A costa das ilhas do Grande Continente eram recheadas de rotas maritimas que seguiam apenas para um único lado, por esse fato, muitas das ilhas ficavam inacessíveis durante algumas épocas do ano. A distância de cada ilha, entretanto, sempre foi uma das razões dos imperadores sempre montarem navios e tentarem tomar conta dos comboios. A pirataria sempre atrapalhou os planos dos Imperialistas, e a Santa Cristina, a maior arte religiosa, lidava com o maior tipo de pecado existente.  

     Uma das poucas vitórias da força marítima se deu na última semana quando três navios foram destruídos. Graças a um homem a bordo usando uma estranha habilidade que poucos viam nas ilhas ou nas rotas.  

     Embora os navios não tiveram danos suficientes, optaram por atracar em uma ilha próxima.  

     Grison Byab deixava a brisa do mar lidar com o suor do seu rosto. Era o primeiro dia em terra firme, atracando em uma cidade chamada Bustap. Lugar pobre e sem a beleza do continente, as casas ainda eram feitas de madeira e musgo com cabanas espalhadas por uma via lamacenta. Se Grison não tivesse andando por tantos lugares parecidos, ficaria enojado.  

     O lugar era nostálgico. Carregava a mesma humildade que sua terra natal.  

    – Senhor Grison – o capitão do navio se aproximou. – Arrumamos uma hospedagem adequada. Gostaria de me seguir, por favor. Apresentarei o família Lio, quem governa essa cidade.

    – Ah, aqui todas as cidades possuem chefes, não é? – Seguiu por trás, descendo a rampa. Os olhares dos trabalhadores era de uma grande esplendor. Grison estava acostumado já que sua roupa era feita especialmente para ele, com atributos que nenhuma pessoa naquela ilha entenderia. Essa era a beleza do desconhecido, os olhares cativantes eram sublimes. – Qual o nome dessa ilha mesmo?

    – Senbom, senhor.

     Os dois pararam em uma viela. Vindo em sua direção, um homem careca os saudou com a cabeça e esticou a mão. O capitão o cumprimentou, mas Grison manteve-se inalterado. Vendo a reação do careca, o homem rapidamente interpelou:  

    – Esse é Grison Byab, por motivos pessoais e profissionais, ele está proibido de apertar a mão de qualquer pessoa em qualquer circunstância.

    – Não sabia que isso existia, senhor Grison. Sou Ercha Lio, o atual representante da cidade.

    – Atual representante? – Grison achou engraçado. – Não o chefe?

    – Meu pai quem carrega esse título, mas atualmente ele está doente. Estamos tentando procurar uma cura para que possa voltar a comandar. Como pode ver, a cidade não está nas melhores condições.

     Não era nem necessário fazer força. Metade das pessoas andava de cabeça baixa, a outra metade nem força tinha para ficar em pé. Nunca tinha visto tantas pessoas em tão baixo astral.  

    – Minha casa fica pouco tempo daqui. – Ercha inclinou a mão para frente. – Eu posso hospedar o senhor pelo tempo que for necessário.

     Grison apenas assentiu. Se despediu do capitão que ficaria para inspecionar seu navio, e partiu com o Ercha. Não era um homem complicado, Ercha gostava de falar da cidade e de como trabalhavam. Era típico quando tentavam impressionar os outros, mas Grison pouco fazia caso. Em sua vida, tinha ouvido histórias mais tristes ou alegres, mais ferozes ou tranquilas.  

     Uma cidade era somente um pedaço de uma história.  

    – Eu não cheguei a perguntar, mas qual a sua profissão, senhor Grison? – Ercha perguntou. – O capitão Almek disse que era de muita importância, mas não mencionou nada além disso.

    – E ficarei grato se continuarmos assim – Grison respondeu secamente. – Apenas gostaria de ficar em um quarto com pouca luz e silêncio. Não irei interferir em nada depois disso.

     Ercha concordou calado. Grison nada fez contra aquele olhar inquisidor.  

