O gesto de curiosidade do Nemesor durou apenas um segundo. Foi o gesto de um acadêmico examinando um espécime morto antes de descartá-lo.

    O terror da irrelevância congelou Jax em seu cockpit. Ele deveria ter recuado. Ele deveria ter feito qualquer coisa. Mas ele estava paralisado, seu cérebro quebrado pela física impossível que acabara de testemunhar.

    Ele ainda estava paralisado quando o Nemesor, tendo aparentemente concluído sua avaliação, moveu sua foice.

    “Jax, saia daí! Mova-se!” A voz de Zeon era uma faca no canal da unidade, mas era tarde demais.

    O movimento foi um borrão, um gesto tão rápido e casual que Jax mal o registrou. A lâmina de energia púrpura passou pelo braço direito de seu Kation, o braço que segurava o agora inútil canhão de plasma.

    Não havia som de metal se rasgando. Não houve uma explosão de faíscas. Não houve impacto.

    O choque atingiu Jax como um golpe neural. Um grito de feedback fantasma subiu por seu braço real, o braço que segurava o controle, fazendo-o gritar de uma dor aguda e impossível.

    Meu braço!

    Ele olhou para o membro amputado da máquina, que caiu no chão com um clank surdo e final. O ponto de corte era perfeitamente liso. O alarme de dano em seu console começou a piscar, mas os dados eram um lixo sem sentido. 

    [ERRO: MEMBRO AUSENTE. ERRO: MEMBRO FUNCIONAL. ERRO: PARADOXO DE DADOS]

    O sistema não conseguia entender… e, pela dor fantasma aguda que irradiava de seu ombro real, seu cérebro também não.

    “Meu braço…” ele sussurrou, sua voz incrédula, agarrando o próprio ombro, embora estivesse intacto. “Ele… ele tirou o meu braço.”

    O instinto assumiu o controle. O animal encurralado nasceu. CORRA. CORRA. CORRA.

    Jax puxou os controles, acionando os propulsores com uma violência que fez o chassi gemer. O Kation, antes um touro de carga, agora se tornara uma mariposa desajeitada, saltando para trás, deslizando pelo chão em uma chuva de faíscas, usando um dos pilares góticos como cobertura.

    “Jax, relatório de status! Responda, droga!” A voz de Zeon estava tensa, dividida entre comandar a batalha e o terror pelo seu subordinado.

    “Estou… estou bem! Eu… ele decepou a porra do meu braço! O Martelo… o braço do Martelo se foi!” A voz de Jax era aguda, beirando a histeria.

    O Nemesor não o perseguiu. Ele permaneceu onde estava, uma estátua de aniquilação, observando a dança desesperada de Jax com uma paciência infinita e aterrorizante.

    Jax espiou de trás do pilar, seu coração batendo descontroladamente. Pense. Pense, porra. Qual é o plano? Recuar? Reagrupar?

    “Anya, estou preso! Preciso de fogo de supressão!” Jax gritou.

    “Não consigo, Jax!” A voz de Anya estava ofegante, interrompida pelo crack-thoom de seu próprio rifle. “Estou sendo caçada por Messores! Não consigo um ângulo de tiro limpo!”

    Jax estava sozinho. Ele ativou os propulsores novamente, desta vez para o lado. O Nemesor reagiu com a mesma economia de movimento. Outro corte casual. Desta vez, a lâmina passou pelo casulo de mísseis em seu ombro esquerdo.

    Novamente, sem impacto. O casulo simplesmente se soltou e caiu no chão.

    “Ele está brincando comigo…” Jax soluçou, o terror agora superando a raiva. Uma nova onda de dor fantasma, desta vez em seu ombro esquerdo. “Capitão, ele está me… me desmontando! Ele nem está se movendo!”

    “Jax, acalme-se! Encontre uma rota de fuga! Não o enfrente! Tente recuar para a minha posição!” ordenou Zeon.

    Mas a luta se transformou em uma tortura. Uma dissecação lenta. Jax se movia, e o Nemesor o cortava. Um salto para a esquerda, e uma seção da blindagem de sua perna foi apagada da existência.

    Não! Não! Não! Jax gritou dentro do cockpit, agarrando sua própria perna, que agora parecia estar sendo mergulhada em nitrogênio líquido. A agonia da desconexão era insuportável.

