Capitulo 4 - Dádivas e Maldições (III)
A estrada de Bustap se erguia no meio de casas de madeira e cabanas. Metade delas eram ocupadas por famílias, outras por lojistas. A chuva tinha castigado no dia anterior, lamas e poças de água dificultavam as rodas das carruagens que tentavam sair da cidade, muitos se dirigindo para a cidade portuária para vender e comprar ingredientes e especiárias.
Cross conhecia bem as mercadorias já que seu irmão sempre estava recebendo visitas de compradores. Bom, isso era na antiga casa. Duas semanas na cabana na floresta o deixaram quase sem nada, e achar Shok era prioridade para tentar reaver pelo menos uma das coisas retiradas dele.
E as pessoas costumavam dizer que o desgraçado e lazarento mentiroso sempre estava tomando cerveja do outro lado da floresta. Não era difícil chegar lá já que o terreno era plano e a estrada tinha poucas curvas.
Nesse dia, Cross sentia-se com sorte. Encontrou o homem. Ele andava ao lado de outros dois, com uma caneca na mão e gargalhando. Cross apertou o passo e quando esteve menos de dez metros, gritou:
– Shok.
O rosto indiferente se voltou, e então, seus olhos sonolentos se atentaram na mesma hora. Cross conseguiu ouvir:
– Ah, merda.
Quando os outros dois se viraram para ver quem estava gritando, Cross já estava correndo na direção dos dois. Shok deu um pulo por cima de uma poça de lama e começou a correr.
– Segurem ele.
– Pare de correr, seu merdinha. – Cross fechou o punho quando os dois guarda-costas jogaram suas canecas no chão e se prontificaram. A face do primeiro se contorceu para o lado, estalando o osso do maxilar. Cross foi agarrado pelas costas, mas girou agarrando o pescoço do segundo, lançou contra o chão, o deixando desacordado na hora. – Você não pode fugir, Shok.
O magricela já estava quase cinquenta metros dali. Cross olhou para uma das casas de madeira e viu o seu alvo fazendo uma curva para a direita. Disparando para frente, correu até onde as tábuas se erguiam em uma construção em andamento e tomou impulso, saltando para cima de outra casa. Escorregou por cima do telhado de palha, vendo Shok apenas uns dez metros a frente.
Ele cortou caminho por entre duas casas e abaixou atrás da parede de madeira de outra não muito distante. Aguçou a audição, o suspiro de alívio e um bufar cansado. Quando a sombra cresceu, Cross se levantou já pegando no colarinho do homem.
Shok ficou pálido na hora.
– Ah, merda. Eu não fiz nada. Eu juro. Nem sei quem é você, mas tenho certeza que nada fiz para sua filha, esposa ou qualquer que seja a pessoa. Eu sou inocente. Juro pelos deuses.
– Os deuses não podem te julgar agora.
Com o pomo do machado, acertou a têmpora dele e o desacordou.
I
Shok caiu em uma cadeira, com os braços e pernas amarrados. Haivor estava bem satisfeito. O rosto assustado dele era verdadeiro, e seus olhos sequer pareciam entender o que acontecia. Tentou observar ao redor e depois voltou para os dois.
– Por favor, eu dou qualquer coisa para vocês.
Cross puxou uma cadeira e sentou, cruzando os dedos em cima da perna, encarou Havior.
– E agora?
– Eu resolvo isso. – Havior foi até Shok e encostou na testa dele com o polegar. Um fluxo de lapsos surgiu em sua mente, descendo rapidamente como estrelas caindo do céu, se interligando e criando uma estranha estrutura circular. Eram as memórias dele. – Vamos ver se o que ele fala é verdade ou mentira.
Se distanciou de Shok que ainda tinha uma cara assustada.
– Que porra fizeram comigo? Me envenenaram? – Ele se debateu, tentando levantar, mas Cross o empurrou de volta. – Por favor, eu digo qualquer coisa. Não fiz nada de errado.
– Me fale sobre Ercha. – Havior também pegou uma cadeira, sentando. – Se mentir, Cross vai tirar as unhas do seu pé e depois de sua mão, depois cada dedo. Pode começar.
