Capítulo 41 - O Salão de Festas
Haivor entrou em seu quarto. Na frente do espelho, Lina encarava a si mesmo, usava um vestido longo vermelho. Seus cabelos furiosos combinavam com a vestimenta, mas não foi esse o motivo dele ter travado no lugar, eram as curvas; tão esbeltas que admirar virava uma obrigação.
– Cuidado para não babar – ela disse sem tirar os olhos do espelho. – Está tudo bem. Não vai ser o primeiro.
– Está acostumada a quebrar os corações dos homens. – Ele atravessou o cômodo. Retirou o longo casaco e jogou em cima da cama. Suado, limpou a testa com as costas da mão. – Preciso de um banho.
– Precisa. – Lina girou no próprio calcanhar, apontando para a parede. – Meu pai disse que você não tinha uma roupa descente para hoje. Trouxe para cá.
Era um terno refinado, de seda negra, um material raro para produção. Chegando mais próximo, sentiu o cheiro de flores misturadas. Haivor nunca tinha usado uma roupa tão refinada, não estava acostumado com algo formal.
– Vai se atrasar se ficar admirando a roupa.
Haivor pegou o terno e entrou para a porta lateral. No banheiro, retirou o resto das roupas e se jogou dentro da banheira. Limpou-se rapidamente com água fria e um sabão duro que raspava seus braços como uma lâmina enferrujada.
Saiu em menos de cinco minutos, tendo que lavar o cabelo e barba. Já perto de vestir todas as peças, Lina surgiu da porta com as mãos na orelha, pondo brincos.
– Como foi com os Twine hoje? Conseguiu ganhar de Sami?
– Não. Ele é um soldado treinado com quase trinta anos em telepatia. – Ficava irritado em lembrar de como suas derrotas eram sempre tão perto da vitória. – Mesmo praticando sozinho, eu ainda não consigo acompanhar a velocidade deles.
– Não é difícil imaginar porque são conhecidos como guerreiros excepcionais. – De volta ao quarto, continuou: – Meu pai disse que você está muito longe da alçada dos Arcanos ou dos Magos. Deveria praticar mais com eles e deixar a burocracia da Muralha para os mais velhos.
Ele apareceu da porta. Lina encaixava o salto pequeno nos pés, de cabeça baixa.
– E deixar de ver essa beldade na minha frente?
– Falo sério quando digo de deixar a burocracia para eles. – Lina ficou de pé, na altura dele. Segurou o colarinho, puxando para frente e dobrando. – Não sabe nem mesmo se arrumar e quer tentar salvar esse lugar.
Haivor deixou a emoção aflorar e a segurou pela cintura.
– Tenho você pra me ajudar.
O beijo demorou quase dez segundos inteiros, até que a porta os interrompeu. Haivor ainda manteve os olhos fechados, bem perto do rosto dela.
– Vou fingir que não ouvi – disse. – Mas, se eu ignorar, vão achar que estou em perigo.
– Quem mandou ser um medalhão para eles. – Lina se afastou dele, pegando um casaco fino que nem chegava até a cintura. Haivor sabia que ela estava acostumada com as festas mais nobres da realeza, mas algo em seu peito dizia para não recuar. – Vamos. Eles estão nos esperando.
Quando Lina abriu a porta, Zemlya estava esperando por ele com um traje tão formal quanto o de Haivor. Desacostumado também, remexia os ombros de um lado para o outro.
– Eu não queria atrapalhar, senhora. – Zemlya fez uma reverência leve. – Está linda com esse vestido.
– Obrigado, querido. Esse é um terno bem pomposo também.
Zemlya fez um sinal de agradecimento a deixando passar e andar para o corredor. Quando Haivor se aproximou, sussurrou:
– O que é pomposo, Haivor?
– É um elogio. – Haivor segurou as costas dele, dando um leve empurrão em direção ao corredor. – Depois peça para Ptitsa te explicar.
– Está bem.
Desceram as escadas do Castelo Negro, saindo no pátio interno. Muitas pessoas já estavam reunidas perto do Salão de Festas, pessoas que Haivor tinha certeza que reconhecia; Ptitsa, Kralus, Adam, Olivier, Oiajim, Reed e Coiil. Vários curandeiros e muitos dos moradores que vieram de cidades menores. Além das novas atrações.
Haivor não quis acreditar dois dias atrás, mas iria enfrentar duas caras conhecidas.
– Está tudo bem – Lina o confortou segurando sua mão suavemente. – Isso não é mais complicado do que lutar.
– Eu prefiro lutar. É mais reconfortante.
Lina sorriu, e foi até seu ouvido.
– Podemos fazer isso mais tarde.
– Sua forma de me tranquilizar é bem diferente. Eu gosto.
– Eu sei que gosta.
O peso dos ombros de Haivor se desfizeram lentamente enquanto o ar escapava por um sorris bobo. Ele respondeu ao aperto suave de Lina e deixou que ela conduzisse os passos, reconectando a porta de entrada.
O Salão de Festas estava tumultuado. A quantidade de homens e mulheres usando roupas formais enchia os olhos, conversavam entre grupos, tomando o centro e as laterais, criando caminhos ramificados. Soldados, moradores, alguns dos clã Twine, até mesmo curandeiros. Os olhares deles não estavam na chegada de Haivor, mas sim em Lina.
Cross tinha dito uma vez que a beleza era uma das mais afiadas das mulheres. Sempre achou que por ele estar noivo, usava isso como argumento para se beneficiar já que Monich sempre o enchia de caricias depois dele falar esse tipo de coisa. Ele não estava errado.
– O que foi? – Lina perguntou ainda o puxando. – Não fique tão tenso. É só uma festa. Aqui, tome isso.
Haivor segurou uma taça junto dela, o líquido avermelhado parecia borbulhar. Ele tomou metade. Sua careta fez Lina dar uma risada.