     A casa dos Lio não era nada demais, mas Grison admiro que era de dois andares. Poucos construtores conseguiam criar edifícios largos e altos, mas não era o caso dos Lio. Ele entrou sendo saudado por alguns, mas nada respondeu, mantendo sua face rígida.

     Ercha o levou diretamente para um dos quartos da parte de cima, e abriu a porta.  

    – Faremos que sua estadia aqui seja prioridade, senhor. Traremos as refeições e deixaremos em sua mão, caso queira.

    – Será ótimo.

     Grison entrou quando um rapaz saiu correndo pelo corredor e se curvou diante Ercha.  

    – Senhor, relatório. – Ele arfava, deixando Grison interessado. Conflitos menores de cidades pequenas, fazia tempo que não via.

    – Agora, não.

     Grison esticou a mão.  

    – Pode ficar a vontade, eu gostaria de ouvir.

     Ercha o encarou, surpreso, então deu o aval ao mensageiro.  

    – Pelo que parece, o senhor Oxin contratou um homem para ir atrás de Haivor. E recebemos um relatório de que ele morreu decepado.

    – Decepado – Grison perdeu total interesse.

     Ercha não ligou e pediu para que ele continuasse.  

    – O corpo estava enterrado em um tipo de cumbuca de pedra, nunca vimos nada parecido antes.

     Grison parou e olhou novamente para o rapaz, ainda tranquilo, pediu que detalhasse.  

    – É parecido quando se faz um jarro – o rapaz disse. – Os braços estavam esticados para o lado, metade do corpo preso em algo muito duro e a cabeça rolou para longe. Além de que metade das árvores ao redor estavam destruídas e muitas queimadas.

    – Queimadas. Senhor Arche, um aviso de alguém inteligente, aceitaria?

     Ercha se prontificou de peito estufado.  

    – É claro, senhor.

    – Desista de matar quem quer que seja esse Haivor.

     O animo de Ercha decaiu na mesma hora.  

    – Como, senhor?

    – Ele está fora dos seus limites pessoais. Se irritá-lo, ele virá atrás de você com todas as forças possíveis. Matará seu filho e você, e talvez seu pai. Talvez até dizime essa casa. Gostaria de ver algo assim?

     Grison já tinha visto essa reação tantas e tantas vezes. O desgosto e aflição de não conseguir o que queriam. Era a razão dos nobres, mesmo em terras pobres, serem tão ridículos. Irracionalidade era a característica principal de pessoas como Ercha Lio.  

     Estava tentando colocar o pé em um mundo desconhecido se já não o tinha feito. De qualquer forma, Grison não ligava.  

    – Quando o almoço estiver pronto, traga para mim, por favor.

     E fechou a porta atrás de si.  

    I

     A noite, depois de ter comido, Grison lia um dos poucos livros que carregava consigo. Usando ‘Dimensão Espelhada’ ele podia guardar livros e alguns outros objetos, era uma maleta cuja capacidade era muito bem feita.  

     O livro nada mais era do que descrições de magias do mais alto grau nível, com simbologia e idioma traduzido para o seu. Com ‘Olhos Tradutores’ poderia decifrar qualquer língua contemporânea sem problemas. Era assim que passava os dias inteiros, tanto no navio quanto na costa.  

     Durante a leitura, sua porta foi batida.  

    – Jantar, senhor.

     Grison abriu a porta da cama, com um movimento de dedo e deixou a moça entrar. Antes dela sair, fechou rapidamente. Ela o encarou de maneira assustada.  

    – Senhor?

    – Gostaria de perguntar algo, espero que possa me ajudar.

    – Claro. – Ela se sentou depois dele ter indicado a cadeira ao lado da cama. – O que quer saber?

    – Gostaria de saber sobre a doença do senhor Kanad.

    – Ah, o velho senhor. – Ela demonstrou uma face dolorida. – É uma doença estranha que afeta a pele. Se espalha por todo o corpo e o deixa incapacitado de tudo, parece até que está dormindo em um sono eterno.

     Grison ponderou um pouco.  

    – Parece ser ‘Belo Scromo’.

    – O quê, senhor?

