Na penumbra da Câmara da Forja, o único som audível era o zumbido baixo e constante do Aegis de Éter Cristalizado. A barreira translúcida que envolvia o cubo negro flutuante, o Coração Quebrado de Adel, vibrava com sua moribunda canção de ninar, uma promessa de inviolabilidade que o universo acabara de estilhaçar com um escárnio silencioso.

    Do lado de fora do casulo de aço e agonia de Zeon, o corredor principal era um matadouro congelado no tempo. A imagem do Martelo de Jax, partido ao meio, repetia-se num loop nauseante atrás de seus olhos. A metade superior do Kation de assalto pesado não estava apenas deslizando para o chão; estava se desfazendo ativamente, a blindagem de Nictônio se dissolvendo em uma nuvem de partículas púrpuras que subiam como fumaça espectral. O cockpit, onde um garoto cheio de fé estivera segundos antes, era agora um buraco aberto para o vazio.

    O pior era o visor tático de Zeon. O ícone de Jax não ficou cinza. Não exibia “FALECIDO”. Ele simplesmente desapareceu, apagado do sistema como se nunca tivesse existido.

    Dentro do cockpit do Espectro, a quietude era sufocante. Era o silêncio da falha.

    “Vidente, status,” Zeon rosnou, sua voz um barítono áspero e controlado, rompendo o silêncio no canal da unidade.

    “Ativa, Capitão,” a voz de Anya soou, tensa, mas intacta. “Danos de blindagem moderados. Perna esquerda vazando refrigerante, mas operacional. E você?”

    “Danos no casco. Visor rachado. Perna esquerda respondendo com atraso,” relatou Zeon, com os dentes cerrados. Ele não mencionou a raiva. Ele não precisava. Sistemas de alerta piscavam em vermelho por todo o console — violação do casco, perda de fluido hidráulico — mas seus atuadores ainda respondiam. O visor principal, rachado em uma teia de aranha de cristal, distorcia a visão da câmara em um pesadelo cubista.

    A poucos metros de distância, o Vidente de Anya estava em uma condição igualmente precária, perfurado em uma dúzia de lugares. Entre eles, o Nemesor Entrópico simplesmente pairava, uma falha na realidade, sua presença uma tortura psíquica. Ele os observava, com a mesma curiosidade sádica com que observara Jax morrer.

    A mente de Zeon era uma tempestade contida sob uma camada de gelo. A fúria gélida pela morte de Jax lutava não contra a tática, mas contra a náusea da perda e a suspeita crescente da traição. A doutrina da Hegemonia, o Pragmatismo Sacrificial, exigia que ele visse Jax como uma variável tática que falhara. Uma equação que resultara em zero. Um “custo aceitável”.

    Mas Zeon não conseguia.

    Disciplina e controle eram o que o mantinham vivo, mas o silêncio súbito de Jax no canal da unidade estilhaçara essa armadura. Zeon havia testemunhado tudo: a tentativa desesperada de sobrecarregar o reator, o último ato de desafio de um soldado… e a zombaria final do Nemesor ao apagar a ameaça segundos antes da detonação.

    Ele era um novato, sim, mas era seu novato, um garoto cheio de uma fé que Zeon, em segredo, invejava. A imagem do ‘Martelo’ partido ao meio, a explosão sacrificial roubada, recusava-se a ser apenas um número. O gosto amargo da bile subiu por sua garganta, um gosto de falha pessoal, não de cálculo tático.

    Um flash de luz púrpura, refletido em seu visor rachado, o arrancou de seu luto.

    O Nemesor estava se movendo. Lento, casual, mas vindo em sua direção.

    A dor e a raiva foram instantaneamente compactadas e trancadas por séculos de disciplina. O luto era um luxo que ele não podia pagar. O comandante assumiu o controle, empurrando o homem que sofria para o fundo da consciência.

    A mente tática de Zeon avaliou a situação com uma clareza fria e brutal. O inimigo podia dobrar o espaço. O inimigo podia apagar a matéria. O inimigo não podia ser ferido por suas armas mais fortes.

    O duelo era uma impossibilidade.

    Essa única verdade era o eixo em torno do qual o universo de Zeon agora girava. Sobreviver. No inferno claustrofóbico de seu cockpit danificado, ele forçou o Espectro a se levantar, os atuadores da perna esquerda gemendo em protesto.