– Ercha Lio? – O homem balançou a cabeça. – Ele veio falar comigo procurando uma cura pro pai dele. Eu nunca tinha ouvido falar sobre a doença que aquele velho tem. Mas, eu conhecia uma pessoa que falava que conhecia outra pessoa que conseguia curar essas coisas.
– Correto – Havior disse. – Continue.
– Esse cara, o meu amigo, trabalha com um grupo de pedreiros. Um dia, uma pedra quebrou o braço dele, caiu em cima, ficou sem ir trabalhar e ia morrer de fome. Bustap não tem mais trabalhadores suficientes, ai encontrou um cara, um que começa com a letra Y.
Havior concordou.
– Esse cara, eu não tenho como dizer, mas ele é muito estranho. Não tinha os olhos, mas fazia uma coisa com a mão. Eu vi na hora que não era desse mundo, só os deuses fariam algo como aquilo. Ele consertou o braço na mesma hora. Foi…
– Incrível.
– Assustador – Shok corrigiu, assustado. – Como algo assim seria bom? Ercha procurou esse cara, mas o preço dele era alto demais. Ele pediu a irmã dele. Uma moça muito bonita que está presa agora. Eu só sei disso.
Irritado, Cross levantou na hora, pegou na gola da camisa de couro e o levantou na altura do seu rosto, tirando os pés dele do chão.
– A moça bonita é minha esposa, e você vai me falar onde ela está.
– Eu falo – Shok gritou, virando o rosto. – Por favor, eu não quero morrer. Eu só fiz o que me pediram.
Havior encostou no ombro do irmão e o fez largar o homem.
– Ele está falando sério. – Fez Cross sentar, mas permaneceu em pé. – Você sabe bastante sobre esse homem, o Absorvido.
– Eu sei o que me falaram e o que os sacerdotes cantavam. Eles são macabros, fazem coisas sinistras, mas vivem isolados de todo mundo. Eu não quero ser morto por eles. Sabe o que fazem com os que acham que são problemas? Raspam sua cabeça com uma pinça, tiram toda a água do seu corpo e dão de beber para seus animais de estimação.
– Onde está Monich? – Cross puxou o machadinho para perto de si. – Agora.
– Certo. Ercha prendeu ela dentro da casa onde o Chefe Kanad está sendo tratado. É o que sei. Por favor, me deixem ir.
– Um dia inteiro pra te puxar até aqui e já quer ir embora. – A fogueira foi acessa por Havior, pôs uma chaleira com água do barril e respirou fundo. – Eu quero saber o motivo de você estar sempre envolvido nas piores atrocidades e apostas da cidade. Seu irmão, o nome dele é Kini, não é
A procura de uma resposta, Havior o fitou. Shok não desviou o olhar dele, mas não era medo, sim curiosidade.
– Como você sabe disso?
– Nascido em Polgo. Criado por quase quatro famílias diferentes, dez irmãos. O quinto filho, menos favorecido, sem dinheiro. Acertei? – A mão de Havior ergueu acima do fogo, mas nada de dor. O fogo parecia penetrar em sua pele e passar por ele. – Existe um pouco de mistério no seu nome. Não é original, você inventou.
– Eu nunca contei isso pra ninguém – Shok falava mais rápido. – Por favor, eu não sei de mais nada.
– Sei que não. Mas, você fez tanta coisa ruim nessa vida. Roubou, estuprou, assassinou, enganou. – Havior o fitou mais uma vez, sério. As chamas espelhadas em seus olhos. – E por alguma razão, ninguém pagou pelos crimes cometidos.
– Não. Eu não fiz nada por acaso. Precisava sobreviver, por favor, senhor. Juro que nunca mais farei nada parecido. Juro pelos deuses e pela minha mãezinha. Nada nesse mundo me fará conjurar o mal novamente.
Havior pegou um garrafa e jogou dentro da chaleira, misturou com a água e a pegou, levantando. Despejou lentamente a água pastosa em cima da cabeça de Shok que gemia. Quando Havior terminou, a cadeira estava lambuzada e o homem arfando desesperado.