    – Não é nada. Desde quando ele possuí isso?

    – Acho que dois meses. O senhor Ercha está tentando achar qualquer coisa que o ajude, mas pelo que parece, nada faz efeito. – Ela tentou disfarçar o olhar para longe. – Acho que ele fez de tudo.

     Grison esticou a mão e segurou a dela, agradecendo com a cabeça.  

    – Você me ajudou bastante, senhorita. Pode ir agora.

     A mulher saiu do quarto e a face de Grison afundou-se em uma escuridão. A mente da mulher foi completamente mapeada, suas lembranças e efeitos, até mesmo seu feito de ter deitado com Oxin Lio na noite passada.  

      Quem Oxin tentou matar era Haivor, irmão de Cross. O último era noivo da Monich, irmã de Ercha.  

      Com apenas um aperto de mão, e o plano inteiro de Ercha tinha sido visto. Doar sua própria irmã para os Absolver para salvar o próprio pai. Era uma família interessante. Porém, Oxin tinha contratado uma assassino de longe, amigo de infância, que usava magia oculta e ele foi derrotado por Haivor.  

      Agora, Oxin estava planejando um pequeno plano para matar Haivor, de novo. Grison detestava pessoas persistentes, e ele tinha avisado que desperdício tenar matar esse homem.  

      Ercha estava entalado de merda até o pescoço.  

    De qualquer forma, a doença de Kanad não era natural. Alguém tinha o envenenado e estava controlando esse joguete pela cidade. Era quase tão natural quanto os duques e condes no Grande Continente tentando vencer seus jogos políticos através de alianças.  

      Só que aqui, não havia poder maior do que a magia, e um Absolver era uma presença macabra com desejos que nenhum homem poderia obter em vida. Eram criaturas estranhas, mas poderosas.  

      Jantou rapidamente e escreveu no ar com o dedo. ‘Plano Mental’.  

      Em um piscar de olhos, seu corpo tinha sido sumido em um flash. No outro instante, estava no meio de uma floresta negra, sem luz ou brilho para o guiar.  

     – Aqui é onde o homem morreu.

      Achar Haivor, que era a peça de confronto dos Lio, era fundamental nessa hora. Ele poderia ter informações sobre o Absolver que morava ali. Ao dar seu primo passo, travou o pé no chão e prendeu a respiração.  

      Por cima das árvores, algo o encarava, seriamente. E não somente isso, mas todo o cenário ao redor estava rodeado de uma estranha oscilação. Era magia oculta.  

     – Você é Haivor? – Grison perguntou alto. – Estou aqui como um amigo. Desfaça as armadilhas mágicas e vamos conversar.

     – Quem é você? – a voz soou do outro lado, grave e rouca, como se estivesse gritando por horas sem parar. – Apareceu do nada. Isso não é algo que uma pessoa normal faria.

     – Tem razão. Eu não sou uma pessoa normal. Sou Grison Bayb, sou um estudioso e também um Adesir. Estou aqui investigando algo que você tem ciência. Por favor, não me obrigue a usar comandos.

     – Adesir? – Haivor ficou surpreso. – Eles foram transformados em pó pelos Jotun, dez anos atrás.

     – Eu não estava nesse dia. Posso mostrar minha insignia se quiser.

      No meio da escuridão, acima das árvores, uma chama se acendeu acima da mão do rapaz. Era o principio básico de Elétron, mas o homem dominava com facilidade. Aos poucos, as oscilações no ar e na terra começaram a sumir uma por uma.  

      Se deixando cair, Haivor deu um mortal antes de cair em pé. Grison imitou a chama e se aproximou. Os dois eram velhos, mas Haivor devia ser uns dez anos mais novo que ele, pelo que via. E ainda assim, Haivor não tremia nem pensava muito.  

     – Não estou com tempo – Haivor disse.

     – Eu quero perguntar sobre seu irmão e a esposa dele.

      O rosto do homem contorceu na hora, Grison sabia que não era algo bom.  

