Capítulo 20: Apagado da Existência
O silêncio que se seguiu ao impacto fútil da laje de pedra foi absoluto. No cockpit destruído, Jax mal conseguia respirar. O ar estava pesado com fumaça e o cheiro de sua própria derrota. Ele estava deitado de lado, preso em seu assento de comando, o corpo dolorido da queda, a mente gritando com a dor fantasma de membros que não estavam mais lá.
Ele olhou pelo visor rachado. O Nemesor pairava sobre ele.
A foice colossal estava erguida, pronta para o golpe final. Mas ela não caiu.
O Lorde Nictis simplesmente… flutuava. Observando.
Segundos se transformaram em uma eternidade. O único som era o ping irregular de metal esfriando e a respiração ofegante de Jax em seu capacete.
O que… o que ele está esperando?
Então, Jax sentiu.
Não era uma pressão psíquica como a de antes; era algo mais íntimo. Uma inspeção fria e alienígena que deslizava por sua mente. O Nemesor não estava apenas olhando para o Kation; ele estava olhando através dele, para dentro dele.
Jax sentiu o olhar do Nemesor como agulhas de gelo em seu cérebro. A criatura estava examinando-o. Ela podia ver sua cabine destruída. Podia ver seu rosto ensanguentado, o suor e as lágrimas de frustração. Podia sentir sua dor fantasma, a agonia de seus nervos gritando por membros-máquina que haviam sido apagados.
O Nemesor estava lendo sua alma. E, pior…
Jax sentiu uma emoção vazar daquela mente alienígena, uma ondulação fria que não era ódio, nem raiva.
Era divertimento.
A criatura estava se entretendo. A angústia de Jax, seu desespero, a fé quebrada em seu deus… tudo isso era uma forma de entretenimento para o Nemesor. Era o equivalente a um acadêmico observando um inseto complexo se debater em seus momentos finais, fascinado por sua dor primitiva.
Aquele foi o insulto final. Mais profundo do que a destruição de seu Kation. Mais profundo do que a negação de seu deus. Ser reduzido a um entretenimento.
O ódio de Jax, que havia se exaurido, encontrou uma nova fonte de combustível. Não era mais a fúria quente de um soldado. Era um ódio frio, negro e absoluto. A raiva final do mártir.
Você quer assistir? Jax pensou, seus lábios se curvando em um rosnado ensanguentado. Você quer ver o que um humano faz quando está encurralado? Então assista a isso.
Seu corpo podia estar quebrado, mas sua mão direita ainda estava perto do console.
Enquanto o Nemesor o observava com curiosidade sádica, os dedos trêmulos e ensanguentados de Jax se moveram. Ele ignorou os alarmes. Ele ignorou a fumaça. Sua mão encontrou o painel que ele procurava — o protocolo de autodestruição.
Uma luz vermelha piscava sobre ele, indicando ‘TRAVA DE SEGURANÇA: NÍVEL ÔMEGA’.
Jax aproximou o rosto do microfone do capacete, o sangue pingando de seu lábio. “Autorização de voz,” ele rosnou, sua voz quebrada. “Protocolo… Martelo Caído.”
Houve um clique audível e um bip suave de confirmação. A luz vermelha piscando sobre o painel ficou verde. A trava estava liberada.
Seus dedos ensanguentados não hesitaram. Ele bateu com a palma da mão no botão agora exposto, afundando-o no console.
A voz calma e feminina do computador ecoou no inferno do cockpit: “Sequência de sobrecarga do reator iniciada. Detonação em… CINCO segundos.”
Um alarme ensurdecedor, um grito agudo de morte da máquina, soou, e o reator do Kation pulsou com uma energia que fez o ar vibrar.
5…
Jax olhou para o Nemesor, triunfante, um sorriso ensanguentado e maníaco se formando. “Tarde demais, seu desgraçado!” ele gritou, sua voz rouca. “PROVE O PODER DE ADEL!”
4…
O Nemesor reagiu. Seus olhos de estrela morta focaram-se no reator pulsante. A sensação de divertimento se intensificou, misturada com uma súbita surpresa. O inseto tinha um ferrão, afinal. A criatura observou, fascinada, enquanto a contagem regressiva continuava.
Mas ele não se moveu. Ele não tentou fugir.
3…
O sorriso de Jax vacilou. A confusão o atingiu como um golpe físico. Por que… por que ele não está se movendo? Ele não tem medo?