    O Kation, embora parcialmente destruido, ainda se movia. Zeon era um mestre na arte da guerra mecanizada, e seus reflexos, forjados em séculos de combate, eram instintivos. Ele engajou o Nemesor, transformando a futilidade em fúria.

    “Esquiva. Rola. Fogo de supressão. Repete.”

    O mantra do soldado era a única coisa que o mantinha vivo, a cadência brutal que sua mente tentava impor ao caos. Ele disparou, um movimento desesperado para manter a atenção do Nemesor longe de Anya, que tentava se reposicionar nas sombras do corredor, seu Vidente rangendo a cada passo.

    “Fogo de supressão, Vidente! Padrão Delta!” Zeon ordenou, os canhões de ombro do Espectro rugindo. Uma salva de mísseis Hellfire, carregados com ogivas de plasma de fragmentação, cortou o ar em direção ao Nemesor. Cada um era capaz de obliterar um tanque de linha de frente.

    O Nemesor, no entanto, não demonstrou nenhuma reação. Não se esquivou. Não levantou um escudo de energia. Simplesmente ergueu uma das mãos esqueléticas, em um gesto que beirava o tédio. O espaço ao seu redor se dobrou, não em uma curva suave, mas em uma distorção chocante. Os mísseis de Zeon, em vez de atingi-lo, curvaram-se em ângulos impossíveis no ar e explodiram inofensivamente contra o teto distante, suas detonações abafadas soando como um suspiro de desdém. Placas de obsidiana derretida escorriam lentamente, adicionando mais uma cicatriz inútil à fortaleza antiga.

    Crack-thoom.

    O som de um rifle Gauss de alto calibre rompeu o zumbido estático da batalha, reverberando pelo corredor. Era Anya. O projétil cinético, viajando a Mach 7, uma arma capaz de perfurar um cruzador com um único tiro, voou direto para o peito do Nemesor.

    E parou.

    A um metro do alvo, o projétil simplesmente parou no ar, como se tivesse atingido uma parede invisível de força intransponível. Então, com um som sibilante, ele se desintegrou em uma nuvem de poeira metálica, as partículas residuais flutuando no ar estático.

    “É inútil, Capitão!” A voz de Anya estava tensa pela frustração, o tom de desespero mal contido. “Nossas armas… são irrelevantes para ele! A física não se aplica! Cada projétil que disparamos, ele dobra o espaço ao redor dele.”

    “Eu vejo,” Zeon rosnou, o punho do Espectro batendo impotentemente contra o console de comando.

    Cada esquiva que Zeon executava contra os movimentos lentos e inevitáveis do Nemesor era uma aposta contra a geometria impossível do inimigo. Cada rajada era uma oração rouca lançada contra um deus surdo e zombeteiro, alimentada pela necessidade impotente de vingar Jax, de dar significado à sua morte roubada.

    Zeon odiava o Nemesor com uma intensidade fria que ameaçava congelar seu próprio sangue. Odiava-o por ter apagado Jax, por ter roubado seu sacrifício final. Mas, numa camada mais profunda e amarga de sua alma, ele odiava o Nemesor por provar que o universo era exatamente o lugar cínico e cruel que Zeon sempre temera ser. O fervor de Jax, sua fé inabalável… tudo aquilo fora esmagado sob o calcanhar da indiferença cósmica. O universo não recompensava a fé; ele a esmagava e seguia em frente, indiferente.

    Ele disparou outra salva de plasma, mais por reflexo do que por esperança. As esferas azuis curvaram-se no ar como se estivessem vivas, contornando o Nemesor e se dissipando contra as paredes distantes. Cada tiro falho era um eco da inutilidade da fé de Jax.

    “Ele está adaptando o padrão de seus ataques, Capitão,” a voz de Anya soou em seu comunicador, calma e firme como sempre, uma âncora de racionalidade na tempestade. Mesmo com seu Kation danificado, sua mente tática continuava afiada. “Ele está usando nossos próprios padrões contra nós. Ele não está reagindo aos seus movimentos, Zeon, ele está antecipando onde você vai estar. Lembra daquelas torres de defesa automatizadas no Asteróide Kestrel-7? O jeito que elas calculavam a trajetória dos nossos disparos antes mesmo de completarmos a mira? É o mesmo tipo de algoritmo preditivo, mas… ordens de magnitude mais rápido. Assustadoramente mais rápido.”

