Capítulo 9 - Invasor (II)
Um Asumir era uma entidade para os Arcanistas. Para os Adesir, no entanto, era como se fosse um título apenas dado por uma ação grandiosa a mais do que as comuns. Grison sentava-se na poltrona, avaliando o chá tomado, enquanto ouvia a colher misturar o açúcar de seu anfitrião.
– E seus dois aprendizes, disse que eles eram bem talentosos. Diga-me mais.
Era Retro Poda, o próprio Asumir.
– Um deles tem a capacidade de experimentação única. Acho que ele está perto de se aproximar de um novo tipo de magia, que poderá revolucionar ainda mais o estado da magia. Se conseguirmos, os danos dos Absolver serão insignificantes.
– Oh, isso é incrível. – Ele se virou. O rosto marcado por uma cicatriz feita pelas chamas demoníacas do Absolver mais poderoso que já aparecera no mundo. – Uma magia de cura.
– Exato. Foton tem muito potencial nos feitiços de luz e está indo muito bem. Quando acontecer, irei pedir que ele patentei a ideia e depois darei ao senhor.
– Estarei esperando. – Retro se sentou em outra poltrona, de frente para Grison. – E o outro?
– Enigma. Ele possuí uma magia oculta. É parecida com a minha.
Retro concordou, mas nos seus olhos, Grison via a curiosidade.
– E como ele é?
– Dedicado. Consegue usar Comandos de forma fácil e seu raciocinio é bem lógico. Acredito que em um ano, ele deixará de ser um aprendiz.
– Um homem desse calibre merece boas observações. Espero que esteja anotando tudo.
Grison tomou um pouco do chá doce e concordou.
– O senhor estará a par de tudo.
– Ótimo. Conto com você para resolver o problema da montanha para mim, Grison. Sabe o quanto confio em suas habilidades e precisamos daquele objeto de volta. Se cair nas mãos erradas, de Bruxas ou até mesmo daqueles Adeptos de Magos, podemos ser golpeados fatalmente.
– Eu irei resolver isso ainda hoje.
– Mande seus subordinados para o centro acadêmico.
I
O bar era bem mais movimentado do que as ruas. Um aglomerado de pessoas reunidas, gritando, debatendo e usando Comandos. Os Aprendizes de todos os Adesir estavam no mesmo lugar, até mesmo os que eram considerados mais velhos e fortes.
– É a elite – Esfinge disse ao encarar o grupo de pessoas no canto, conversando mais baixo. – Eles se acham superiores por terem vindo de uma família nobre. Normalmente, os Adesir que buscam por eles estão mais atrás do dinheiro do que por aprendizes de verdade.
– Isso mostra que você não vem de uma família nobre – Haivor tomou o segundo copo de cerveja. – Mais um, Catro. Por favor.
O garçom assentiu com a mão, rapidamente.
– Eu não conseguiria conviver comigo mesmo se fosse como eles – Esfinge retraiu a bochecha, enojada. – Metade das pessoas que estão ali gostam de se mostrar. Compram objetos mágicos, anéis, cordões, até mesmo medalhões para conseguirem vantagem sobre os outros.
– Por que se importa com eles? – Haivor a encarou, tirando o cotovelo do balcão. – As pessoas são diferentes, mas só existem diferenças se você acreditar nelas. Acha que pode vencê-los em um duelo?
– Claro que acho.
– Então, não precisa ficar falando deles. Continue falando sobre magia, como o resto das pessoas e deixe eles para lá. – A caneca chegou e ele tomou um gole. – Você é especialista.
– Acho que a cerveja está fazendo efeito em você, hein. – Ela deu uma risada. – Antes nada dizia, agora está todo falador. Vai acabar mal assim.
Ele a encarou de lado, fez uma cara convencida e tocou a si mesmo.
– ‘Dissipar’.
O cheiro de alcool subiu no ar e se misturou com o restante do odor. Esfinge viu a estranha poeira laranja sumir no ar e o rosto de Haivor permanecer calmo.
– Você consegue usar Comandos abstratos – ela estava surpresa. – É uma das coisas que poucos aprendizes não conseguem fazer. Incrível.
– Com muito estudo e pouco conversa você aprende. – Ele tomou a caneca completamente, apontando para Callo. – Mais uma, por favor.
– Aprendeu sozinho a criar comandos ou foi pelos livros?
