqui. – Kralus abriu a palma da mão e uma pequena centelha de chamas se originou. Com leveza, a lançou para o meio do salão, ainda flutuando. – Temos que ir antes de Luzin chegar aqui.
Dois círculos mágicos se formaram pelos braços da Maga. Ela apontou e atirou. O ar rotacionou furiosamente ao redor da chama, a expandindo e girando junto. O furacão perfurou o chão e telhado, levando tudo que era mobília a destruição.
Kralus esperou Lina sair da casa e fechou a porta. O gramado era fofo e as nuvens escassa, seria um belo dia. O cheiro da fumaça já se espalhava e o fogo começou a lamber o restante da morada.
– Para onde? – Lina perguntou. – A casa da costa?
– Ele vai nos achar lá. Vamos para o norte. Tenho um abrigo que vai nos servir até conseguirmos refazer nossa casa. – Seu dedo girou para as dezenas de caixas de livro e elas foram decaindo para dentro de um portal cinzento. – Não posso usar magia de teleporte por causa da Rede dos Magos, então, vamos a pé.
– Vamos ter que ir andando até lá? – Lina quase choramingou. – Pai, por que não me pediu para trazer uma pedra roxa? Seria mais fácil e rápido.
– Os Magos marcam as pedras que usam. Mas, falando no diabo…
Não vindo muito longe, um grupo de cinco homens trajando roupas bem feitas, com o símbolo de uma coruja no peito esquerdo, vinha em sua direção. Era uma roupa mais leve do que o costumeiro dos Magos, mas suas botas e até mesmo o que usava um chapéu deixava claro que não faziam parte da CBK.
Que gosto de roupa horrível.
Lina não se mexeu, mas estava pronta para puxar sua varinha a qualquer momento.
– Não precisa disso – Kralus disse a ela. – Sei quem são. Tereus – saudou com a mão direita erguida – o que faz aqui?
– Kralus – o aceno foi devolvido cordialmente. – Houve um chamado dos Magos. Soube que estavam recrutando. Meu pessoal e eu viemos depois de nos juntarmos a vocês. Temos até o símbolo agora, olhe.
A coruja no peito, pontilhada por uma agulha, e com desgosto. A ideia de recrutamento dos Magos fora uma desaprovada por centenas. O círculo interno jurava que era a melhor escolha para que suas fileiras fossem organizadas com mais peões. Agora, mercenários e Arcanos querendo moedas e reconhecimento estavam chegando de todos os lugares possíveis.
Era uma jogada inteligente enfraquecer a Torre Arcana. Kralus conhecia bem a força que os Arcanos possuíam, mas sua verdadeira vantagem não era a qualidade e sim a quantidade. Os Magos só estavam trazendo os mais baixos.
No final das contas, se valia a pena ou não era só uma questão de interpretação.
– Ficou ótimo em vocês, mas sabem que não sou mais um Mago faz quase dois anos. Por que vieram até aqui?
– Fomos contratados pelo Mestre Cillas para vir até aqui escoltar o senhor.
Kralus achou aquilo um tanto engraçado.
– Me escoltar? Para onde?
– Ele disse que houve uma mudança de planos e espera encontrar o senhor para debaterem sobre um plano. Não sei nada a respeito, mas ele insiste que voltemos com o senhor. – Tirou um pequeno cristal do bolso. – Ele até mesmo entregou essa pedra roxa para podermos voltar mais rápido. Creio que seja de suma importância.
– Acho que se enganaram quando disseram que estão me levando. Não faço mais parte do Conselho. Lina quem serve, mas ela está me ajudando com algumas coisas no momento. Se me derem um dia, poderei retornar.
Tereus pensou um pouco e assentiu.
– Acho que ele não vai ficar irritado se demoramos mais um dia. Mas, para onde está indo agora?
– Para minha casa costeira, essa aqui não serve mais para nós. – Kralus fez uma cara de tristeza. – Infelizmente, essa é uma casa bem antiga e estava na hora de deixarmos ela de lado.
– Uma pena, senhor.
– Também sinto.
Ele tirou um livro do anel, ainda focado na casa.
– ‘Último Passo Branco’.
