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    POV: NOAH WILLIAMS

    Acordei naquela manhã barulhenta de rotina. 

    O quarto de hotel que eu estava era simples, possuía o básico para um estadia, uma cama dupla, com mesas de cabeceira em ambos lados, acompanhado por uma cômoda em madeira escura, até que bem luxuosa…

    Assim como possuía acesso para uma pequena sacada que dava visão para as redondezas.

    Depois de dar uma leve conferida nas coisas, desci rapidamente para o térreo, peguei um café simples na cafeteria que o hotel tinha, aproveitei e peguei algumas bolachas simples, e uma iguaria da região, algo como Cueca-virada era o nome…

    “Nome peculiar… mas é muito bom”

    Subi para o meu quarto, e caminhei até a varanda, e me sentei na cadeira que tinha ali, com o café em cima da mesa ao lado.

    A vista dali mostrava o movimentado trevo lateral, que dava acesso direto a cidade vizinha mais movimentada, a popular Brusque.

    Estava em um local aninhado entre colinas suaves no coração de um vale próximo a região costeira e de brinde, perto da capital.

    O Trilegal Hotel, onde eu estava hospedado desde que cheguei, ficava logo na saída, na direção que levava à capital, mas, curiosamente, mesmo estando tão perto de um centro urbano. O ambiente, ainda carregava a atmosférica sensação de interior ou de um lugar pacato, aquele tipo que trazia uma paz boa.

    O tipo de paz que quase me fazia esquecer o motivo pelo qual estava ali.

    Nos últimos dias, estive mergulhado em relatórios, escaneamentos, cruzamento de dados e observações discretas. 

    A SLI precisava de informações, e eu as estava coletando, uma a uma. 

    Era o dia de buscar alguns resultados. As assinaturas de QP haviam sido detectadas, finalmente. e a esperança era que os documentos que eu receberia hoje, me trouxesse pistas mais claras sobre o paradeiro de H e seus cúmplices.

    Voltei para dentro, ainda imerso em pensamentos, botei um pouco de açúcar no meu café, e tomei-o por alguns momentos.

    O café brasileiro era absurdamente forte para o meu paladar, e eu nunca consegui me adaptar completamente. Então, como sempre, adicionei um toque do bom e velho maple syrup, um detalhe doce e familiar da minha terra natal que ajudava a suavizar o amargor intenso. 

    Era um ritual pequeno, mas trazia certa sensação de conforto.

    O comunicador vibrou discretamente sobre a bancada, emitindo uma notificação silenciosa.

    Peguei-o com rapidez e li a mensagem: a entrega dos documentos chegaria à rodoviária em quarenta minutos. Suspirei, tomando o restante do café em dois goles apressados. 

    Era hora de sair.

    Peguei o casaco, vesti as roupas que havia separado para funcionar como um leve disfarce, nada muito elaborado, apenas peças que se alinhavam ao estilo local, com tons neutros e tecidos comuns. A região era dominada por lojas de calçados e roupas, então, muitas pessoas se vestiam bem, mas em sua maioria, eram apenas sapateiros.

    Manter o estilo simples ajudaria, pois queria me misturar, parecer mais um entre tantos.

    Antes de sair, parei na recepção do hotel para avisar que estaria fora por algumas horas.

    O recepcionista de sempre estava lá, firme e atento atrás do balcão. 

    Um jovem na casa dos vinte, estatura mediana, cabelo preto cortado curto e postura reta. Seu rosto exibia traços que sugeriam alguma ascendência europeia, talvez alemã ou italiana, algo comum naquela região. 

    Era educado, falava com respeito e clareza, mesmo após diversas horas de turno naquela posição.

    — Bom dia, senhor Williams — disse ele, com um leve aceno de cabeça.

    — Bom dia. Estarei fora por um tempo, volto antes do fim da tarde — avisei, ajustando o colarinho do casaco.

    — Sem problemas. Tenha um bom dia — respondeu com um sorriso breve, voltando logo em seguida à leitura que tinha nas mãos.

    Olhei discretamente para a capa do livro, e me surpreendi momentaneamente com o título, afinal, era uma obra clássica de Dostoiévski. 

    Aquela cena sempre me despertou um tipo peculiar de reflexão.

    Era curioso como aquele recepcionista se encaixava num retrato quase cômico, mas ao mesmo tempo profundamente revelador do Brasil.

    Um país onde, por trás dos panos, havia história podres se desenrolando que a SLI vinha investigando incessantemente pelos últimos anos. O estranho era que grandes nomes da política e da elite mal sabiam a cultura e o conhecimento mínimo para suas posições…

    Enquanto um jovem de vinte e poucos anos, preso doze horas por dia atrás de um balcão de hotel, lia um dos maiores clássicos da literatura mundial.

    “Que lugar estranho…”

    Voltando novamente minha atenção para a realidade. 

    — Ainda com o velho Dostoiévski? — comentei, apontando o livro com o queixo.

    Ele deu um sorriso irônico.

    — Melhor companhia do que muita gente por aí — disse ele, num tom que misturava sarcasmo e resignação.

    — De fato — murmurei, e segui meu caminho.

    Saí pelas portas de vidro do hotel e senti o ar fresco da manhã bater no rosto. 

    A brisa leve trazia consigo o cheiro da terra úmida e da grama recém-cortada. O pessoal da manutenção do hotel, começava bem cedo os trabalhos.

    Comecei a caminhar pelas ruas da cidade, rumo à rodoviária, que ficava mais ao centro. 

    O trajeto não era longo, talvez vinte minutos a pé, o suficiente para passar por algumas lojinhas, padarias e praças com bancos de concreto descascado, onde senhores de idade jogavam conversa fora logo cedo.

    Enquanto caminhava, mantinha minha atenção dividida entre o ambiente ao redor e os pensamentos que me acompanhavam desde que pisei ali. Algo naquela cidade me parecia estranho. 

    Não do tipo ameaçador, mas silenciosamente dissonante. Como se sob aquela tranquilidade toda houvesse algo enterrado, escondido. Era esse o instinto que me mantinha alerta, mesmo em cenários que pareciam pacíficos demais.

    As casas simples de cores desbotadas, o som de rádio AM tocando ao longe em alguma garagem aberta, os latidos espaçados de cachorros preguiçosos… tudo isso construía a fachada de normalidade que contrastava violentamente com os relatórios que eu lia à noite no quarto do hotel. 

    H e os outros estavam por perto, eu sentia isso. E se as informações estivessem corretas, eu não sairia daquela cidade sem uma nova pista sólida.

    Dobrei uma esquina, e conseguia já ver placas que indicam que a rodoviária estava se aproximando. Passei por um ponto de ônibus simples, de pequeno porte e com as cores da bandeira do município.

    Haviam algumas pessoas esperando por ônibus intermunicipais, com malas modestas e olhares sonolentos. Um vendedor ambulante carregava uma caixa de isopor, anunciando refrigerante e salgadinhos com uma voz arrastada.

    Verifiquei o relógio. Ainda faltavam dez minutos para o horário estimado da entrega.

    Caminhei caminhando em direção a uma das ruas que dava acesso à rodoviária, depois de um tempo cheguei na praça que fica ao lado da rodoviária.

    Mantive olhos atentos, mas disfarçados, varriam cada canto do espaço. Meu corpo parecia relaxado, mas a mente trabalhava incessantemente.

    Eu não confiava em coincidências.

    Se os dados indicavam movimentação aqui, havia um motivo. E quando H deixava rastros, mesmo mínimos, era porque ou havia pressa, ou arrogância.

    Pelo bem da operação, torcia para que fosse o primeiro.


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