Capítulo 11: O Grito do Pavilhão
A fúria impotente queimava na garganta de Zeon enquanto ele observava as últimas naves de extração desaparecerem no negrume pontilhado de estrelas distantes. Traído. Abandonado. As palavras ecoavam em sua mente com a finalidade de uma sentença de morte.
Ele se reuniu apressadamente com os outros líderes de unidade na vasta câmara principal da fortaleza, perto dos portões colossais recém-arrombados. Os destroços retorcidos das juntas explodidas ainda fumegavam silenciosamente no vácuo parcial, e a poeira antiga, perturbada pela primeira vez em séculos, dançava nos feixes intermitentes das luzes vermelhas de emergência. A quietude opressora do Pavilhão fora substituída por um novo tipo de silêncio — um silêncio tenso, carregado de estática crepitante dos comunicadores inúteis e do som áspero de respirações irregulares dentro dos capacetes. O clima entre os oficiais reunidos — uma dúzia de tenentes e sargentos responsáveis pelos esquadrões de infantaria, unidades de suporte e engenheiros — era uma mistura volátil de confusão atordoada, medo crescente e uma raiva fervilhante que começava a borbulhar sob a superfície da disciplina militar.
Alguns oficiais andavam de um lado para o outro, suas botas blindadas batendo ritmicamente na obsidiana fria, incapazes de ficar parados. Outros verificavam neuroticamente os contadores de munição de seus rifles de plasma ou tentavam, em vão, estabelecer contato com a Nasus, seus rostos crispados de frustração sob os visores levantados. Um pequeno grupo discutia em voz baixa e urgente perto dos destroços do portão, gesticulando em direção ao vazio onde as naves de extração haviam desaparecido. A incredulidade era palpável.
“Comunicações ainda mortas?”, perguntou uma sargento dos engenheiros, a voz tensa no canal de comando local. “Alguém conseguiu furar essa maldita interferência?”.
“Negativo”, respondeu outro oficial. “É como gritar contra uma parede de aço. Estamos completamente isolados”.
“Isolados e abandonados!”, rosnou o Tenente Kovar, um homem corpulento e veterano, cujo rosto marcado por uma longa cicatriz estava vermelho de fúria sob a luz vermelha. Ele bateu com o punho enluvado contra a placa peitoral de sua armadura. “Eles nos deixaram aqui para morrer!”. “Mas por quê? Que tipo de missão suicida é essa?”. A pergunta ecoou a confusão e o medo de todos.
Zeon ouviu as palavras de Kovar, mas sua mente já estava correndo, conectando os pontos com uma velocidade nascida de séculos de desconfiança e sobrevivência. Abandonados? Não… Pior que isso. A transferência repentina de Io, o setor mais crítico da guerra, para este cemitério esquecido . A explicação vaga e calculadamente atrasada de Hesperus sobre uma “anomalia quântica” detectada dias antes, informação crucial omitida até o último maldito segundo . O silêncio absoluto e antinatural do Pavilhão, um vácuo tático onde deveria haver vida, comunicação, algo. E agora, o abandono — não uma retirada tática sob fogo inimigo, mas uma fuga premeditada e covarde pelas naves de extração no exato instante em que a força principal havia desembarcado . Antes mesmo de qualquer avaliação real da situação. Eles não esperaram para ver o que encontraríamos. Eles já sabiam. Não era incompetência. Era um plano frio e calculado. A doutrina do Pragmatismo Sacrificial em sua forma mais pura e brutal.
“Não foi abandono”, disse Zeon, a voz baixa, mas cortando o murmúrio de pânico, a palavra saindo de sua boca com um gosto amargo de bile. A constatação gelou seu sangue, mas também acendeu uma fúria fria. “Foi o plano desde o início. Uma armadilha.”. Ele varreu o olhar pelos oficiais agora silenciosos e chocados, vendo a compreensão começar a alvorecer em seus rostos pálidos. “Nós fomos a isca o tempo todo”.
“Isca?”, repetiu outro líder de esquadrão, um jovem tenente cujo rosto empalidecera ainda mais sob a luz vermelha pulsante. A voz dele tremeu ligeiramente, a compreensão a lutar contra a doutrinação de uma vida inteira de lealdade ao Império. “Isca para quê, Capitão?” Ele deu um passo hesitante à frente, a confusão e o medo a transformarem-se em incredulidade horrorizada. “Por quê o Alto Comando nos usaria… nos sacrificaria assim? Para atrair quem? O quê poderia possivelmente valer doze mil vidas leais e a melhor unidade de assalto pesado da Terceira Frota?!”. O medo cru por trás da pergunta — a percepção de sua própria insignificância descartável — pairou no ar opressivo como veneno.
A pergunta do jovem tenente pairou no ar opressivo, carregada de um medo cru que ecoava o pavor silencioso no coração de cada soldado ali presente. Isca para quê? O quê poderia justificar tal traição, tal sacrifício calculado? O silêncio que se seguiu foi pesado, denso com especulações não ditas e a terrível ausência de respostas lógicas. Zeon abriu a boca para tentar articular uma ordem, qualquer coisa que restaurasse um semblante de controle, mas antes que pudesse sequer começar a formular a frase, o universo respondeu por ele.