Uma imensa camada de gelo se libertou de seu pé e subiu na direção da casa, petrificando-a dentro do gelo. Mas, Kralus respirou fundo. Ao se virar, os cinco homens também estavam dentro de blocos de gelo espinhentos.
– É o movimento de Luzin – falou. – Temos que manter nosso passo. Mande-os de volta para perto da CBK, e vamos rápido. Não temos tempo a perder, Lina.
A varinha já estava na mão de Lina quando ela respondeu:
– Deixe comigo, pai.
I
Dos dois mil homens caídos por causa da doença de Fargos, mil já estavam sendo tratados pelos curandeiros do segundo andar. Metade de uma semana já tinha se passado quando as forças do continente começaram a surgir de todos os cantos. O anúncio de que a Muralha precisa de homens para ajudar os demais chamou atenção.
Ptitsa e Rasskin ficaram no comando de auxiliar os novos integrantes e criar um sistema hierárquico entre os mais experientes. Levaram dias para conversar com todos, e quinze Chefe de Alas, como chamados por Oiajim, foram designados.
Cada um ficariam responsável por uma quantidade quase cinquenta. E entre os curandeiros, cada um deveria ajudar o outro, quando possível. Eles eram uma força neutra ao continente, logo, não receberiam incentivo nenhum vindo do rei. Ptitsa teve que deixar claro que os investimentos viriam dos esforços de cada um.
A notícia de que os soldados voltaram a viver foi bem aceita por muitos, menos por Luzin e seus Magos.
– Depois de organizar todos os papeis, Adam, tire sua própria conclusão. – Ptitsa conversava com o atual diretor da Casa da Moeda de Patrono. – Preciso de sua ajuda assim como precisou da minha. Espero que se recorde disso.
– Lembro perfeitamente do que aconteceu naquele tempo, Porco. Sabe que faria tudo para que seu plano funcione, mas seu o último, não podemos fazer nada. E já estamos estendendo nossa estadia aqui por mais de um dia.
– Temo que concordar com ele não é errado – Olivier estava na outra ponta. – Solicitar as Regras do Feudo seria mais fácil do que chamar todos os outros. Mas, só falta um. Tente falar com Kralus mais uma vez.
– Já tentei, nada funciona. – Ptitsa enfiou a mão na barba volumosa, coçando o queixo. – Tentei cerca de vinte vezes com o antigo contato que tínhamos, mas ele sempre muda de casa quando alguma coisa assim começa a acontecer, foi assim que virou um Mago. Para tirar o peso da Lei Independente das costas.
– Ele fez aquilo para proteger a filha.
– Pelo amor, ela é adotiva. – Rubem assoprou com desdém evidente. – Kralus perdeu mais filhos do que eu perdi familiares. Só por ter encontrado aquela garoto em um vale no meio do nada não faz dela sua filha. Virar Mago foi simplesmente para estar do lado que sempre vence. Foi assim contra Alcatha, vai ser assim com a gente.
– Sua positividade é comovente, Rubem. Sério mesmo.
O velho deu de ombro, ainda rabugento.
– Falo o que ninguém tem coragem de falar. Ficar para sermos todos caçados por Luzin, isso que vai acontecer.
A forma como dialogavam era estranha, mas objetiva. Haivor não tinha muito tempo para ficar escutando os velhos falarem sobre leis e ordens. Mas, teve de parar para ouvir sobre o Mago Branco. Kralus ainda era um antigo companheiro e rival que poderia estar sendo caçado.
– E o que faremos se não acharmos? – Olivier perguntou a Ptitsa. – Vai tentar apelar para o Encontro Anual?
– Vai ser a última coisa que quero fazer. Todos nós odiamos nos encontrar só por obrigação.
– Odeio encontrar vocês em todas as ocasiões – Rubem soltou o veneno. – São tão chatos quanto há quarenta anos atrás.
Haivor soltou uma risada baixa. Entre todos, Rubem claramente era o mais irritado. O que era estranho é que tanto Rubem quanto Adam eram diretores de Casas da Moeda, porém, Rubem deu muito mais investimento para os curandeiros do que todos os outros juntos.