     – Preciso que me diga se existe uma criatura que chamam de Absolver envolvido-

      Grison parou de falar quando a chama na mão do outro começou a apagar e acender várias vezes. Os braços tremiam e uma ofegação contínua. Algo tinha acontecido e fazia pouco tempo.  

     – Havior, o que aconteceu?

    – Ele… eu tive que fazer… – A voz estava rouca por causa do choro, não porque tinha gritado. – O corpo dele.

     – Absolver fazem isso para trazer angustia, eles se alimentam da raiva, tristeza e até mesmo da dor. Deixar as pessoas a beira da morte é uma das suas táticas para se alimentar e ficar mais forte, você fez certo.

     – Fiz? – Ele segurou o próprio rosto, apertando os olhos. – Você é um Adesir. Está indo atrás dele?

    – Em parte.

      As histórias dos Absolver não eram nada além de contos bem maliciosos. Eles se enfiavam no meio de multidões, matavam pessoas e se alimentavam da dor. Quando se tornavam fortes o suficiente, matavam e sugava a alma de qualquer pessoa que aparecia em seu caminho.  

     Vinte anos atrás, algo parecido tomou forma e um milhão de pessoas foram mortas por uma bomba relógio feita por um Absolver. Para acabar com as mortes, um homem usou uma magia oculta que rendeu a ele o título de Asumir, um ser acima do Adesir.  

     Era o único até então a receber o título de mais forte, e até hoje continuava usando.  

     O Absolver derrotado era uma das criaturas mais horrendas já vistas. Grison ainda lembrava quando soube da morte daquelas pessoas, uma parte dele, de poder sentir a vida humana, tinha sido arrancada de sua alma.  

      Era devastador.  

     O que Haivor sentia era o mesmo que ele, uma parte de sua alma tinha sido arrancada. Sofrer era a única forma de atingir a plenitude, foi como Grison encontrou a paz em sua mente. Ele não encostou no rapaz, mas o viu sentar-se cansado.  

      Pelas informações que tinha retirado da ajudante das casas Lio, o ataque a Havior tinha sido feita cerca de três dias atrás. Então, três dias seu irmão deveria estar morto, aparentemente. Ele abraçou a perna, segurando o pulso de um dos braços ao redor dela.  

     – Desculpa por ter tentado te atacar – sussurrou. – Não queria causar problemas a você.

     – Não tem problemas. – Grison conhecia a sensação das ondulações, eram todas conjurações de baixa escala, duvidava muito que perderia para tal habilidade. – Você deveria voltar para casa. Descansar um pouco. Seu corpo está desgastado demais. Manter essas conjurações por muito tempo pode levar o corpo a um estado quase irreversível.

      Havior não ergueu a cabeça.  

     – Não tenho nada a perder mesmo.

      Um irmão morto por um Absolver, uma família querendo sua vida. Miseravelmente, ele estava correto.  

     – Venha. – Grison colocou uma luva e esticou a mão para ele. – Você tem que levantar para que eu possa te ajudar.

     – Não encoste em mim. – Havior recuou ainda mais o braço. – Não quero saber sobre você. Não encoste, por favor.

     – Você pode me ler caso me encostar? – Grison ajoelhou ao lado dele. – Consegue ler minhas lembranças se me encostar?

     – Leio qualquer coisa. Por favor – Havior esticou a mão, pedindo para ele recuar. – Não faça isso.

      Grison concordou. A chama acessa em uma de suas palmas se elevou ao ar e Grison encostou sua palma no solo. Aos poucos, as pedras e folhas começaram a girar em sentido horário com o centro. Havior observou, mas sem muita atenção.  

     – ‘Ferro’.

      Dois metros quadrados, o solo feito de terra solidificou na mesma hora. Havior sentiu a dureza onde sentava e encarou ao redor, mais surpreso do que antes.  

    – Isso se chama Moldação. A arte de criar um efeito em outro, é um dos mais fáceis. Quando a terra perde todos os seus nutrientes, ela é desgastada e nunca mais poderá cultivar nada. Isso é mentira. O mundo para as pessoas normais tende a perder a cor quando algo é destruído ou retirado de nós, mas para pessoas como nós, você e eu, o ponto mais baixo é o nosso molde.