Um som rasgou a quietude. Não um som de batalha, mas algo mais antigo, mais fundamental. Um alarme ensurdecedor e penetrante irrompeu por toda a fortaleza abandonada, um grito estridente e dissonante de metal antigo sob estresse extremo, um som que provavelmente não ecoava naqueles corredores silenciosos há séculos, talvez milênios. No mesmo instante, as luzes de emergência vermelhas, que antes pulsavam num ritmo lento e hipnótico, explodiram numa frequência frenética e epiléptica, banhando a arquitetura gótica e os rostos pálidos dos soldados num brilho apocalíptico e intermitente, transformando sombras em monstros dançantes. O próprio chão de obsidiana sob seus pés pareceu vibrar com a intensidade do alarme, como se a fortaleza moribunda estivesse a gritar em agonia.
“Que raio foi isso?!”, gritou Kovar, a sua mão instintivamente a ir para a pistola de plasma na sua coxa.
“Alerta de combate! Posições defensivas!”, berrou outro oficial, a disciplina a assumir o controlo do pânico inicial. Soldados começaram a mover-se apressadamente, procurando cobertura atrás de pilares e escombros, os seus rifles erguidos, os visores dos capacetes a descerem sobre os seus rostos.
Mas foi no comunicador criptografado de Zeon, no canal privado da unidade DK-78B02, que a verdadeira natureza do horror se revelou. A voz de Anya soou, não mais calma, mas tensa, apressada, carregada com uma descrença aterrorizada que gelou o sangue dele.
“Capitão… leituras de energia fora da escala! Detecção massiva de transição sub-real… múltiplos vectores! Saindo do Dobramento agora mesmo, em formação de ataque direto sobre Mimas!”, ela relatou, a urgência evidente em cada sílaba. Houve uma pausa de meio segundo, preenchida apenas pelo som da sua respiração ofegante e pelo clique rápido de teclas no seu console tático enquanto ela processava os dados avassaladores. “Dezenas… não… centenas deles! Sangue de Adel… as assinaturas energéticas, as configurações de casco… são inconfundíveis.”. A sua voz falhou por um instante, a profissional experiente a lutar contra o choque puro. “Insígnias confirmadas da Coalizão… Capitão, são os Nictis.”.
O nome atingiu a ponte como um raio silêncioso. Nictis. Os Apóstolos do Vazio. A raça mais temida e menos compreendida da Coalizão, conhecidos pela sua tecnologia que desafiava a física e pela sua crueldade implacável, capazes de apagar a matéria da existência. Raramente vistos em números tão grandes.
“Nictis?! Aqui?!”, a voz de Jax irrompeu no canal, a sua incredulidade misturada com um novo tipo de fervor sombrio. “Mas porquê? Não há nada aqui para eles… a menos que… a Forja? Eles vieram pela Forja?!”. A possibilidade pareceu galvanizá-lo, a sua fé a encontrar um novo inimigo tangível.
Zeon não respondeu. Ele olhou instintivamente para o visor tático holográfico projetado em seu pulso. O que antes era um espaço vazio ao redor da representação de Mimas explodiu subitamente numa nuvem vasta e crescente de ícones vermelhos hostis. Centenas deles, aparecendo abruptamente do nada, cercando a pequena lua como um enxame voraz de vespas metálicas furiosas. A formação deles não era defensiva, nem exploratória. Era uma lança apontada diretamente para o Pavilhão. Pela quantidade avassaladora e pela velocidade implacável da sua aproximação, a conclusão tática era inescapável e brutal: eles não estavam vindo para uma batalha equilibrada ou para capturar a relíquia. Estavam vindo para um extermínio rápido, total e absoluto.
A resposta à pergunta do jovem tenente tornou-se terrivelmente clara. Isca para isto. Um massacre.
“Malditos sejam”, sussurrou Zeon, não para os Nictis, mas para Hesperus, para Darius, para o Alto Comando, para os arquitetos invisíveis daquela carnificina iminente. “Malditos sejam todos eles”. A traição era completa, a sua escala agora revelada em toda a sua monstruosidade.
Antes que qualquer outra ordem pudesse ser dada, antes que a formação defensiva pudesse sequer solidificar-se, o universo respondeu com violência. A primeira explosão atingiu a lateral do Pavilhão de Adel. Não foi um som, no vácuo não havia som para viajar. Foi uma sensação. Uma vibração profunda e sísmica que percorreu a estrutura antiga como um raio, seguida por uma onda de choque que atingiu a câmara principal com a força de um pequeno meteoro. O chão de obsidiana sob seus pés ergueu-se e ondulou violentamente, atirando Zeon, Kovar e todos os outros soldados violentamente pelos ares como bonecos de trapos. Metal rangeu e estilhaçou-se em algum lugar nas profundezas da fortaleza. Painéis do teto desprenderam-se, chovendo detritos sobre eles. A Batalha de Saturno havia começado, não com uma escaramuça, mas com um golpe de martelo cósmico. E eles, os doze mil soldados abandonados da Hegemonia, eram os únicos no caminho da aniquilação.

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