– Deuses, o que é isso? – Haivor ainda mantinha a face contorcida. – Parece que bebi facas pequenas que cortam a garganta.
O homem ao lado da mesa servia as taças quando ouviu.
– É Rum Twine, senhor. – Ele mostrou a garrafa ao lado das taças. – Nos foi dado como presente. Dizem que é uma das bebidas mais ardentes que existe.
– Não estão errados.
Os dois pararam para assistir Lina virar a taça de uma vez só, limpar a boca e segurar um arroto. Ela encarou os dois ainda de boca meio aberta e sorriu com a mão tapando os lábios.
– Não vou falar que estou acostumada para não deixar os dois envergonhados.
– Impressionante – o homem respondeu, curioso. – Haverá uma competição de taças ao longo da noite, senhora. Se quiser participar, vamos guardar uma cadeira.
Lina já estava puxando Haivor novamente quando acenou em afirmação.
A música do fundo era agitada, com batidas ritmadas e vários dos convidados pareciam se divertir entre si, dançando levemente. O imenso Salão de Festas fazia jus ao nome porque Haivor tinha ido ali algumas vezes e sabia o quão vazio era durante os dias comuns. Já tinha andado por todo Castelo Negro por lugares solitários para estudar seus conceitos de magia, então, circular ali era comparar uma aura morta com uma completamente distinta.
Lina o puxou novamente para perto de si, o segurando pelo pescoço. A música havia mudado novamente, tão lenta que os convidados pararam de dançar para apreciá-la. Havia um violino no meio, talvez um piano, Haivor não decifrou a tonalidade.
– Você continua tenso – disse Lina. Os olhos dela não paravam quietos, fitando cada parte do rosto dele. – Por que meu instinto diz que você não quer estar aqui?
– Isso tudo – ele olhou ao redor – é estranho para mim. Não sou acostumado a festas, nem mesmo as pessoas. Não é culpa sua.
– Sei que não é. Estou só curiosa para saber mais sobre o homem que dizem ser um dos Adesir mais perigosos do mundo. – Outros convidados seguiram os passos deles, se juntando a dança lenta, grudada um ao outro. – Eu não sei nada sobre você ainda, Haivor.
Ninguém o conhecia muito bem.
– E o que quer saber?
– Quero saber o que está escondido embaixo da camada de Adesir. Quero saber quem vive ai dentro. – O dedo dela passou pelo terno liso, indo do peito ao pescoço. – Quem é Haivor, de verdade?
Um homem que nasceu no nada? Ele não responderia isso. Um órfão aceito por caridade aos Adesir? Pior ainda. Sua história não era nobre, não era bonita. Nem mesmo gratificante. Podia não gostar de nada do que tinha passado, mas o levaram até aquele momento.
Prestes a falar, alguém os abordou pela lateral.
– Você. – O rapaz era meio alto, com o cabelo encaracolado, com um porte menos franzino do que da última vez que tinha o visto. Era Marco Pollo, usando um traje bem simples de festa, com um sorriso largo e alegre no rosto. – Eu achei que era mentira quando disseram, mas está vivo. De verdade.
– Marco. – Haivor o saudou como se fossem velhos amigos, com um longo abraço. – Achei que você não viria nos encontrar aqui na Muralha.
– Eu não poderia perder a chance. – Ele ainda fazia uma longa observação de cima a baixo. – Devo admitir que essa roupa realmente cabe melhor em você do que a de Adesir. Trocou a magia por política?
– Minha vida pertence a magia, de uma maneira ou outra.
Marco riu com gosto.
– Mas, creio que deverá fazer um parâmetro no futuro porque terá que dividir essa vida com a linda mulher que está em sua companhia. – Ele tomou a mão de Lina, em um cortejo veloz, sem tocar os lábios no pulso dela. – É sempre uma honra, senhorita Lina.
– Não nos vemos desde Patrono, não é, Marco? – Ela falava com sutileza. – Sua luta contra o rei no último ano tem sido muito resistente. Devo agradecer por não ter se rendido a exclusões que ele tem feito.
Marco não parecia abalado.
– Luzin conhece apenas as leis e as pessoas que gostam de babar seu ovo. Meu pai me ensinou a verdadeira luta, e não posso deixar minha única cliente na mão.
Dando um passo para o lado, deixou Haivor ciente de que Kusha, a Bruxa, permanecia ao lado dos velhos homens, segurando uma taça. Ela sentiu seu olhar, e ambos se fitaram por segundos até que o copo dela foi erguido e um leve aceno de cabeça foi feito. Haivor respondeu o aceno.
– Nunca ia esperar encontrá-la aqui – Marco disse. – Não sei como fizeram para tirá-la de Alcatha, mas devem saber que isso claramente chegou a Luzin. Ele deve estar furioso, agora.
O diplomata ainda se divertia com política como uma criança brincava com jogos de tabuleiro, com avidez e entusiasmo. Um dos seus colegas o chamou, e Marco se desgrudou de ambos, não antes de dizer:
– Nos encontraremos depois. Ainda quero uma conversa sobre tudo.
– Até mais, amigo.
– Um rapaz tão cheio de vida – Lina comentou. – Nem parece que Luzin o quer morto.
– Meio difícil achar alguém como ele. – Haivor foi sincero. Marco parecia desgarrado dos outros convidados, mas quase todos o conheciam. Ele estava se aproximando da vida que queria.
Quem os abordou logo depois foi Kralus. O velho Mago suspirou ao ver sua filha, e sorriu quando viu seu terno sendo usado. Ele mesmo usava um traje diferente, suficiente para assegurar a barriga.
– Serviu direitinho – disse. – Pode ficar com ele. Não me serve faz muito tempo.