      Grison segurou no braço de Havior, sem ter lido ou nada parecido. Ainda calmo, nada nesse mundo poderia tirá-lo do seu ponto mais alto de completude.  

     – Essa é a verdadeira essência dos Adesir, Havior. De poder moldar qualquer coisa ao seu alcance. Agora – sua palma transmitiu uma imensa quantidade de energia relaxante para os músculos do rapaz – descanse.

      De olhos fechados, Havior caiu para o lado, sonolento.  

    III

      As escamas de peixe eram saborosas. No Grande Continente, poucas eram as vezes que teve possibilidade de comer especiárias marítimas. Nas ilhas, pelo menos, era de conhecimento geral cozinhar esse tipo de comida.  

      Sentado a mesa, Grison partilhava o momento com Ercha e Oxin Lio, as empregadas que estavam de pé, mas nada da irmã de Ercha, Monich. Ela estava destinada ao irmão falecido de Haivor, mas nem Ercha ou Oxin sabiam desse fato, o que levava a grande pergunta: Por que eles ainda estavam tão tensos quanto a uma única pessoa no meio da floresta?  

      Teve que levar o homem para uma cabana solitária e esperou até que o sol nascesse para voltar. Agora, via que as faces dos dois não suavizavam em nada em relação aos acontecimentos recentes. Ou seja: Não sabiam que Cross estava morto.  

     – Está de seu agrado, senhor Grison? – Ercha perguntou, repentinamente.

     – Ótimo, para falar a verdade. No Grande Continente, temos pouco disso. É ótimo ter uma boa carne branca para apreciar aqui.

     Com um balançar agradável de cabeça, Ercha deixou o silêncio fluir. Oxin, por outro lado, encarava Grison a cada instante, inquieto, tentando achar uma maneira de iniciar uma conversa, mas sempre falhando.  

      Depois de acabar, Grison pediu licença e se retirou da mesa. No meio do caminho para seu quarto, foi abordado pelas costas.  

     – Senhor Grison.

      Era Oxin Lio, claramente.  

     – Sim?

     – Desculpe por atrapalhar seu descanso após o almoço, mas eu gostaria de perguntar algo.

     – Diga.

     – Senhor, eu pedi ajuda a algumas pessoas longe de casa, e descobri que seu título é algo raro hoje em dia. Um Adesir. Estou correto? – Depois da confirmação, continuou: – Eu sei que é algo que nenhuma pessoa normal conseguiria chegar, e sei que tem muitas pessoas com capacidades diferentes do mundo, mas poderia me fazer seu aluno.

     – Aluno? Como um discípulo?

    – Exatamente, senhor. Desde pequeno, minha mãe ensinou como projetar algumas poucas palavras, eu treino até os dias atuais, mas creio que não posso evoluir sem um mestre. – Ele se ajoelhou rapidamente. – Por favor, me faça seu aluno.

      Grison esperou algum tempo.  

     – Você conhece as leis matrizes?

     – Eh, não, senhor.

     – Consegue conjurar ‘Faísca Básica’?

      Oxin afundou sua cara em vergonha.  

     – Não, senhor.

     – Então, não é necessário um mestre para te ajudar. Se o que diz é verdade, poderá aprender essas categorias lendo os livros mais básicos das Leis Básicas de Overgau. Depois, leia os Alicerces da Comunhão, e então, caso domine cerca de 10 conjurações e 10 moldações poderá ser meu aprendiz.

      A cara de Oxin ficou ainda mais pesada.  

     – 10 conjurações, senhor? Nem mesmo um Arcano conseguiria conjurar tantas uma atrás da outra.

      Grison concordou.  

     – Exatamente. É impossível para eles, e por isso não são alunos de um Adesir, ou seja, como me pede para ser meu aprendiz se nem mesmo tem a capacidade para superar os mais medíocres que disputam uma posição com você?

      O rapaz engoliu em seco.  

     – Eu… não tinha ideia da dificuldade que era para se tornar um Adesir.