– Cross, o arco. – O irmão pegou a arma e armou a flecha. Havior sentou-se novamente em frente ao prisioneiro. – Existe pessoas que você nunca deveria enganar em vida. Elas são pessoas que podem ler a sua história como se estivesse lendo a palma da própria mão. Essas pessoas são ruins e não vão gostar nada quando, por exemplo, a esposa de seu irmão é colocada como recompensa por um ato egoísta. Acha que eu não vi em sua mente o que você fez com a filha dos fazendeiros? Ou com a família do porto? Os dois garotinhos que morreram de pneumonia porque você simplesmente disse que ia arranjar uma cura milagrosa? Deixou que morressem no frio.
– Como? – Shok não mais gritava. Sua voz tinha se perdido no meio do desespero. – Como sabe disso?
– Como eu disse, você não deve enganar pessoas como eu. – Havior levantou a palma da mão. Com um estalo, uma faísca emergiu no meio do ar. – Atrito, uma pressão criada sobre outra pressão. Quando é aumentada, se torna uma faísca e se aumentada ainda mais…
Uma imensa quantidade de faíscas se misturaram. Uma chama avermelhada clareou ainda mais o quarto, sendo controlada diretamente por Havior. O olhar de Shok foi da chama para seu carrasco, e algo em seu peito, algo que nunca tinha sentido antes, acendeu com imensa vontade.
O prisioneiro começou a se debater freneticamente para todos os lados. Os braços e pernas para todos os lados, se levantou e passou entre os dois pulando. Chutou a porta e correu para a floresta fechada. Havior e Cross se levantaram.
– Pelo menos, ele vai morrer quente – Cross disse.
Havior depositou a chama em cima da ponta da flecha do irmão.
– Acabe com isso. – Deu meia volta e entrou na casa. – Está ficando frio.
A floresta poderia ser fechada, qualquer um que estivesse desacostumado a entrar ficaria perdido em menos de uma única hora. Caçadores de Senbom eram os únicos que realmente conheciam cada atalho, cada estrada, cada abrigo. Neles, casas nas árvores, buracos no solo e até mesmo camuflagens com folhas secas eram usadas para abater sua presa. Pacientes, eles eram mortais em sua área. Cross era um dos vários que tinha dedicado a vida as caças, mesmo antes de ter conhecido Havior.
Ele levou o arco a frente do peito e tensionou a corda, segurando a flecha com dois dedos calejados. Praticara várias vezes o disparo, buscava a perfeição, o que chamavam de tiro perfeito. Respirou fundo e deixou que o ar se contorcesse com a flecha. Libertou o ar do pulmão.
Não demorou, um grito no meio da floresta e um brilho carmesim subiu quase cinquenta metros dali. O fogo não se apagaria, não quando tinha sido criado por Havior. Seu estranho poder era diferente dos efeitos comuns, mesmo que Cross não entendesse bem, a certeza da morte de Shok era clara quando entrou na casa de novo.
Havior mexia com pedras e lama, concentrado. Poucas coisas assustavam Cross, a morte era uma delas, tão devastadora que o fazia pensar se estava vivendo direito, porém, sentado calmamente depois de ter incendiado um homem, seu irmão era como a própria encarnação desse mal.
Sem mover os olhos para ver o que tinha acontecido, ele estava mais curioso de sua habilidade do que uma vida. Uma tranquilidade tenebrosa. Havior pelo menos tinha sentido alguma coisa torturando Shok?
Cross não perguntaria.
II
Pela floresta, em uma manhã poucos dias da morte de Shok, Havior tinha saído para procurar uma planta. Procurou por ela em cada canto que podia, descendo até o rio e depois subindo para o pico do barranco que dava para a cidade de Bustap.
A área era grande demais para se procurar em um só dia, então, quando estava caindo a tarde, jogou o capuz por cima da cabeça e começou a descer do barranco, com dois coelhos na cintura que tinha conseguido com armadilhas do dia anterior.
Estava no meio do caminho quando seu sentido aguçou. Algo estava errado. As copas das árvores balançavam lentamente, mas a grama e arbustos não. Como se interpretasse alguém abaixando para amarrar o cadarço do sapato, tocou o solo.
O ambiente se transformou em uma camada quadricular estendida por mais de cinquenta metros quadrados. Cada um dos quadrados tinha suas próprias peculiaridades, como as raízes e grama, e por isso, Havior conseguiria observar cada um deles.