    A voz dela. A menção de Kestrel-7. Por um nanossegundo, o inferno do Pavilhão de Adel desapareceu. Ele não viu as torres de defesa automatizadas cravadas na rocha nua do asteróide, mas sentiu a claustrofobia dos túneis estreitos, o gosto metálico da poeira de perfuração no ar reciclado, o zumbido baixo e constante da energia pulsando pelas paredes. E ele ouviu a voz tensa de Anya em seu capacete, não rindo, mas murmurando cálculos frenéticos enquanto os canhões laser das torres viravam para onde eles iriam estar, não onde eles estavam. “Precisão assustadora, Capitão,” ela dissera, sua voz desprovida de humor. “Eles não erram.” Eles quase foram cortados em pedaços naquele dia, salvos apenas quando Zeon, seguindo um palpite desesperado baseado na análise de Anya sobre picos de energia, sobrecarregou uma junção secundária da rede elétrica do asteróide, causando um blecaute momentâneo que lhes deu a chance de escapar.

    Aquele momento, aquela memória – anos atrás, mas parecia ontem –, era mais real, mais sólida, do que a batalha impossível ao seu redor.

    “Eu lembro,” ele disse, sua voz baixa, quase um sussurro. “Eles sabiam cada movimento nosso. Quase fomos feitos em pedaços.”

    “Exatamente,” confirmou Anya. “Ele sabe para onde vamos atirar antes de atirarmos. Nossos sistemas de mira, nossos padrões de esquiva… tudo está sendo lido e calculado. A máquina não pode vencer a matemática dele.”

    O ultimato de Anya o atingiu como um golpe físico. A máquina não pode vencer. Sua voz, sempre a voz da razão tática, estava lhe dizendo que suas armas, suas táticas, seus séculos de treinamento… eram inúteis. Seguir o manual (“Esquiva. Rola. Fogo.”) era uma sentença de morte.

    Ele precisava de algo que a máquina não fizesse. Algo que seus padrões de combate não contivessem. Algo que a matemática do Nemesor não pudesse prever. Algo… humano. Algo desesperado. Algo que beirasse a loucura.

    Ele confiava em Anya mais do que em qualquer ser vivo no universo. Por décadas, ela fora seus olhos, sua consciência tática. Quantas vezes a calma dela o ancorara à beira da loucura? Ela era a última peça de sua antiga vida. E se ela dizia que a matemática estava errada, que a máquina não podia vencer, ele precisava mudar a equação.

    Astúcia. Não força bruta. O apelido que ele ganhara depois de Kestrel-7, sussurrado nos corredores da frota, não era sobre poder de fogo, era sobre usar a cabeça quando as armas falhavam. Ele não venceu as torres preditivas de Kestrel-7 com mais tiros; ele venceu desligando a energia delas.

    Ele olhou ao redor, os olhos varrendo o corredor gótico através do visor rachado. Não havia uma rede de energia para sobrecarregar aqui. Mas havia… ambiente. A arquitetura maciça. Os pilares. Os destroços. Elementos que a matemática do Nemesor talvez não considerasse variáveis tão importantes quanto os vetores de ataque de um Kation.

    “Entendido, Vidente,” respondeu Zeon, a raiva dando lugar a um foco frio e letal. “Mantenha a pressão no flanco dele. Preciso de espaço. Preciso que ele se concentre em você por um instante.”

    “O espaço é um luxo que não temos, Capitão. Mas vou comprar o que puder,” Anya respondeu, sua voz tensa, mas determinada.

    Zeon podia ouvir o som martelante dos canhões automáticos do Vidente rugindo em segundo plano, um som familiar e reconfortante de poder de fogo da Hegemonia tentando desesperadamente distrair uma entidade cósmica. Ele tinha um plano. Um plano desesperado, nascido da lembrança de Kestrel-7. Se a força bruta era inútil, talvez a astúcia — a marca registrada que o mantivera vivo por séculos — o salvasse desta vez também.

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