– Nunca que eu ia imaginar que você era do mesmo tamanho que eu. – Haivor segurou o próprio terno, sorrindo. – Deve ter bebido muita cerveja para você ter chego a esse tamanho ai.
– Ser gordo tem suas preferências, mas do que adianta ser magrinho como você e não ter bebido todas as cervejas do feudo? – Ele ergueu os ombros, convencido. – Sou abençoado por tudo que tenho, incluindo é claro a bela mulher que segura a mão.
O sorriso de Lina foi aconchegante, a fazendo apertar ainda mais sua mão.
– Ptitsa deve fazer um anúncio sobre a chegada dos Twine, Kusha e Marco Pollo. Estamos apenas esperando Pojan chegar, parece que ele ficou agarrado com algumas das suas roupas antigas de rei. Está indeciso do que usar na ocasião.
– Entendo perfeitamente. – Haivor segurou o colarinho do terno, meio angustiado. – Isso aqui é completamente desconfortável.
– Pode ir vê-lo, então? Como você tem passado mais tempo do que os outros, acho que podia tirar um pouco da tensão dos ombros dele.
Haivor fez um aceno.
– Claro. Deixo Lina em suas mãos.
– Não demore – ela respondeu ao passar para o lado do pai. – Se lembre que irei competir hoje. Quero que esteja presente.
– Estarei.
Quando ele saiu do Salão de Festas, soltou um suspiro profundo de alivio. Cumprimentou alguns dos convidados com um aceno e passou pelo corredor em direção ao pátio interno. De lá, fez o caminho ao Castelo Interino, onde entrou por uma das portas laterais e achou Sami, o guarda-costas, junto de Wass na porta.
– Haivor – ele disse, surpreso. – O que faz aqui?
– Kralus me disse que Pojan está com dificuldade em escolher a roupa que vai usar. Achei que como sou desacostumado tanto quanto ele, podia ajudar com alguma coisa.
Pela face nervosa de Sami, parecia difícil.
– Tente – Wass quem respondeu, secamente. – Sami e eu estamos tentando fazer isso desde cedo.
A porta foi aberta por dentro, Pojan se assustou ao ver Haivor, mas o mandou entrar com sutileza. Dentro, o rei foi direto para a cama onde um punhado de roupas estava alinhada. Ele parou na frente delas, segurando o queixo, indeciso.
– São tantas – disse, por telepatia. Haivor já estava acostumado com a forma de comunicação deles. – Não sei o que usar, faz tanto tempo que não vou em uma festividade. Sinto como se meu peito estivesse perto de fugir do peito.
– É a primeira vez que vejo o rei dos Twine tão inconformado.
– Pare de se divertir com minha angustia. Estou falando sério, Haivor.
– Escolha aquela que te faça mais rei. Eles vão fazer um discurso, você vai estar no meio.
– Sim, eu sei. – Pojan tomou as mudas vermelhas, longas e penetrantes, como se fosse o próprio fogo encarnado. – Essa chama muita atenção. Parece que estarei lá para ser o centro das atrações. Não quero isso.
– Os Twine usam vermelho como costume.
– É a nossa cultura usar vermelho para representar as batalhas. – Pojan ainda permanecia sério, encarando as roupas. – O vermelho, então?
– Sim, o vermelho. Vai estar enfrentando o olhar de todos os convidados da Muralha, além de outros convidados especiais.
– Kusha e Marco Pollo, o diplomata dos não-humanos. – Ele claramente já sabia de tudo o que ia acontecer. – Preciso me vestir, pode esperar com os outros, por favor.
– Claro. – Haivor saiu pela porta, encontrando Sami sozinho. – Onde está Wass?
– Banheiro. Ele tem o mesmo problema que meu rei para festas. – Sorriu como se fosse um vencedor nesse aspecto. Wass já ganhava dele nos Jogos de Mentes fazia cerca de dois dias diretos. – Conseguiu falar com ele?
– Vermelho.
Sami assentiu.
– Bom gosto o seu.
– Só escolhi o que vocês costumam usar.
Wass retornou segurando a barriga, mas ao ver Haivor, mudou a postura para uma ereta e um semblante mais frio.
– No final das contas, vocês são mais normais do que eu achava.
– Nunca dissemos que somos diferentes.
A porta se abriu novamente e Pojan saiu. O longo manto vermelho o deixava vibrante, perfeitamente alocado como uma realeza de tamanho poder. Usava uma coroa quadricular para o alto, e uma fita central na cintura.
Sami e Wass caíram de joelhos na mesma hora.
– Está exuberando, meu senhor.
– Vossa graça está impecável.
Pojan abanou a mão.
– De pé. Estamos atrasados e não quero que todo mundo fique se ajoelhando cada vez que eu passar. Avisem a todos, por favor.
Wass foi na frente, usando a telepatia para ligar a todos dos clã Twine. Sami fechou a porta e seguiu por trás. Haivor se uniu a Pojan, caminhando ao seu lado.
– Ouvi por ai que você tem uma ligação bem diferente com Kusha – Pojan disse ao atravessarem o Castelo Interino pela passarela. Em dois minutos, estariam no Salão de Festas. – O que acha da magia dos Bruxos?
– Sinceramente, acho fascinante. Eles conduzem a magia a uma escolha íntima. Mas, um pouco limitante.
– Sua honestidade é sempre confortante. A limitação que existe nas magias hoje em dia se dá porque esperamos que seus conceitos sejam mais profundos do que nosso autoconhecimento sobre ela. Kusha sabe bem disso, assim como meu pai a avisou, eu também avisei.
Haivor o olhou de lado.
– Já se encontraram antes?
– Haivor, esse mundo é pequeno demais para pessoas como nós não nos encontrarmos. O título ‘Senhora’ que ela carrega tem um significado muito maior do que as pessoas pensam. Ela é como uma relíquia para esse mundo.