Era uma habilidade que estava treinando, e cinquenta metros era o seu máximo. No entanto, a sensação não tinha ido embora e nada além do habitual estava o rodeando. Nem mesmo nas árvores, nem mesmo camuflado. Nada.
Seus sentidos estavam o enganando?
Não. Ele sempre estava correto quando seus instintos o alertavam do perigo. Se levantou, devagar e encarou ao redor, procurando por galhos menores. Foi até um deles e o quebrou com facilidade, o pondo ao chão.
O perigo aumentou duas vezes em sua mente. Pelas costas.
Ele abaixou e algo cravou na árvore, onde sua cabeça deveria estar. Ele pegou a adaga e correu para a mesma direção que estava. Começou a descer rapidamente, sem olhar para trás. Os quadrados de sua mente começaram a se perder. Faltava concentração. Estalou a língua, irritado, e e jogou em uma camada de terra, deslizou de costas rapidamente pela encosta.
A casa deveria estar cerca de um minuto dali, mas estava indo para o lado contrário. Ao passar por várias árvores em curvas, tocava em seus troncos deixando sua marca. Quando olhou para trás, viu o brilho girando em sua direção. Ele caiu de lado, deixando o machado de batalha cravar atrás de si. A figura enegrecida saltou de uma árvore para outra.
– Estalo.
A pessoa olhou para baixo e saltou novamente. O estalo da árvore criou uma imensa quantidade de fragmento a ser lançado para todas as direções. Havior viu seu perseguidor usar a capa para se defender, e usou essa brecha para correr novamente. Tocou o solo e disparou na direção oposta, para a cabana.
A pessoa que o seguia era astuta, mas estava acostumada com presas fáceis. Havior olhou para trás e o viu puxar mais duas adagas de dentro do manto. E repentinamente, elas pegaram fogo. A boca de Havior se abriu em descrença. Como alguém poderia imbuir chamas em um metal sem ao menos ter uma pasta? Como era possível fundir um elemento a um material?
Mesmo que a resposta não estivesse em sua cabeça, ele sorriu. Era em momentos como aqueles que sua vida estava por um fio, mas também onde os melhores aprendizados se escondiam. Era a vida e a morte, a estranha capacidade de evoluir. Seres humanos eram assim, Havior era assim.
Estalou os dedos de ambas as mãos e abriu os braços. O homem parou. As faíscas se esticaram, se fundindo uma a uma. Havior treinava e muito com faíscas, adorava a sensação elétrica de seu corpo. E era sempre divertido ver a cara assustada de Cross quando criava algo novo, esse era seu mais novo movimento, União de Faíscas.
E quem o perseguia também fez uma pausa. Havior girou o bastão feito de faíscas na mão e num movimento repentino, lançou com toda a sua força. Do outro lado, o homem chocou suas adagas e o tintilar ecoou de uma forma que as faíscas perderam pressão no meio do caminho.
Havior nunca tinha visto nada parecido. Ele usou do próprio atrito do ar para conjurar uma parede de ar. Sua mente estava rapidamente lincando a experiência que possuía com sua própria, e então, estalou os dedos novamente. A pressão do ar ao seu redor mudou a trajetória do bastão de faíscas para cima e a fez desaparecer.
Se seu inimigo conseguisse tocar em sua habilidade, poderia analisá-la completamente em poucos segundos. Demorou muito tempo para que pudesse ser roubado dessa forma. Ainda carecia em experiência de batalha, mas estava muito feliz que uma chance como essa tinha chegado até ele.
O homem bateu as duas adagas novamente. Dessa vez, as chamas na lâmina da arma aumentaram e ele apontou para baixo. De cima da árvore, ele estava em vantagem. O imenso turbilhão de fogo desceu, carregando árvores consigo. Havior tocou o solo, a lama e pedra estavam unidas, e urrou.
Uma parede feita de pedra subiu, o cobrindo pela frente e lateral. O fogo passou por ele e continuou por segundos inteiros. A parede começou a rachar e ser vaporizada, mas aguentava bem. Havior enxergava onde a pessoa estava, se preparava para um novo golpe.
Estalo.