    Uma corrida desesperada por um corredor lateral, e a matriz de sensores em suas costas foi fatiada. Jax sentiu como se uma faixa de sua própria pele estivesse sendo arrancada de suas costas, e seu visor mergulhou em estática por um segundo.

    A perspectiva de Jax encolheu, o vasto corredor se tornando o inferno claustrofóbico de seu cockpit. O zumbido do reator agora era um gemido irregular. O ar estava espesso com o cheiro acre de circuitos queimados e fluido hidráulico vazando. Fumaça preta começou a vazar de um painel acima de sua cabeça, fazendo seus olhos arderem.

    Luzes vermelhas e âmbar piscavam freneticamente. [FALHA: SISTEMA HIDRÁULICO] [FALHA: PERNA DIREITA] [VIOLAÇÃO DO CASCO].

    O Kation, que ele sempre vira como uma extensão de seu próprio corpo, como o Martelo de Adel, agora era seu túmulo. A cada corte, ele sentia seu deus sendo desmembrado junto com ele. O visor rachado que agora se estendia por seu campo de visão era um reflexo perfeito de sua própria psique estilhaçada.

    “Eu não consigo! Eu não consigo me mover!” ele gritou, batendo com o punho bom no console fumegante, sentindo a dor fantasma de seus membros amputados.

    Finalmente, o ‘Martelo’ parou. A perna direita cedeu completamente, e o gigante de metal caiu sobre um joelho, depois desabou de lado. O único impacto físico real da batalha o jogou violentamente contra o lado do cockpit, fazendo estrelas dançarem em sua visão. Ele sentiu o gosto quente e salgado de sangue; ele havia mordido a língua com a força da queda. Isso era dor real, mas era nada comparado ao tormento fantasma de ter seus membros divinos arrancados.

    Imóvel. Quebrado.

    O silêncio no canal da unidade foi quebrado pela voz de Zeon, agora mais suave. “Jax… aguente firme. Estamos indo.”

    Mas Jax sabia que era uma mentira. Ele olhou para o Nemesor, que agora flutuava lentamente em sua direção, sua foice erguida, pronta para o golpe final.

    Todo o idealismo, toda a fé, tudo foi queimado. O que restou foi o ódio. Um ódio puro, primitivo, do animal encurralado.

    Se eu vou morrer… pensou ele, seus lábios se curvando em um rosnado ensanguentado. …você vai saber que eu estive aqui.

    Com um rugido de pura fúria, Jax usou a última parte funcional de seu mecha: o braço esquerdo. Os dedos de metal se cravaram no chão de obsidiana. Com um gemido de atuadores sobrecarregados, ele arrancou uma laje de pedra do tamanho de um veículo.

    “MORRA!” ele gritou, um som gutural e quebrado. “MORRA, SEU FILHO DA PUTA!”

    Com um último ato de desafio, ele arremessou a laje. Não era uma tática. Era um espasmo.

    O Nemesor nem sequer se deu ao trabalho de desviar. A laje de pedra voou em sua direção e, ao atingir sua forma, simplesmente passou através dela, como se o lorde Nictis fosse um fantasma. A pedra continuou seu caminho e se espatifou contra a parede oposta.

    O grito de ódio de Jax morreu. O insulto final. A demonstração definitiva de que ele era irrelevante.

    O ódio puro, animalesco, se desfez. Mas em seu lugar, não restou um vazio exausto. A exaustão estava lá, fria e pesada, mas abaixo dela, uma última centelha de sua fé se reacendeu, distorcida em algo novo. Não era mais a fé no triunfo, mas a fé no sacrifício.

    Ele se recostou em seu assento, seu corpo fisicamente quase intacto, salvo pela língua mordida, mas sua mente gritando com a dor de membros fantasmas arrancados. Sua alma não estava vazia. Estava focada, com a clareza terrível da morte iminente.

    Acabou. O pensamento não era de derrota, mas de aceitação. Adel… me perdoe. Eu falhei em vencer.

    Ele olhou para o Nemesor que pairava sobre seu cockpit destruído, a foice se erguendo para o golpe final.

    …mas eu não falharei em morrer como um Martelo.

    Um soldado da Hegemonia, mesmo na derrota, nega a vitória ao inimigo. Se ele ia para o inferno, levaria seu algoz consigo.

    Enquanto o lorde Nictis se preparava para apagar sua existência, os olhos de Jax desviaram-se do inimigo e pousaram, com uma resolução fria e final, em um pequeno painel vermelho protegido por um plástico reforçado, no canto de seu console destruído.

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