     – Vejo que não. – Ele deu de costas. – Volte a estudar e tenha uma vida tranquila como chefe da família, Oxin Lio. É o melhor que pode fazer do que entrar na vida dura de um Arcano.

      Grison fechou a porta e esperou que o rapaz desolado fosse embora. Era comum que meninos sem fundamentos chegassem a ele com pedidos desse porte, e sempre voltavam piores, como se seus sonhos estivessem sido destruídos.  

      Não era nada pessoal, poucos eram capazes de terem o interesse em um aprendiz. Um Adesir era assim. Tirando os Arcanos, os Magos, os Iotas e Adesir não tinham interesse nenhum em compartilhar seus conhecimentos com a mediocridade.  

     Dinheiro para os estudos, patrocínio para a Academia da Torre Mágica e habilidade para crescer. Apenas pessoas de grande poder poderiam carregar esse fardo consigo. Grison teve a sorte de ter conhecido um mestre bondoso e generoso.  

     Fez uma reverência silenciosa a ele antes de abrir um portal e atravessá-lo.  

      Estava de volta na cabana. Haivor estava sentado no canto, virado para a parede, segurando um pote de vidro e concentrado. Não tinha percebido a chegada do homem, e Grison esperou para ver que tipo de coisa aconteceria.  

      Depois de cinco segundos, o vidro embaçou por dentro, e a terra marrom começou a tomar a cor cinzenta, bem dura. A Lei da Moldação, contrato entre elementos. Arcanos normais demorariam anos para entender como uma lei dessas funcionaria, mas Haivor estava apenas um dia de um exemplo real, sem explicações.  

     A terra se transformou em ferro e o vidro se manteve intacto. Isso era mais difícil ainda já que havia o obstáculo feito de partículas de areia, que era formado pelo vidro. Haivor poderia não saber, mas estava saindo da Primeira Lei da Moldação para a Segunda Lei: Moldação Espontânea.  

      Ignorava o tato com o objeto em específico e moldava apenas o realmente importava. Até Grison estava impressionado. E nenhum tipo de livro estava ao redor.

     – Você é rápido em aprender.

      O pote quase voou da mão de Havior, ele o pegou no meio do ar e respirou fundo.  

     – Desculpe – Grison replicou. – Parecia tão concentrado que não queria atrapalhar. Parabéns pela moldação. É um belo marco.

      Havior colocou o pote na mesa e apontou para cima. Grison guiou o olhar para prateleiras perto do teto, todas com potes de vidro cheio de terra e metal, algumas rachadas e outras com metades iguais.  

     – Esteve treinando sozinho.

     – Quando não caço para comer, eu faço isso.

      Ele ainda estava abalado pela morte do irmão, estava claro em seu olhar e na sua postura defensiva. Não julgava o homem, qualquer um faria o mesmo.  

     – O que veio fazer aqui? – Havior perguntou sentando em um banquinho. Enfiou a mão no barril e lavou o rosto, puxando os cabelos para trás da cabeça, desalinhados. – Não tenho nada para falar sobre ontem.

     – Quero que me diga exatamente o que aconteceu ontem.

    – Não faça isso – a voz dele saiu mais baixa. – Não quero relembrar nada.

     – Você precisa. Eu quero o Absolver e você o tem dentro de sua cabeça. Quero que me diga o que ele disse a você.

     – Por que?

     – Porque é necessário – Grison falou firme. – Seu irmão foi uma vítima, isso é doloroso, mas outras pessoas terão o mesmo destino. Aquela criatura não irá parar até que mate todos nessa ilha.

      O silêncio cresceu. Havior encarou Grison e esticou a mão.  

     – Sei que você pode fazer.

      Grison o fitou, relutante.  

     – Isso é completamente diferente do que falar. Não posso ler apenas uma parte de sua mente, verei tudo o que esconde, até mesmo seus segredos. É algo que ninguém quer passar adiante.

      A dureza do maxilar e a firmeza do olhar, Havior não iria dar para trás.  

     – Faça.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (3 votos)

    Nota