O homem olhou para baixo e saltou novamente. Parecia orgulhoso de si. Estava desviando claramente de todos os disparos e de forma semelhante.
O mesmo truque duas vezes?
Em instantes, mais de uma dezena de troncos ao redor explodiram. Os fragmentos foram lançados para o alto, bem distante de onde estavam. O homem encarou os filamentos de madeira, e ouviu o estalo de dedos em seguida.
Encarou a parede de pedra ser demolida e o rosto atrás, Havior e seus olhos freneticamente concentrados. Em sua mão, um pequeno pedaço de madeira, que inesperadamente lançou na direção do homem.
O homem viu o perigo que estava. No meio do ar, desacelerando o próprio peso para conseguir flutuar por alguns instantes, fora bombardeado por madeira, sua capa estava repleta delas. As outras árvores, todas elas estavam vinculadas a um único movimento, o estalar de dedos.
As faíscas e o atrito, o homem via, eram soma de um movimento maior. As milhares de lascas no ar tomaram um único rumo; ele próprio. Os golpes iniciaram de todos os lados. A pressão dos golpes eram assustadora, nunca tinha recebido tantos ataques ao mesmo tempo, e mesmo assim, eram fortes por conta da pressão.
– Merda – disse. – Incendiar.
Sua capa pegou fogo na hora. Todos os estilhaços foram vaporizados na mesma hora. Ele caiu, tocando ao chão de joelho e arfando. Ergueu a cabeça, cansado. Tinha usado muito do corpo, o desgaste era a morte de homens como ele.
– Mescla. Unificação. Paralisação.
O chão se ergueu em forma pastosa e girou ao redor dele, prendendo. Na mesma hora, seus braços foram esticados para os lados contra sua vontade e travaram. A lama solidificou. Não podia fazer nenhum tipo de movimento.
Três palavras de uma só vez. Estava chocado. Alguém comum não poderia simplesmente criar tantos comandos de uma só vez, e nem parecia estar cansado. Quando ergueu a cabeça, viu o homem que tinha sido mandado matar. Ele limpava a roupa calmamente.
– Quem é você? – perguntou. – Como consegue usar tantas palavras ao mesmo tempo? Que tipo de mestre você teve? Responda.
Havior caminhou depois de se limpar e enfiou a mão para trás das costas.
– Você quem está preso. Mas, você não precisa falar nada para mim. – Ele puxou o capuz do homem e viu seu rosto magro e pálido, além de uma estranha surpresa no rosto. – Certo, vamos ver quem é você.
Tocou o testa dele. Uma imensidão de informação começou a ser produzida e repassada. O homem o encarava, sem entender nada. Mas, quando Havior terminou, soltou um arfar prazeroso.
– Eu nunca tinha visto nada parecido. Você é um mercante assassino, contratado por Oxin Lio, um dos filhos de Ercha Lio. Mas, você veio de um lugar bem distante para atender esse pedido, senhor Gregory Haio.
O homem engoliu em seco.
– Como sabe… o meu nome?
– Não só o seu nome. Eu tenho muito tempo nessa vida, vinte e sete anos, sabia? Treino palavras desde cedo, mas não sabia que existia coisas como essa que tu faz. Aumentar a temperatura do ambiente, mas somente ao redor da lâmina, assim pode criar fogo facilmente.
– Eu… demorei muito tempo…
– Sim, eu sei. Três anos tentando aprender como aumentar a temperatura do ambiente, eu também fiquei impressionado quando vi. Sabe, Gregory, tem um jeito muito fácil. É só criar atrito, é tudo sobre isso, o mundo inteiro é sobre atrito. Assim, olha.
Arrastou o pé no chão, e com a mão erguida, uma chama surgiu.
– Eu pensei assim que vi você usando as adagas. É tão fácil criar fogo. Gosta de fogo?
– Você… não é normal. Eles disseram que era só o irmão de um caçador. Um marceneiro.
Havior concordou.
– Eu sou. Mas, você também deveria saber que quando se faz um contrato, deve ir até o final. Não se preocupe, Gregory, vou levar todos os seus conhecimentos comigo. Sua história. Eu farei com que Oxin pague por seus crimes.
– Você leu a minha mente?