O próprio Haivor fez o balanço junto de Zemlya para averiguar quais produtos comprar, e se assustou com os tantos zeros que velho tinha doado. Era possível criar duas cidades pequenas e expandi-las com o dinheiro.
– Haivor – Ptitsa o chamou da mesa. – Pode fazer o favor e mande nos trazer mais cerveja.
– São onze da manhã – Oiajim respondeu, do outro lado da sala. – Nada de cerveja até as duas da tarde.
– Seu guarda-costas é um saco, hein, Porco. – O olhar de Rubem e Oiajim faiscaram entre si. – Peça para trazer pelo menos um café, então.
– Você tem duas pernas, velho. Vá pedir você mesmo.
Oiajim cruzou a sala e encontrou Haivor do outro lado, tocando seu ombro e o empurrando para fora.
– Vamos.
No corredor, eles pararam com Oiajim fechando a porta e se escorando na parede.
– Essa merda de plano vai dar errado se eles não conseguirem contatar Kralus. Tudo o que fizemos pode ser tomado por Luzin se ele chegar aqui.
– Quanto tempo temos?
– No máximo, uma semana. Muita gente disse que os soldados das cidades já começaram a mandar mensageiros para Patrono. Eles devem avisar e o rei vai mandar uma dúzia de Magos para cá. Seremos todos mandados para a vala.
Haivor ainda tinha o anel que Kralus havia o dado. Ele enfiou a mão dentro do bolso e retirou apenas para olhar.
– O que é isso?
– A salvação do plano de vocês. – Encaixou no dedo indicador. Uma linha avermelha se estendeu diante seus olhos, atravessando paredes, saindo da muralha e indo em uma direção para o norte. – Se Kralus estiver usando o anel que me deu, ele vai me ouvir.
– Era desse jeito que você conversava com ele? – O homem estava levemente assustado. – Mesmo depois dele ter atacado a Torre Mágica, você o manteve como um… amigo?
– Se eles puderem me oferecer algo, eu não me importo.
A linha finalmente estagnou, chegando ao seu limite. O outro anel estava conectado. Kralus o usava. Haivor sorriu, fazia algum tempo que não ouvia a voz do mago.
– Espero não estar interrompendo.
Ninguém respondeu de imediato, mas, então:
– Eu reconheço sua voz, mas não quero acreditar que seja real.
– Por que eu fui dado como morto ou por que você sabe que nosso duelo ainda vai acontecer, você gostando ou não? – Haivor sorriu. – Sou eu.
– Claro que é você, para ficar debochando de minha derrota ao mesmo tempo que me desafia para um novo duelo. – O homem estava claramente animado. – Quero me conte tudo o que aconteceu quando nos encontrarmos, creio eu que será em breve.
– Mais do que você imagina. Um velho chamado Ptitsa está na Muralha Oeste, Kralus. E está pedindo sua presença aqui. Ele reuniu um grupo de homens que diz precisarem de você.
– Ptitsa, o Porco? – a voz de Kralus era de uma chocada. – E eu achando que Luzin só queria minha cabeça porque eu tinha mandado Marco Pollo entregar o documento de despejamento direto a ele. Agora, pelo menos, entendo porquê tanto alarde.
Como Haivor adorava aquele senso de Kralus.
– Você virá para a Muralha?
– Se for para ver a cara dos velhos, não. Mas, você parece estar bem debilitado. O que aconteceu com seu núcleo de mana? Não consigo sentir nada além de sucções intermináveis.
Até mesmo Kralus sentia que ele estava fraco.
– Quando chegar aqui, posso te contar o que houve. Eles precisam de você.
– Sabe onde fica o Portão Central, que liga o feudo Akima e Luzin?
– Posso achar.
– Encontrarei você lá em duas horas, e leve uma caneca de cerveja.
– Por qual motivo? – Haivor riu. – Não vai me dizer que está com sede?
– Estou caminhando faz quase cinco horas, moleque. Leve a cerveja.
Haivor retirou o anel e o guardou no bolso. Oiajim ficou esperando, tão focado quanto uma águia avistando sua presa no chão. E balançou a mão, rapidamente.
– Então? Ele vem?