– A idade dela.
– Não tenho dúvidas de que ela contou um pouco da história, mas existem coisas que não falamos aos outros. – Pojan não foi nada intimidante ao falar. – Apenas esperamos as pessoas corretas para nos livrarmos do grande fardo que carregamos.
Chegaram ao Salão de Festas. A roupa de Pojan chamou atenção na hora. Os olhares dos convidados eram maravilhados, dando espaço para sua chegada silenciosa. Aqueles que conheciam os Twine claramente estavam acostumados ao silêncio, mas para os moradores, curandeiros e soldados que os viam pela primeira vez ficaram pasmados.
– As pessoas comuns gostam de endeusar os outros – Pojan disse. – Seus pensamentos são tão claros quanto águas cristalinas. É ótimo que eles sejam pessoas boas, mesmo que seus corações sejam menos convictos.
– Ninguém é perfeito. – Haivor fez um aceno para o caminho a qual tomar dentro do Salão. – Nem mesmo o grande rei Pojan.
– Por mais que soe rude, gosto da sensação de imperfeição.
Ele chegou até onde Kusha e Ptitsa estavam, e com um aceno longo de cabeça, saudou ambos.
– Sua vestimenta condiz bastante com sua grande, rei Pojan. – Kusha piscava lentamente, falando normalmente. – Faz bastante tempo desde que nos vimos, achei que nunca teria a oportunidade de estar dividindo uma sala de festas.
– Eu não daria esse prazer, Senhora de Kusha. Seu vestido, tenho certeza que você usou da última vez, é o que foi dado por meu pai, não é? Quando ainda eram amantes.
Haivor e Ptitsa se encararam. Ambos foram pegos de surpresa.
– É um pouco inconveniente dizer algo tão aberto assim – Kusha manteve a rigidez. – Tenho certeza de que seu casamento com uma das minhas filhas também não foi tão agradável, não é? Seus conceitos sobre a limitação da mana tornaram tudo tão… instável.
– Ainda tenho meus princípios, algo que ambos não cedemos.
Ela afirmou levemente com a cabeça e focou em Haivor.
– Eu lamentei pela sua morte quando soube que tinha sido morto. Minha alegria em vê-lo aqui é muito acima do que posso expressar. – Ela esticou a mão e Haivor segurou, com um cortejo leve de inclinação. – Ter enviado os restos mortais de meu filho foi um ato nobre que sempre guardarei no coração.
– Era o mínimo que eu poderia fazer, senhora.
– Ptitsa me contou sobre seu problema. Eu queria poder ajudar mais, porém, sabendo do que sei, concordo que a opção desse velho curandeiro seja mais apropriada.
Pojan interveio com sutileza:
– Não falemos sobre os problemas relacionados a magia hoje, por favor.
– Espero que eu nunca fale sobre magia com você, Pojan. – Kusha lavava as mãos em relação a ele, nem mesmo o tratava como um rei. Haivor não sabia de algo relacionado aos dois, mas o relacionamento era estreito. – Estou aqui hoje porque tive opção, não por obrigação.
– O norte está mais caótico do que quando esteve por lá, então, não há nada que posso fazer sobre isso. Protejo os meus filhos e filhas da maneira que posso, assim como tenho certeza que faria.
Haivor cutucou Ptitsa com o cotovelo, e a Velha Ave entendeu o recado.
– Bom, acho que podemos ter um pouco mais de conciliação aqui. – Ptitsa deu uma breve olhada para Haivor. – Pojan e eu temos que conversar sobre algumas outras situações recorrentes. Por favor, fique com Kusha e a entretenha.
A Bruxa manteve o canto dos lábios erguidos.
– Será a melhor companhia que poderia ter hoje.
A solidez de Pojan se encontrou com o mistério de Kusha. Eles se separaram, não antes de alfinetarem um ao outro visualmente. Quando o rei Twine estava longe, Haivor sentiu a leveza espreitar na Bruxa.
– Muitos homens camuflam suas faces para o mundo – ela disse. – Se Pojan fosse assim, seria um ato de benção para todos.
– Pelo que vejo, não é só isso que você não gosta nele.
Ela fez uma cara de tédio.
– Se eu me relacionasse com pessoas comuns, estaria morta antes mesmo de completar metade de uma centena de anos. – Tomou uma taça do garçom que passou por ali. – A história que Pojan e eu partilhamos é um pouco mais complexa do que aparenta, mas não vim até aqui para falar dele. Você é meu ponto principal.
– É o que todos dizem depois de me ver – ele liberou um sorriso. – A Normadie foi um erro que ainda estou tentando processar.
– Está falando de Lorde Gruu?
O sorriso de Haivor morreu ao ouvir aquele nome.
– Eu sei que você esteve lá. Gruu me contatou depois de você ter enviado o crânio de um dos meus filhos mais velhos, mas ao saber que estava lá pelas mesmas intenções, eu sabia que sua vida estava chegando perto do fim.
Ela falava com tanta calma que Haivor quase achou que a história não era com ele.
– Eu tentei argumentar contra Gruu. Mandei que ele mandasse alguém para avisar a você, mas você já tinha encontrado Agnes. Aquela mulher já me deu muitos problemas, e saber que ela está morta me alivia bastante.
– Queria sentir esse mesmo alivio. – Ergueu o braço, mostrando-o todo enfaixado. – Ela me deixou uma lembrança meio difícil de esquecer.
– Todas as grandes batalhas nos trazem lembranças desagradáveis. Essa é apenas uma temporária. Ptitsa me falou que não é só a maldição dela que está agravando seu estado, mas três delas. É a primeira vez que vejo alguém conseguir andar com mais de duas, nem cogitei em três. Sua sorte é grande.