– Eu posso ler tudo. – Havior arrastou a mão para o lado e a chama se estendeu como uma lança. – Mas, eu não sei nada sobre esse mundo ainda. Quer viver, Gregory?
– Quero. – O desespero estava estampado em sua cara. – Por favor, eu faço qualquer coisa.
– Eu sei que faria.
Movendo a mão, a lança o decapitou na hora. Havior viu a cabeça rolar a colina e parar entre algumas raízes.
– Deveria ter pensado nisso antes de vir atrás de mim. Ercha Lion tem um filho bem audacioso, que tristeza.
III
Havior retornou a casa na floresta. Depois de ter usado tanto do seu corpo, teve que caminhar mais ou menos cinco minutos lentamente para repor a energia. Na mente de Gregory, algo chamado ‘Passos Lentos’ era considerado uma maneira de reagrupar energia corporal. Mais ou menos, utilizava um comando dentro do próprio corpo.
Ele nunca tinha visto nada parecido, estava fascinado.
Quando se aproximou da cabana um cheiro de sangue o rondou na mesma hora. Seu instinto nada o alertava, mas seus sentidos, eles não mentiram. Puxou a adaga da cinta e empurrou a porta, quando entrou, Cross estava sentado na cadeira, seus pés e braços amarrados em uma cadeira. Seu olhos inchado por incontáveis golpes, seu peito exposto e preto – pedaços de ferro fervescentes jogados ao lado – uma parte de sua cabeça estava funda e babava sangue.
Havior correu até ele e o desamarrou na hora. Tremia ao abaixar o irmão para uma das camas. Encarou seu corpo e como estava destruído, mas seu coração ainda batia.
– Isso… não é… nada – Cross disse, de olhos fechados. – Eles… não… – cuspiu um bocado de sangue para o lado, e arfou. – Desc… irm…
Prestes a tombar a cabeça para o lado, segurou-o com delicadeza. Fungou um pouco o nariz, pegou a mão do irmão tentou achar uma posição onde não sentia tanta dor. Seu peito formigava, era uma emoção tão ruim.
– Perdão… – Havior tentou dizer, desviando o olhar, não queria derramar uma única lagrima sobre o peito dele. – Eu… estava…
Uma vida por outra, senhor Havior. Algo dentro de sua mente o chamou. Quando matou Shok, sentenciou a vida de seu irmão. A culpa é sua por não saber se meter nos próprios problemas. Satisfeito?
Era a lembrança de Cross. Estava fluindo para dentro de seu corpo, carregando a fúria de ter pedido sua esposa, o medo da morte e de perder seu irmão, até mesmo os sorrisos que estava carregando quando encontrava a antiga cabana na floresta.
Cross era um caçador exemplar que nunca tinha feito mal a ninguém, talvez, feito a quem merecia. E agora, seu corpo nem mesmo respondia. Seu coração podia até estar batendo, mas sua mente já estava perdida.
Era como se estivesse morto.
Para sempre lembrar de como doí, e nunca mais volte a atrapalhar nossos planos. É o nosso único aviso, Havior. Conhecemos suas habilidades, e como irmãos de uma mesma causa, não iremos atrás de você, não se continuar quieto em seu canto.
Era somente por cautela? Eles mataram Cross por cautela? Havior matou um homem momentos atrás para fazer o mesmo, e antes dele o próprio Shok. Era tudo uma questão de cautela. Era tudo uma questão de planos?
Por que não tenta aprender sobre isso? Havior travou. Era a voz de Cross, em uma época distante, quase dez anos atrás, quando começaram a viver juntos. Se conseguir controlar essa sua habilidade, poderia achar o ponto alto de tudo. Imagina, transformar um homem em uma máquina de guerra? Seria incrível.
– Não posso…
Claro que pode. Você mesmo já tentou várias vezes mudar a terra para o barro. Acho que você não tem experiência. Quer que eu te ajude? Pode estudar o meu corpo e fazer esses experimentos malucos.
– E se eu falhar?
Nada vai acontecer. Ficamos no zero. Se não tentar, nunca vai chegar a uma conclusão. Vamos, Havior, sei que você consegue.
Olhando para Cross totalmente destruído, Havior sabia que estava completamente errado. Ele não estava pronto. Não ainda.
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