– Me encontrarei com ele em duas horas, no Portão Central. Não diga a Ptitsa ainda. Kralus não vai querer ser recebido com palmas e alardes.
O homem concordou.
– Obrigado, Haivor. De verdade.
Com Oiajim partindo, Haivor fez seu caminho direto para a cozinha. Pediu que um barril de cerveja fosse separado e colocado no Portão Central. Ignorou a pergunta dos soldados sobre a questão, o que demorou ainda mais. Depois, com duas canecas, foi direto para lá.
Sentou-se no barril recostado. O imenso portão estava fechado, as ameias faziam uma curva em arco crescente e o sol chegava até ele entre as aberturas da madeira. Quando o tempo começou a se aproximar, ele ordenou que um dos soldados abrisse o portão que dava para Luzin.
– Por qual motivo, senhor? – o soldado devolveu, desconfiado. – Não podemos abaixar esse portão sem uma ordem superior.
– Se não abaixarem, eu mesmo vou até Comandante Coiil.
– Só não quero problemas, senhor. – As duas alavancas foram puxadas e o portão foi sendo abaixado pouco a pouco até tocar o solo. – Pronto.
Haivor puxou o barril para o centro e esperou. Duas horas haviam se passado. De repente, um portal redondo deformou o ar e alguém saiu de dentro, correndo. A mulher rolou pelo chão, seu rosto marcado por poeira e fumaça. Em seguida, o velho homem saltou para fora, planando de costas.
– Feche – ele ordenou.
Lina esticou a varinha e o portal se fechou antes que outro qualquer conseguisse atravessar. Kralus ergueu a cabeça para o céu e soltou uma lufada profunda. Haivor saudou depois dele se virar.
– Eu trouxe a cerveja – Haivor disse, se divertindo.
Lina olhou para o pai e depois para Haivor.
– Pai, não me diga que esse é ele.
Kralus caminhou até Haivor, o segurando pelo ombro.
– Enigma – disse, com ternura. – E eu achando que você tinha morrido sem ter me dado a honra de uma revanche.
– Deixe de ser egoísta.
Os dois se abraçaram com força, confraternizando. Lina ficou boquiaberta com ambos.
– Ele tinha morrido. Como…?
– Essa é uma história que eu mesmo estou tentado a ouvir. – Kralus pegou uma das canecas, abriu o barril e encheu-a. – Quem vai me acompanhar com a cerveja?
Haivor tomou a outra para si e brindou com Kralus ali mesmo. Os dois beberam rapidamente e limparam a boca só para beberem mais uma.
– Ainda estou chocado – Kralus falou depois do terceiro copo. – Como consegue se manter de pé com tanta sucção? Vejo claramente seu braço e seu núcleo sendo acorrentados. É uma Maldição, não é?
Haivor teve que concordar meio deprimido.
– Não consigo criar nem mesmo um comando do jeito que estou agora. Ajudo os outros com o que posso, mas me sinto um lixo na maioria das vezes.
– Honestidade é algo raro – Lina respondeu, sentada do lado do portão. – Disseram que foi a Normadie que tinha te levado depois daquela explosão.
– E foi, mas Ptitsa me disse que encontrou meu corpo jogado perto de um pântano. Ele me tirou de lá e cuidou de mim por um ano. Despertei faz quase duas semanas. Ele me contou sobre os problemas do continente e sobre a Maldição que estou levando comigo.
– Ptitsa é especialista nesse tipo de coisa. Infelizmente, se ele falou, está correto. Mas, não é só isso.
– Parece que carrego três Maldições comigo e ele não sabe como tirar nenhuma delas. Por isso, estou desse jeito. Duas semanas e nada mudou. Mas, meu corpo achou uma maneira de me manter vivo.
– Sucção inconsciente de mana – Kralus concluiu. – Eu já li que é uma magia oculta rara, não sabia que podia ser sintetizada. Como conseguiu?
– É uma magia oculta ainda. Pertencia ao Filho das Folhas, um dos filhos de Kusha. Eu consegui torná-lo minha habilidade por algum motivo. Ainda estou tentando entender bem o que posso ou não fazer, mas não progredi em nada.