– Se você acredita que-
Ele parou de falar quando viu Foton no meio do bar, sendo empurrado. Os aprendizes pararam de falar quando um deles tombou de costas e levou um dos panos consigo, fazendo cerveja e vinho cair em cima dele.
– Falei que se tentasse, eu ia fazer isso. – O homem claramente tinha um tom autoritário e irritado. – Agora isso me pertence. Faça outro.
– Esse livro tem todas as minhas anotações. Devolva agora.
– E quem manda você trazer isso para um bar e dizer que está próximo de criar uma nova magia? – ele deu uma risada junto dos colegas. – Eu tirei um peso do seu ombro.
Haivor se levantou e Esfinge o encarou.
– Ei, aquele é um dos aprendizes de Julis. Melhor nem tentar nada.
Haivor passou entre as mesas e chegou até Foton caído. O rapaz estava todo sujo, com um olhar tenebroso e choroso. Mesmo que não quisesse, a tristeza dominava o coração e a água que escapulia dos olhos era evidente.
Esticando a mão, Haivor o ajudou a levantar.
– Está imundo. – Ele encostou no ombro de Foton. – ‘Limpar’ e ‘Secar’.
A roupa de Foton começou a perder a cor escura e todos os traços grudentos da cerveja foram dissolvidos rapidamente. Menos de cinco segundos, ele estava limpo.
– Por que fez isso? – Haivor perguntou. – Sabe muito bem que uma magia é algo que poucas pessoas deveriam saber. Eu neguei naquela vez porque sabia que era perigoso, você tem que ficar atento com isso.
– Eu sei – Foton abaixou a cabeça. – Mas, eu não tenho outra cópia. Vou ter que refazer tudo. O mestre Grison vai me matar.
O homem parado deu uma gargalhada.
– Seu mestre é o Grison? Aquele imprestável não limpa as botas do mestre Julis. Depois de anos tentando, a única coisa que trouxe para cá foram dois aprendizes emprestáveis. – Ele ergueu o livro. – Isso aqui é algo que vocês não deveriam ter.
– O grau de eficiência de um Comando de pressão é cerca de dois metros por segundos. Quando um deles está no ar e é apontado em uma direção, a aceleração multiplica quase duas vezes. – Haivor virou-se para ele. – Sabe o que acontece quando alguém normal utiliza isso? O ar ao redor se expande e tudo em torno de vinte metros voa, mas quando se é apontado para alguém, o alvo pode ser pressionado contra a parede e morrer em três segundos. Isso se não houver um segundo Comando envolvido. Conseguiu entender?
Foton deu dois passos para trás, assim como metade dos aprendizes ao redor. Nenhum deles ficou na direção do grupo.
– O que está acontecendo? – o homem deu uma risada. – Por que estão indo para longe?
– Foco – um dos outros aprendizes o chamou rapidamente. – Melhor devolvermos o livro.
– O quê? Está maluco? Isso pode nos deixar famosos. Por que estão falando besteiras?
O homem apontou o dedo. Haivor estava com a mão erguida, a pressão dos dedos estava claramente apontando para eles.
– Um Comando de ‘Pressão’ – o outro respondeu. – Melhor entregar o livro, Foco.
– É um Comando normal. – Foco claramente estava embriagado, mas Haivor sequer ligava para isso. – Ele não pode fazer nada. Usem Comandos defensivos. Use os Feitiços que o mestre Julis nos ensinou.
Haivor esticou a outra mão.
– ‘Atração’.
O livro escapuliu das mãos de Foco na mesma hora. Ele encarou até onde o objeto foi parar, ainda não ciente do que acontecia.
– Devolva agora – ele gritou balançando os braços. – Devolva esse livro agora.
– Enigma – Foton encostou em seu ombro, relutante. – Não precisa fazer isso. Você já pegou o livro. Mestre Grison vai nos proibir de treinar se fizermos alguma coisa.
Era verdade. Mesmo que o Julis fosse um rival do mestre Grison, ainda estava longe de ser seu próprio inimigo. Abaixou o braço e virou-se para o rapaz.
– Se você perder isso novamente, eu mesmo vou usar ‘Pressão’ em você.
Foton concordou, meio medroso.
Haivor encarou os outros ao seu redor, cada um deles meio perplexo e surpreso. Nenhum deles disse nada quando os dois saíram do bar. Se alguém dissesse a Grison que se meteram em encrenca, metade dos seus treinamentos seriam jogados fora.