– Sorte. Devo agradecer seu filho por estar vivo. – Abriu e fechou a mão, rondando a mana pelos dedos e palma. Kusha sentiu a ondulação. – Quando eu toquei nos restos mortais dele, absorvi muito de sua experiência, além de sua antiga magia oculta.
Haivor esperou Kusha falar algo, mas ela continuou com a taça erguida, o fitando lentamente. Não era hostilidade, era um clamor estranho.
– Meu filho… te salvou? – ela conseguiu dizer, a voz saindo meio falhada. O rosto ainda impassível. – Juno era o ‘Filho das Folhas’. Um dos melhores e mais amados de minha casa. Ele era como um irmão mais velho para todos, e sua magia era tão preciosa que eu tinha medo de que o mundo inteiro o temesse quando chegasse a hora. Infelizmente, ninguém nunca o viu. Me orgulho e muitos dos meus tesouros, Haivor, mas quero que eles cresçam tão saudáveis e seguras quantas as pessoas normais.
– É mais do que normal pensar assim sendo a mãe deles.
– Mas, protegê-los demais fez com que Juno quisesse testar seu valor para mim, por esse fato, apenas por segurança, ele quis enfrentar a Normandie. – O peito dela se elevou e decaiu lentamente. – Ouvir que você está vivo por causa da magia dele, isso me deixa muito feliz.
A expressão dela não indicava felicidade, mas sim uma tristeza amargurante.
– Quando eu li as informações de seu filho, também li o que ele pensava e sentia em relação a casa. – Haivor esperou Kusha focar em suas palavras. – Antes de morrer, antes de Agnes ter usado uma magia obscura, ele pensou em todos vocês, e sentiu orgulho. Não de estar ali, não de estar prestes a honrar sua família. Ele estava orgulhoso de ter sido criado por você.
Haivor segurou a mão de Kusha delicadamente, apertando delicadamente, e sendo respondido por ela. O que surgiu dos olhos de Kusha foi uma minúscula bolsa de água que escorreu pela bochecha.
– Você é uma pessoa incrível, Haivor. E eu agradeço muito por tudo o que acabou de dizer.
– As memórias dele te pertencem, Kusha. Não agradeça a mim.
Haivor queria continuar dizendo sobre as lembranças de Juno. As habilidades dos Bruxo foram essenciais para que permanecesse vivo, e estava aos poucos se acostumando com a nova habilidade de sucção de magia, porém, Ptitsa subiu os degraus um pouco distante, se elevando a todo público.
Kusha foi quem continuou a conversa:
– Depois, gostaria que me dissesse tudo o que aconteceu com meu filho. Por favor.
Ela se desgarrou dele e caminhou entre os espectadores, não só ela, mas Kralus, Oiajim, Olivier, Adam, Rubem, Pojan e seus dois guarda-costas, Marco Pollo, mais a direita e Lina ao seu lado. Eles se reuniram estando a vista de todos.
A música morreu lentamente enquanto Ptitsa elevava a voz:
– Hoje, damos início a uma grande comoção. A Muralha deixa de ser um ponto esquecido por Luzin, e entra em novos domínios. O antigo rei Luzin, Alfredo, soube que um dia esse dia chegaria, um dia que ninguém estaria a salvo, nem mesmo os mais poderosos. Hoje, temos a oportunidade de mudar e salvar vidas inocentes. Olhem para as pessoas ao seu lado, elas estão aqui porque acreditam que podem ter uma vida melhor. E nós faremos de tudo para que isso seja concretizado. A maior rede de cura está aqui na Muralha, a maior força de guerreiros treinados está aqui, temos o apoio de pessoas de suma importância ao nosso lado, pessoas como o rei Pojan Twine e a Senhora de Alcatha, Kusha. Marco Pollo nos mostrou a bondade de comparecer mesmo com sua agenda lotada, e Rubem e Adam, ambos possuem uma grande vontade de nos verem crescer. Digo e afirmo, todos estamos aqui para ver a prosperidade. No entanto, existem aqueles que não buscam os mesmos que nós. O rei Luzin e os Magos da CBK são exemplos claros. Buscam destruir o que estamos prestes a construir, buscam destronar nossas ideias e nossos méritos. A vida é para ser vivida da maneira que quisermos e ninguém pode nos dizer o contrário. Ninguém.
Os aplausos vieram de algumas dezenas de pessoas. Ptitsa falava como se fosse um diplomata, até Marco Pollo estava impressionado, com um semblante risonho.
Haivor estava ao lado de uma das pilastras, escorado, tomando uma taça de rum Twine quando algo em sua mente ondulou. Ele encarou Pojan rapidamente. Não somente ele, mas várias pessoas usando os mantos vermelhos do Twine caminharam pelo salão na direção das vidraças.
– É um ataque – Twine alertou todos os convidados ao mesmo tempo, pegando muitos moradores e curandeiros de surpresa. – Abaixem-se, agora.
Haivor não teve tempo, quando dirigiu o olhar para as largas janelas, o brilho que emanou de lá foi veloz. Os Twine ergueram um círculo mágico imenso que protegia o interior. O choque balançou tudo, e os símbolos e runas foram estraçalhados de uma vez só.
A parede do salão foi jogado pelos ares, sumindo instantaneamente. Os Twine foram lançados para trás, caídos de costas, ensanguentados, e que estavam muitos próximos foram arrastados junto. Mesmo estando longe, Haivor foi empurrado contra a parede, batendo de costas e caindo sentado.
O silêncio do outro lado, de onde o inimigo estava, era assombroso. A mente de Haivor estava nublada com o choque, os gritos de dor e angustia zuniam ao seu redor. Viu dois Twine caídos, e um deles tinha a mão esticada. Haivor respondeu, o trazendo para perto de si.
O rosto estava cortado na sobrancelha, seu olho estava torcido para o lado e segurava seu próprio peito, aberto e pulsando sangue. Com os dentes avermelhados, falhava em dizer:
– Proteja… o rei… a todo…
A cabeça dele dele tombou para o lado, e sua respiração cessou.
