A futilidade era uma mortalha fria envolvendo o cockpit do Espectro. Cada tiro de Zeon se dissipava. Cada projétil de Anya era desfeito em pó. A análise dela ecoava na mente de Zeon, brutal e inescapável: “A máquina não pode vencer a matemática dele.”

    Mas então, outra memória se sobrepôs à de Kestrel-7. A imagem final de Jax. O reator do Martelo começando a sobrecarregar… e o Nemesor parando. Não hesitando, mas observando com aquela mesma curiosidade fria e sádica. Ele deixou a contagem regressiva chegar perigosamente perto do fim, saboreando a última centelha de desafio de Jax, antes de intervir no último instante com aquela precisão casual e insultuosa, apagando a ameaça (e o piloto) não por medo, mas por tédio ou capricho.

    Ele reagiu. O pensamento atingiu Zeon com a força de um raio. Ele não ignorou a sobrecarga. Ele a impediu porque escolheu impedi-la, porque era uma ameaça real, mesmo que ele a tratasse como um jogo.

    Isso significava que a explosão de um reator de antimatéria era uma ameaça. Talvez não o suficiente para matá-lo, mas o suficiente para forçar sua mão, para fazê-lo gastar energia, para interromper seu padrão de antecipação.

    Uma ideia desesperada, nascida da observação e da necessidade, começou a se formar. Uma aposta terrível, baseada na única vez em que o Nemesor pareceu reagir, em vez de simplesmente existir.

    “Anya… canal privado, encriptação Ômega, agora,” Zeon transmitiu, sua voz baixa e urgente, quase um sussurro rouco por cima dos alarmes ainda piscando em seu cockpit.

    Um bipe suave confirmou a conexão segura. “Estou ouvindo, Zeon.” A ausência do título era um reconhecimento tácito da gravidade do momento, um espaço de intimidade forjado em décadas de batalhas compartilhadas, agora invadido pelo horror iminente.

    “A sua análise está correta. Nossas armas são inúteis. A matemática dele nos derrota… se jogarmos pelas regras dele. Se tentarmos vencê-lo com força ou precisão.”

    “Não temos outras regras, Capitão.” Havia uma nota de exaustão profunda na voz dela, a resignação de uma estrategista que ficou sem opções. “Ele dobra a realidade. Ele apaga a matéria. Não há contra-ataque tático para isso.”

    “Talvez não,” Zeon concedeu, a mente focada na imagem final de Jax. “Mas ele reagiu à sobrecarga do Martelo. Jax nos mostrou. O Nemesor parou. Ele não a ignorou. Ele a percebeu como uma ameaça.”

    Houve uma pausa no canal, preenchida apenas pelo zumbido baixo dos sistemas danificados do Vidente. Zeon podia quase visualizar Anya revendo os dados em sua própria interface neural, seus olhos analíticos procurando a falha no argumento dele. “Uma ameaça que ele anulou facilmente, Zeon,” ela respondeu, a voz tingida de uma tristeza fria. “Ele observou, calculou o tempo exato, e apagou Jax e o Kation antes da detonação. Ele viu a sequência vindo.”

    “Exatamente,” Zeon pressionou, a ideia agora cristalizando-se. “Ele viu a sequência. Um protocolo de sobrecarga padrão. Um cronômetro fixo. Algo previsível, calculável, mesmo para nós. Mas e se… e se a detonação não seguir um protocolo? E se não houver um cronômetro para ele ler?”

    Outra pausa, mais longa. Zeon podia sentir a compreensão e o horror crescendo na mente dela como uma onda fria. “Manual…” A palavra saiu como um suspiro sem fôlego. “Você quer dizer… detonação manual? Zeon, não…”

    “É a única coisa que ele pode não prever com precisão!” Zeon argumentou, a urgência crescendo em sua voz. “Ele antecipa nossos movimentos, nossos disparos, porque são baseados em nossos sistemas, em nossos padrões. Mas a decisão humana… o momento exato em que um dedo aperta um gatilho sob pressão extrema… talvez isso esteja fora da matemática dele. Talvez seja rápido demais para ele apagar completamente antes que a reação em cadeia comece.”

    “Mesmo que ele não preveja o momento exato,” Anya contrapôs, a voz agora tensa com cálculo rápido, “a energia liberada… ele pode simplesmente contê-la, dobrar o espaço ao redor da explosão.”

    “Talvez. Mas ele teria que estar focado nisso. Ele teria que gastar energia nisso. E se estivermos perto o suficiente, talvez a onda de choque inicial… talvez cause algum dano antes que ele possa reagir completamente. Jax o fez parar. Isso é mais do que conseguimos com qualquer arma.”

    “Perto o suficiente significa…” Anya não terminou a frase. O significado era óbvio. O piloto estaria no marco zero.