– Só de você estar vivo é um milagre – disse Lina. – Ficar um ano desacordado. Meu pai achou que você tinha se matado ou algo parecido.
– Achei mesmo. O que eu posso dizer? Você tinha um potencial enorme, para ter morrido daquela maneira, achei que estivesse cansado de viver como um Adesir.
Haivor bebeu o resto da cerveja, rindo.
– Não sou tão maluco assim.
– Kralus. – Um berro vindo de uma das escadarias a porta do castelo interno. Era Ptitsa, atrás dele vinha Olivier e Oiajim. – Andorinha, você está um traste.
– Porco – Kralus berrou de volta, com a mesma intensidade. – Se estou um traste, você parece um moribundo que morreu e voltou a vida dez vezes. Suas rugas até tem bocas.
Haivor se separou deles, ficando ao lado de Lina.
– Vocês trouxeram bagagens? – perguntou. – Tem quartos vagos, posso pedir para que alguém leve.
– A única coisa que meu pai tem são livros. Ele colocou em uma magia espacial. Se puder me mostrar o quarto, fico agradecida, Enigma.
Os dois começaram a fazer o caminho para dentro do castelo.
– Aqui na Muralha, me chamo Haivor. Enigma vai me trazer problemas.
– Ah, o assunto com os Adesir, não é? – Atravessavam o corredor para o terceiro andar do castelo. – Mas, a Torre Mágica não enviou vários Adesir para a Muralha Leste? Por que quer se esconder?
Haivor ergueu o braço direito.
– Não posso ser um Adesir sem conseguir usar magia.
Ela entendeu com um balanço de cabeça. Ao chegarem ao quarto vago, Haivor abriu a porta e deixou que Lina entrasse. A cama estava centralizada, com uma escrivaninha perto da janela e um armário grande ocupando uma parede inteira.
– Bem aconchegante – ela disse. – Não sei quanto tempo ficaremos, mas espero que fique claro que não estou aqui como uma Maga.
– Não me importo com os Magos, me importo com seu pai e com você.
– Oh, isso é inusitado. – Ela sorriu, docemente. – Você não parece nada com o que disseram nos relatórios.
Haivor entrou no quarto, fechando a porta.
– E como me relataram?
– Sanguinário, furioso, mortal. Como uma magia misteriosa que se desfaz assim que tentamos entender. Cillas tentou te caçar por quase três meses, mas nada encontrou. Você era como um fantasma para os Magos.
– Olun era irmão do Cillas, não era? – Haivor lembrava da luta com o Mago na floresta de Kusha. – Eu lembro de ter dado uma surra nele. Entendo porque o irmão quer vingança.
Lina pulou na cama fofa.
– Você não matou ninguém naquele dia.
– Não tinha porque atrair mais inimigos para o lugar que eu queria defender.
– Todos os dias – ela deitou-se, virando de lado, encarando-o – eu me perguntava o que meu pai tinha visto em você para querer tanto voltar a encontrá-lo. Um verdadeiro enigma. E cá estou eu, tendo minha resposta.
Aqueles olhos largos, curiosos. Haivor tinha visto centenas deles se direcionarem, com intenções nada amigáveis. Os de Lina eram estranhamente amigáveis, como se a intenção não fosse nociva.
– Eu tive raiva de você por um tempo – ela revelou, sorrindo. – Meu pai perdeu o posto de Mestre quando perdeu aquela luta com você. Mas, quando entendi que ele estava feliz tendo os livros e minha companhia, agradeci.
– Fico lisonjeado. Seu pai é um dos poucos amigos que tenho. Pretendo mantê-lo.
– Você é realmente um Enigma, sabia?
Aquele sorriso poderia ser destrutivo se usado de maneira correta. Haivor não respondeu da mesma forma.
– Gosto que as pessoas não me conheçam.
– E quando alguém quer te conhecer? O que você faz?
Me afasto.
– Nada. Espero a pessoa desistir.
A risada dela se espalhou pelo quarto.
– Entendi. Bem, acho que isso é tudo, Haivor.
A porta foi aberta por ele.
– Até outra hora, Lina.
Ela acenou com leveza.
– Até.
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