– Pai. – Ouviu Lina gritar. Haivor a buscou no meio das pessoas erguidas. A mulher estava ajoelhada diante Kralus, com metade de suas pernas soterradas por pedras soltas das paredes. – Consegue respirar direito?
– Consigo, tire isso de cima de mim, agora.
Pojan ajudava Kusha a se levantar, mas o Twine estava muito mais alerta do que os outros.
– Temos que sair agora – ele falou alto. – Evacuem todos. Clã Twine, levem todos embora.
O Comandante Coiil estava de pé, com um ferimento do braço, mas gritava para todos os soldados. A Muralha era imensa com quantidade de mãos de obra a deriva, um grito seu e os salões estava sendo invadido com soldados, puxando os caídos para fora.
– Haivor – Pojan falou em sua mente, bem nervoso. – Não temos tempo. Eles não vão parar, creio que seu inimigo não é somente mais um inimigo. Essa magia não foi derivada de mãos limpas, ela foi feita por uma pessoa sanguinária.
– O quer que eu faça? – Haivor já estava de pé.
– Agora, nos resta recuar.
Então, uma aparição saltou lentamente para o buraco na parede. O toque sereno e áspero. Os que ainda estavam presentes pararam para encarar o rosto fino e olhos afiados, uma boca lisa e um nariz pontudo. Ela vestia uma roupa larga, mas que não era nada habitual entre os moradores mais pobres de Luzin.
A aparência enganava a aura emanada dela.
– Pojan, se afiliar a um povo tão pobre de magia – ela disse, casualmente. – É uma última forma de dizer que se rende? Esperava mais de sua barreira. Eu tive que usar apenas uma magia de ocultação para sair dos seus sentidos.
– Carlotta. – Kusha quem ficou surpresa. – Ainda está viva?
A mulher, mesmo sendo pequena, soltou um ar admirado e surpreso ao reconhecer a mulher ao lado do rei Twine.
– Isso é verdadeiramente inesperado. A Senhora de Kusha. Nunca esperava encontrá-la aqui. Isso deixa as coisas mais interessantes. – Ela encarou ao redor, para os corpos mortos, caídos e desmaiados. – Vai ser divertido, como Luzin disse que seria.
Ptitsa levantou-se com a ajuda de Oiajim.
– Você está com esse verme?
Lina ergueu as pedras do corpo de seu pai. Kralus tinha ferimentos espalhados por toda a a perna. Alguns graves. Marco Pollo estava sendo puxado por Zemlya para os fundos, Adam e Rubem também se afastavam rapidamente.
O peito de Haivor ardia. A sensação que Cartolla emanava era a mesma de Agnes; aterrorizante e esmagadora. Ele podia sentir a mana dos mortos sendo levada para ela, a fortalecendo segundo a segundo.
– Posso me divertir com tantas pessoas interessantes – ela disse. – Tantas pessoas para usar, eu estou tão contente.
A personalidade, o tom de voz, era como se fossem a mesma pessoa em corpos diferentes.
Ela é perigosa demais. Recue.
Não. Fique e mate a desgraçada.
A magia dela é forte, deve ser interessante lutar contra ela.
Observe e aja.
Era quatro vozes lutando dentro de sua mente. Os dedos da mão de Haivor tensionaram, e ele dobrou os joelhos. A quantidade de mana que fluía dos caídos foi dividida em dois fluxos diferentes. A pressão esmagadora de Carlotta foi partido no meio, surtindo o efeito de uma criatura tão sanguinária quanto ela.
– Oh, você eu não conheço, mas presumo que seja aquele que derrotou Agnes. – Carlotta virou-se para ele. – Sua força não parece nem mesmo suficiente para vencê-la em um combate normal, então, acho que foi sorte. Não. Tão fraco. Ela te deixou viver, não foi? Ela gostava de mostrar superioridade e você está aqui porque ela teve pena.
– Haivor – Pojan surgia em sua mente. – Não ataque. Carlotta é uma Imperadora, utiliza o sangue das criaturas para se fortalecer. Estamos em desvantagem aqui.
– Ela também está.
Com um puxão de ar, a concentração de mana que tinha sido partilhada foi desbalanceada para o seu lado. Carlotta reparou na ondulação e sorriu.
– Ah, uma magia oculta de absorção. Você é parecido comigo.
– Haivor – Pojan insistia. – Não ataque. Ela é muito perigosa.
Os braços do Adesir estavam tremendo quando se mexeu. Ele encurtou a distância de vinte metros e um círculo mágico cresceu, não ao redor do braço esquerdo, mas encrustado nele. Seus dedos agarraram a garganta dela e a jogou para fora do salão de festas, pelo buraco.
Segurá-la deu a oportunidade de ler sobre a mulher, e viu cada pedaço de suas lembranças, desde a infância, até sua renomada posição como Carniceira Imperadora. Carlotta voou para fora, dando tempo para que Haivor ordenasse aos outros.
– Vão, façam uma barreira. Curem dos feridos.
– Vou ficar – Kusha manteve-se firme. – Estou tão furioso quanto você, Haivor. Essa mulher merece a morte por tudo o que fez.
Uma das lembranças de Carlotta foi um massacre em um imenso grupo de Bruxos de Alcatha. Kusha queria vingança, mesmo que tivesse sido a 80 anos atrás. Ela e Carlotta eram tão velhas quanto o tempo.
– Ela é uma criatura maligna – Pojan explicou em Ligariano. – Os poderes dela são fora de série. Não se pode enfrentá-la sem um plano. Haivor, você ainda não está em posição pra lutar. Volte conosco.