    “Significa que é a única chance,” Zeon concluiu, a decisão se solidificando sobre a dor como gelo sobre um rio escuro. A voz dele era baixa, rouca, carregada com o peso do que estava prestes a propor. Ele fechou os olhos por um instante, não vendo apenas o rosto de Jax, mas a imagem do ‘Martelo’ partido e a detonação sacrificial que fora roubada no último segundo. Não vou deixar que a morte dele seja completamente em vão. Ele nos mostrou algo.

    Ele abriu os olhos, o foco frio e letal de um comandante encurralado retornando. “Eu faço isso.” A declaração foi feita sem hesitação, a única opção lógica em um cenário ilógico. “Eu uso o Espectro. Faço a corrida para a Câmara da Forja.”

    Ele fez uma pausa, a suspeita e a amargura endurecendo seu tom. “A Forja. O ‘Coração Quebrado de Adel’ que flutua naquele Aegis… É óbvio que é o que essa coisa quer. E, honestamente, parece ser a única razão que justifica por que nós estamos aqui. Mas o timing… não faz sentido.”

    Ele balançou a cabeça, a frustração visível mesmo através da interface neural. “A Nasus simplesmente nos deixa aqui, corta comunicação… e exatamente nesse momento, os Nictis aparecem? Coincidência demais para engolir. É como se tivessem esperado por nós, como se nossa chegada fosse o gatilho.”

    “Estamos isolados, sem suporte, servindo de isca sacrificial numa armadilha que cheira a traição interna,” ele continuou, a voz baixa e carregada de uma raiva fria. “Não sei porquê, não sei quem se beneficia disso dentro da Hegemonia, mas está claro que estamos envolvidos em algo muito maior do que uma simples missão de recuperação. A Forja… e nossa presença aqui… são peças de um jogo que não entendemos.”

    “Mas se a Forja é o prêmio que ambos os lados parecem querer,” Zeon disse, o foco retornando à estratégia desesperada, “então vamos usar isso contra ele.”

    “Vou dar a ele o que ele pensa que quer,” Zeon continuou, a estratégia se formando em tempo real. “Vou fingir uma corrida desesperada para alcançar o artefato dentro do Aegis. Vou fazer parecer que minha única esperança é usar ou destruir a relíquia antes que ele possa pegá-la.”

    “Ele vai me seguir. Vai tentar me impedir. Ele vai prever cada vetor de aproximação, cada tentativa de romper o Aegis. A lógica dele vai se concentrar em me parar antes que eu chegue ao artefato.”

    “No último segundo,” Zeon disse, inclinando-se para frente em seu assento, a intensidade queimando em seus olhos, “o mais tarde possível, quando ele estiver quase sobre mim, completamente focado em parar meu Kation, em proteger seu prêmio… eu ejeto. E detono o reator manualmente.”

    Ele enfatizou a última palavra. “Ele estará focado em me impedir de chegar ao artefato na câmara. Ele não estará esperando a detonação imediata, acionada pela minha mão, não por um cronômetro previsível que ele possa ler e anular como fez com Jax. É a única variável que ele pode não calcular a tempo. É a nossa única chance de causar dano real.”

    O silêncio dela foi pesado, carregado de uma objeção silenciosa que ele já esperava.

    “Não, Zeon,” Anya finalmente disse, sua voz firme, a pragmática assumindo o controle. “O Espectro está danificado, sim, mas ainda é o Kation mais funcional que temos. Sua perna está comprometida, mas o reator e os sistemas principais estão intactos. O Vidente… o Vidente está morrendo. O vazamento de refrigerante está crítico. Se alguém tem que sacrificar uma máquina, tem que ser a minha.”

    “Anya, eu não vou…”

    “Não é uma questão de querer, Capitão,” ela interrompeu, o título voltando como uma barreira. “É tática. O Vidente é a isca lógica. Além disso,” ela acrescentou, um tom quase imperceptível de orgulho ferido em sua voz, “minha armadura de reconhecimento tem um arsenal pessoal. Micro-mísseis, lâminas de energia, camuflagem. Eu tenho mais chances de sobreviver fora do Kation do que você.”

    Zeon odiou que ela estivesse certa. O Espectro era a única esperança de combate real que restava. Sacrificá-lo seria entregar a vitória. E ela era mais bem equipada para operar sem um Kation. Mas a ideia de mandá-la para o chão, para detonar uma bomba de antimatéria a metros de um ser que apagava a existência…

    “Ele vai antecipar seus movimentos, Anya. Ele saberá o que você está tentando fazer,” ele argumentou, agarrando-se a qualquer falha lógica.”Não se eu não estiver tentando atacá-lo,” ela retrucou, ecoando a própria lógica dele. “Eu estarei indo para a Câmara da Forja. Para o Aegis. Ele vai prever que estou tentando alcançar o artefato. Ele vai focar em impedir isso. Ele vai baixar a guarda para a outra ameaça. Seu plano está correto, Zeon. Apenas a variável está errada.”

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