O terror absoluto tomou conta de Jax. Ele percebeu a verdade. O Nemesor não estava com medo daquilo. Ele estava esperando. Ele estava deixando Jax saborear seu falso martírio, apenas para poder arrancá-lo no último segundo.
2…
Com uma lentidão casual, quase entediada, como se tivesse todo o tempo do universo, o Nemesor decidiu que o jogo havia acabado.
Sua foice colossal, que esteve erguida e imóvel sobre o cockpit por agonizantes segundos — um carrasco zombeteiro esperando o último suspiro de esperança de Jax — finalmente desceu.
O tempo se estilhaçou.
O início do movimento foi casual, mas o golpe em si foi um relâmpago de escuridão. A lâmina de energia púrpura-escura não refletia a luz; ela a devorava, deixando um rastro de errado em seu caminho.
1…
Ela passou através do torso do Kation, diretamente através do cockpit onde Jax estava sentado.
Não houve som. Não houve o clang de metal se partindo. Não houve impacto.
Mas Jax sentiu.
Ele sentiu uma leve, doentia… pressão. Uma perturbação no ar dentro do cockpit que pareceu passar através de seu peito sem tocá-lo. Não foi dor. Não foi calor, nem frio. Foi a sensação impossível de ser atravessado por um fantasma, um deslocamento momentâneo de sua própria substância.
Por uma fração de segundo, o universo ficou em silêncio. O cronômetro em seu visor foi substituído pela palavra: [DETONAÇÃO].
***
Jax piscou. Ele olhou para baixo, para seu próprio peito, esperando ver a ferida, o fim. Mas não havia nada. Ele estava inteiro.
Ele errou?
O pensamento foi uma faísca de esperança tão absurda e tão humana que doeu mais do que qualquer ferida. Por um microssegundo, ele se permitiu acreditar que viveria. Ele se permitiu pensar em Zeon e Anya, que ele tinha conseguido…
Então, ele viu.
Não começou nele. Começou no Kation. A linha de corte da foice, agora visível como uma veia púrpura doentia, estava subindo do chão do cockpit. Ela escalou a antepara como uma rachadura no gelo, silenciosa e imparável.
Ela alcançou o console. A palavra [DETONAÇÃO] piscou… e foi cortada ao meio.
Enquanto Jax observava com um horror silencioso e paralisado, a linha se alargou. O metal, os circuitos, as luzes… eles não se quebraram. Eles sucumbiram. As duas metades do console começaram a se separar, a deslizar lentamente uma da outra, como se as próprias leis atômicas que os mantinham unidos tivessem sido revogadas. Onde a linha passava, a matéria era dividida e simplesmente deixava de existir, deixando um vazio perfeito.
O ar no cockpit pareceu se partir. A fumaça girava de um lado da linha, mas não ousava cruzar para o outro.
Então, a linha o tocou.
Ele olhou para suas mãos, ainda nos controles. A linha púrpura subiu por sua luva direita. Ele não sentiu nada. Não havia dor. Não havia sangue.
Ele sentiu a sensação que tivera antes — a pressão de um fantasma passando por ele — mas agora ela estava parada nele, subindo por seu corpo. Era uma sensação de desfazer. Uma frieza que não era de temperatura, mas de ausência. A sensação de sua própria existência sendo desfeita, molécula por molécula.
A linha subiu por seu braço, atravessou seu peito, dividindo seu esterno. Ele tentou respirar, mas foi como tentar respirar o vácuo; seus pulmões pareciam estar sendo separados. Ele tentou gritar, mas suas cordas vocais já não existiam como um todo.
Ele tentou pensar em Zeon. Em Anya. Em Adel.
Mas os próprios pensamentos estavam se partindo. As memórias se desfaziam, as imagens se corrompiam e desapareciam.
Seu último pensamento não foi de medo ou raiva. Foi de pura, absoluta e infantil incompreensão. Uma tristeza profunda e solitária. Ele não entendia por que não doía. Ele não entendia para onde estava indo. Ele só queria que parasse.
Ele tentou formar uma pergunta final, um último pedido de sentido… mas a própria capacidade de perguntar foi a primeira coisa a ser apagada.
Eu… não…
Ele não teve tempo de terminar. A linha alcançou seu cérebro. A palavra [DETONAÇÃO], agora dividida em duas metades inúteis no console, piscou uma última vez antes de ser engolida pela inexistência. E Jax, o jovem piloto idealista, o portador do ‘Martelo’, foi apagado da existência.

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