Há uma semana, ele tinha matado um Absolver, agora, estava contra um simples Aprendiz. Que idiotice seria usar sua energia contra um bando de pessoas desorientadas.
Do lado de fora, os dois pararam na praça. Foton guardou o livro no anel.
– Eu entendi o que quis dizer agora.
– Não, não entendeu. Foton, você é uma pessoa diferente deles. Enquanto as pessoas estão se gabando por serem aprendizes, seu esforço está direcionado para um estudo que poderá ser a revolução do mundo. Você é um gênio.
– Mas, não consegui fazer nada contra eles. Do que adianta ser um gênio se não posso me defender de pessoas como ele?
Haivor encostou na testa dele.
– Use isso. Um gênio não entra em um combate sem estar preparado ou um duelo que não vai ganhar.
A porta do bar foi aberta e Foco saiu procurando pelos dois. Haivor o olhou de longe, e quando os dois se encararam, o homem veio andando em sua direção.
– É melhor que sua ameaça não tenha sido da boca pra fora, seu maldito. Sabe quem eu sou?
– Essa é a pergunta mais triste que alguém pode fazer. – Havior virou-se para ele. – Falarei quem eu sou. ‘Congelamento Temporário’.
Uma camada de gelo se expandiu pelo solo rapidamente. Foco não teve tempo de reação. Ao pisar no gelo, a camada de gelo subiu até o pescoço e o prendeu. Haivor foi até ele.
– Está confortável? – perguntou, parando diante dele. – Se ninguém virar te tirar, vai ficar assim por uns trinta minutos.
Os Aprendizes e os Arcanos que estavam ao redor nem mesmo se aproximaram. Atentos, mas distantes, respeitavam o embate dos dois lados.
– Meu mestre… ele vai…
– Você me irrita. – Haivor se aproximou mais dele. – Se eu usar ‘Expansão’ no gelo, seu corpo que está unido a ele agora também vai expandir. E vai acontecer se alguém vir aqui te ajudar, então você vai implorar para que não saía daqui nos trinta minutos.
O assombro no rosto de Foco era divertido.
Quando Haivor se afastou, alguns se aproximaram, mas ele claramente começou a gritar. Haivor e Foton ficaram vendo por algum tempo até que foram para a Torre Mágica. Ver a dor de uma outra pessoa era uma característica não muito amigável.
II
– Estão atrasados – Grison disse quando chegaram. O mestre estava mais atento do que quando tinha chegado pelo navio. – Espero que a rixa no bar tenha sido uma ótima experiência para você, Foton.
O rapaz abaixou a cabeça, envergonhado.
– Quando quiser uma opinião, que seja de alguém importante e renomado. Retro, o Asumir, disse que irá ver suas experiências quando achar que está bom o suficiente.
Ele levantou a cabeça rapidamente.
– Isso é sério, mestre?
– Sim. Quero que treine mais sua defesa. Aquilo foi desastroso. Enigma, o uso de Comandos de palavras duplas foi uma bela surpresa. Se continuar assim, se tornará um Adesir de grande respeito.
– Agradeço aos elogios.
– Agora, eu tinha dito que iriamos tomar conta do problema da montanha. O Asumir me relatou a situação e terei que mudar os planos. Poderão ficar na estadia que aluguei, se quiserem, usem a biblioteca da cidade.
Grison virou quando a porta da Torre se abriu e um homem saiu la de dentro. Era um velho dos cabelos brancos e uma barba volumosa. Haivor tinha visto aquele homem algumas horas atrás, quando estava no porto.
– Ah, esses são seus brotos, mestre Grison – ele era calmo, mas ardia algo em seus olhos, uma chama bem fervorosa. – Me apresente, por favor.
– Foton, Enigma, esse é o mestre Abah.
– É um prazer conhecê-los – disse ele. – Irei tomar seu mestre por algum tempo, mas prometo devolvê-lo inteiro.
Grison não concordou com as palavras dele, e continuou.
– Amanhã estarei de volta. Me encontrem aqui as sete.
– Sim, mestre.
Com as idas e chegadas inesperadas, os dois simplesmente assistiram-no partir. Depois disso, Foton suspirou fundo.
– Pensei que ele fosse me matar.
– Ele iria se você tivesse perdido esse livro. – Haivor olhou para longe. – Eu vou para a biblioteca. Para onde você vai agora?
– Acho que também para lá. Eu não quero ficar vagando pela cidade sozinho.
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