– Não. – Haivor uniu as duas mãos, como Juno faria. A mana de tudo ao seu redor começou a se reunir em seu núcleo. Quanto mais sugava de fora, mais seus sentidos se aguçavam, mais sentia sua força voltar ao normal. – Eu vou matá-la. Vou tirar aquele sorriso da cara dela.
Pojan procurou Lina e Kralus, que estavam tão abismados quanto ele. Não era somente o rei Twine quem estava vendo a mana dos corpos mortos sendo puxados com tanta intensidade e se transformar em uma aura dividida em quatro cores diferentes ao redor dele.
As três maldições que habitavam o interior de Haivor estavam respondendo ao pedido dele ao mesmo tempo, revertendo seu desejo de matar Carlotta em mana e liberando para ele.
Até mesmo Kusha que nunca demonstrava surpresa, estava chocada.
– Eu nunca vi nada parecido.
– A mente dele – Pojan ainda estava imóvel – está dividida em quatro partes diferentes, cada uma delas buscando possibilidades ilimitadas do que fazer a partir de agora. Os fragmentos se desmembram, e ele cria outras, como se fosse simplesmente uma parcela do que deveria acontecer.
– Você ensinou o Jogo de Mentes.
– Isso não é mais um jogo, Kusha – Pojan quase sussurrou. – Ele fez do Jogo uma arma.
A aura de quatro cores sumiu inesperadamente. Haivor separou os dois braços ao mesmo tempo que um vulto negro surgiu do lado de fora da Muralha, sobrevoando com asas feitas de penas vermelhas.
– Não esperava por isso – Carlotta disse com a mão no pescoço. – Cortou a ligação que eu tinha com a mana e me jogou para longe. Isso te deu tempo, mas ninguém está recuando. Eu vejo, Agnes realmente te deixou viver, mas por outros motivos. Isso é tão interessante.
Uma quadrado mágico se formou ao comando dela. Eram rudimentares, os símbolos pulsavam como se estivessem vivos, e um ruído emergia no silêncio da noite. Quadrados mágicos eram raros, mas poderosos.
– Mas, eu já me alimentei do necessário. Não é a mana que me satisfaz. – Um imenso brilho amarelado saltou para fora da runa, sendo atirado em direção a Haivor. – É o sangue fervilhando.
A energia era bruta, usada para destruir algo em escalas enormes. Carlotta poderia acabar com a Muralha em menos de três golpes se continuasse atirando daquela forma.
Haivor apontou o dedo e uniu sua mana com a do disparo amarelo.
– ‘Intangibilidade’.
O disparo acertou a muralha, mas sumiu na mesma hora.
– O que foi isso? – Carlotta cruzou a sobrancelha. – Isso não é uma magia.
– Meu corpo inteiro está pedido por isso desde o momento que acordei. – Haivor uniu as mãos novamente. – Pedindo que eu destrua tudo o que está ao meu redor. Sinto uma raiva imensa dentro do meu corpo, e a única coisa que me impede de fazer isso é porque sei que no momento que eu me descontrolar, vou levar tudo comigo.
Carlotta deu uma risada.
– Você também sente isso? Então, o que está esperando? Venha me pegar.
Haivor respirou fundo.
– Ptitsa, leve Kralus e os outros.
– Você não está em posição para pedir as coisas – a Velha Ave gritou de volta. – Ouviu Kusha e Pojan, ela é uma criatura pior do que Agnes.
O olhar de Haivor era obscuro, sólido e sensato.
– Eu sei disso. Mas, eu sei que posso ir adiante. – Ele abriu e fechou a mão. – Sinto que todo meu corpo quer lutar. E meus instintos nunca me enganaram.
– Haivor – Kralus o chamou. – Seu domínio de luta é o lugar onde sua vantagem é iminente. Não a deixe tomar isso de você. Sua confiança e leitura. Se baseie nisso.
– Não posso me esquecer.
Com um passo, se atirou no ar fazendo dois machadinhos aparecerem em sua mão. Ele jogou ambos na direção de Carlotta, que desviou de ambos facilmente com um sorriso.
– Ataques físicos? Quem pensa que eu…
Carlotta o perdeu de vista. Ela girou o rosto para trás. Haivor estava no lugar de um dos machados com o punho esticado para trás. Três golpes no rosto, um no peito e um chute na barriga, a lançando para o alto.
Haivor ergueu a mão na direção dela. Um anel de gelo cresceu ao redor e um casulo a prendeu. No entanto, uma chama negra explodiu o anel de gelo, destroçando-o em fragmentos.
– ‘Molde’.
Os fragmentos de gelo se tornaram faíscas, atiradas em Carlotta. Ela brandiu o braço e o ar contornou ao seu redor, desviando-os.
– Você é previsível – Haivor disse. Cruzando os dedos indicador e médio da mesma mão, girou-o no ar. – ‘Desfoco’.
As lembranças do Absolver Ioni sobre sucção da vida, as lembranças de Agnes sobre a sução da vitalidade, as lembranças de Juno sobre a sucção de mana. E no fundo, Cross mantinha seus braços cruzados na frente de um abismo. Ele sorria, mas o proibia de passar.
– Volte – é o que sempre dizia. – Você pode fazer isso. Acredito em você.
E Haivor acreditava fielmente nessas palavras.
Um imenso clarão tornou a noite iluminada. O brilho cegou Carlotta por segundos, e Haivor usou esse tempo para se mexer. ‘Fortificação’, ‘Solidez’, ‘Aumento de Pressão em Quatro vezes’. Nas costas da Imperadora, seu punho colidiu contra um quadrado mágico e raízes feitas de sangue prendendo seu braço ao dela.
– Você não é diferente – Carlotta virou-se e bateu suas duas mãos contra o rosto de Haivor. O zunido foi alto, mas Haivor permaneceu inalterado. – O quê?
Ele ergueu o pé e acertou o chute. Os comandos não tinham sido enviados para o braço. Ele tinha previsto o movimento dela. Sua mente estava trabalhando em quatro maneiras diferentes para se chegar a uma conclusão da vitória.
Perder era amargurante, era nocivo. Tanto ele, quanto Cross, quanto Agnes, Ioni e Juno odiavam perder. A derrota levava a morte. Os quatro morreram e as lembranças e desejos de saíram vitoriosos eram maiores do que a naturalidade de Haivor de querer se sobressair sobre o oponente.
Seu chute penetrou o quadrado mágico e lançou Carlotta direto para o solo. Se lançou atrás dela, batendo sua sola contra seu peito, a afundando mais ainda, rachando o solo. Encarava a face conturbada dela, dolorida, chocada.
– O que é você? – ela perguntou com imensa dificuldade. – Quem é você?
A mão direita de Haivor se abriu.
Pegue tudo dela.
Arranque o poder dela.
Não a deixe ir.
Vitória.
– Sou Enigma. – Ele fechou o punho. – Um Adesir.
Feitos raros aconteciam no mundo, onde seres capazes de superar a si mesmo, um dia chegavam a temer. O medo da morte, o temor apenas de palavras proferidas, o punho erguido enquanto a aura emanada era suficiente para estraçalhar tudo ao seu redor.
Carllota conhecia a história de Agnes e Haivor, o Adesir. Era comumente dito que a Normandie tinha perdido justamente porque subestimou seu adversário. Carllota conhecia Agnes bem o suficiente para saber que o inimigo deveria ser sortudo demais.
Estava errada. Sentia o medo da morte, o medo de ter tudo carregado de sua vida. Os olhos de Haivor, daquela criatura que se dizia Adesir, eram negros pela superfície, mas o sangue dele era tão quente. Fervia como um vulcão em tonalidade diferentes.
Choque, não. Era pavor. Sua única saída era fugir, para longe, para qualquer lugar. O que deveria fazer é fugir. Agora.
– ‘Transferência Corporal’.
O punho contorceu o solo. Carllota não estava mais ali, mas esmagava algo. Um corpo moribundo, enegrecido, com um círculo mágico fraco, se desfazendo com o tempo. Haivor praguejou, ela fugiu. Só a sensação de ter deixado ela escapar fez sua adrenalina decair e seu corpo esfriar.
A sensação de estar em comunhão com Ioni, Agnes, Juno e Cross se desfez completamente. Do transbordar da mana e do afiado senso de liberdade a novamente prisão da falta de poder.
Do buraco do salão de festas, Kusha e Pojan encaravam Haivor.
– Seu pai uma vez me disse que haveria um dia que eu me impressionaria com a magia. Nunca acreditei muito nas palavras dele, mas as guardei secretamente. – Kusha abraçava a si mesmo usando um casaco longo. – Quis acreditar nas palavras dele de certa forma porque esse mundo sempre foi chato e previsível para mim.
– Eu entendo a sensação – Pojan respondeu. – Na verdade, meu pai dizia que haveria um dia em que eu me surpreenderia porque minhas habilidades não conseguiriam ler alguém. Eu não queria acreditar, não até hoje.
– Faz um ano e meio e as palavras de Ragun ainda soa como uma música. E aqui estou eu, impressionada pela magia. A limitação que ele dizia que os Bruxos tinham, eu consigo entender perfeitamente agora.
Pojan concordou.
– E a insignificância da telepatia comparada ao poder que o clã Twine busca. É como um tapa em minha face.
Os dois continuaram observando Haivor do lado de fora da Muralha.
I
Carlotta surgiu dentro de uma casa de pedra, rodopiando com os braços abertos, hematomas apareciam em seu braço e peito, o pescoço ainda marcado pelo agarrão de Haivor. Tinha sido perfeito.
– Está acontecendo de novo – Zimio disse, do fundo. – Carllota encontrou alguém interessante.
Gill olhou para a mulher, ainda segurando as cartas do baralho na mão.
– Ei, carcereira de gaiola, quem estava lá?
Carllota parou de girar, sorrindo de orelha a orelha.
– Todos eles. Pojan Twine. O Mago Branco. A Senhora de Kusha. A Velha Ave. E tinha aquele homem. Achei que ele tinha morrido, mas Agnes não o matou.
Gill e Zimio abaixaram as cartas, curiosos pela ultima menção.
– O Adesir não morreu?
– Não. – Ela segurou o próprio pescoço. – E ele me segurou, me jogou, me bateu. Senti o sangue dele ferver, prestes a me matar. Os olhos dele, eu sabia que estavam pegando fogo, mas vi mais de quatro pessoas querendo me matar. Até mesmo a Agnes estava dentro dele, pulsando mana, alimentando a aura dele. O Enigma, é como se chama.
– Merda – Zimio bateu na mesa. – Luzin não disse nada daquele desgraçado estar vivo. Os Adesir não deveriam estar no feudo.
– Ele era tão forte – continuou Carllota lambendo os próprios lábios. – Tão forte que não tive reação nenhuma. Ele sugava a mana de tudo, uma magia oculta tão poderosa, e conseguiu ler meus movimentos perfeitamente sem que eu desse nenhuma indicação. Ah, ele é tão bom.
Frida estava no sofá, lendo um livro, quieta o tempo, mas ergueu o olhar para Carlotta.
– Se você ter outro orgasmo na minha frente, juro que te coloco sete palmas de baixo do chão.
– Você não entende, Frida. – Carllota permaneceu girando de braços abertos. – Ele era perfeito. Completamente… perfeito. Estou ansiosa para lutar contra ele de novo.
– Sádica. – Zimio voltou a prestar atenção no jogo. – Quase morreu e está falando merda. Teve que usar a parte da alma de uma criança para conseguir se teletransportar e está falando isso.
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