Capítulo 30 - Perguntas sem respostas.
POV: HELENA IVYRA
A sala onde estávamos era exatamente o que se esperaria de uma escola pública.
Havia cadeiras verdes, todas feitas de um metal com sinais de ferrugem, que denunciava anos de uso, rabiscos e vários chicletes colados. O frio do assento atravessava o tecido da calça, e o som agudo do ferro arranhando o chão se repetia toda vez que alguém se movia.
Na frente, uma mesa de escritório longa, com as borrachas já caindo, acompanhada de uma cadeira onde o professor ficava diariamente. Ao lado, um armário de madeira escura e velha, com duas portas gastas.
Dentro dele, um computador que, contrariava o que se esperava daquela sala de móveis antigos. Afinal, era novo, possuía um monitor de qualidade e uma conexão bem feita com a lousa digital da sala.
Lousa digital… Era algo estranho de pensar.
Uma escola pública com móveis caindo aos pedaços, mas com acesso aquela tecnologia que era exclusiva á apenas algumas do estado. Com certeza, é uma característica incomum para aquele cenário.
“Definitivamente, irônico…”
Meus pensamentos sobre a estranheza daquela vista, foi quebrada quando o professor da próxima aula entrou na sala.
Uma das matérias mais interessantes, e que de vez em quando, podia ser uma total dor de cabeça… A dificuldade nem se dava pelo seu conteúdo e sim pelo professor, que era criterioso e metódico, mas mesmo assim, divertia seus alunos.
O indivíduo em questão, era um homem de postura ereta e voz firme. Sua aparência parecia que se encaixava com a sua profissão, de cabelos pretos tingidos e com um rosto carregado de uma barba toda embranquecida pelo tempo de sua idade. De olhar sábio e que mostrava sua sagacidade em analisar os outros.
Sempre com seus óculos redondos, que remetia ao famoso e jovem bruxo dos livros da nossa infância. Era o caricato, no entanto, excelente professor Francisco Martins da matéria de Fundamentos Éticos e Mágicos da Sociedade.
O professor, já animado, começava sua apresentação de praxe.
– Bom dia a todos – cumprimentou, enquanto olhava para cada rosto na sala. – Espero que as férias tenham sido boas, e que estejam bem descansados. Afinal, estão no último, o terceirão.
Arrumando sua bolsa em cima da mesa, deu a volta e olhou com mais calma para os rostos dos alunos. Vendo quais conhecia e quais eram novos.
Ele se apoiou na mesa, ajustando sua postura para continuar.
– Neste início, para quem não me conhece, irei me apresentar e pra quem já me conhece, irei apenas explicar como essa matéria irá funcionar durante o ano. – começou, abrindo sua pasta e pegando uma folha de papel, que continha o planejamento da matéria.
– Nossas aulas ocorrem duas vezes por semana, com quarenta e cinco minutos cada, nossa matéria é basicamente uma junção de duas matérias antigas: Filosofia Ética e Fundamentos Mágicos, até aqui tudo certo?
Observei ele ficar de olho na turma, esperando por uma resposta. Até que todos em praticamente uníssono, responderam: – Simmm
– Ótimo então… Nessas primeiras aulas, irei fazer algumas revisões dos conceitos básicos das duas matérias, como elementos básicos da dominação, regras principais de cada aspecto interpretativo, e é claro… Como vocês devem saber bem, é terceirão, o que significa que teremos aulas sobre o ENEL e como se prepararem para ele…
Eu fiquei de olho, mas me distraí, enquanto ele passava pelas orientações, por serem as mesmas de sempre. O som da voz dele preenchia o ambiente com um ritmo constante, como se cada palavra fosse medida.
Então, recuperou minha atenção ao perceber que ele começava a entregar uma pequena folha para cada um.
– Quero aplicar um teste simples – explicou, estendendo o braço para a fileira da frente. – Só para verificar o nível de atenção de vocês em alguns pontos.
Peguei minha folha e, ao encarar as perguntas, percebi que ele não exagerava: eram coisas básicas, quase óbvias, mas exigiam atenção.
Depois de focar nas questões por alguns minutos que se passaram.
O som das canetas riscava o papel. Eu, porém, já havia terminado, fiquei apenas olhando para a folha e suas perguntas sobre autoria e tipos de encantamentos mais comuns.
Que estranhamente lembraram-me das dúvidas que tive nos dias anteriores ao da ida à biblioteca…
Nem tive tempo para processar tudo o que aconteceu, afinal, depois daquele dia. Tive que ficar nos hospital por uns dois dias e depois já tive que ir no enterro da Rose…
Hmpf…
Suspirei, só de lembrar da cena horrível de ter que estar presente naquele momento que ninguém sabia o motivo real da morte dela… E saber que mesmo eu sabendo, não adiantava dizer nada.
“Afinal, ninguém acreditaria na garota maluca…”
O problema nem foi ter essas dúvidas na cabeça, a parte que mais doía foi ter que dizer para a neta da Rose que a avó dela morreu em um acidente…
Sendo que… a verdade era diferente
Sem perceber, acabei focando tanto naquela memória, que não me toquei que estava lacrimejando, e sem querer, derramei algumas lágrimas na folha, que limpei-a rapidamente antes que alguém percebesse.
As dúvidas me corroiam por dentro, assim como a sensação de incerteza do que havia acontecido com aquele bendito encantamento.
Um encantamento temporário… Será que aquilo era coisa da minha cabeça mesmo?
“Não, não!”
Eu sabia que era real, eu senti e vi aquilo na minha frente. Precisava crer nos meus sentidos porque eles eram a minha melhor aposta em entender tudo aquilo.
Mas… E se foi realmente apenas uma confusão minha?
E então, aquele flash mental. Piscou novamente, e tive um leve senso de estranheza… A biblioteca em chamas…
“O FLASH!”
A realização estalou em minha mente, quando juntei as peças.
A biblioteca em chamas. Não era uma lembrança comum, mas um flash súbito, vívido, que me deixava com a respiração presa, que me deu uma sensação de calor vívido. Aquilo não fazia sentido.
Mas, que por coincidência surgiu em minha mente momentos antes da biblioteca começar a pegar fogo…
“O papiro tentou me avisar?”
O questionamento me deixou incrédula só de pensar… Se foi realmente aquilo, como diabos era possível que isso acontecesse.
Ele tentou me preparar para o que aconteceria?
Se sim, o autor daquele papiro fez isso de propósito? Ou era tudo uma grande coincidência?
“Muitas perguntas e poucas respostas, como sempre… Na real, havia algumas coisas que eu poderia ter respostas”
Voltando minha atenção ao professor, que recolhia algumas provas, ergui a mão.
– Professor, posso perguntar uma coisa? – disse, minha voz soando mais hesitante do que eu queria.
Ele se virou para mim, inclinando ligeiramente a cabeça.
– Claro, Helena. Qual a sua dúvida?
Expliquei rapidamente a questão que vinha martelando desde a leitura na biblioteca. A questão da autoria dos relatos de vestígios históricos e como se reconhecia DAs nesses casos.
Minha fala era apressada, mas ele pareceu entender de imediato.
Ajustou os óculos no rosto e começou a responder.
– A sua interpretação faz sentido – afirmou, pensativo. – Mas, veja, é preciso considerar que, em certos casos, o contexto muda completamente a noção de autoria. E, por mais que seja tentador simplificar, o conceito nem sempre é tão fixo.
Acenei com a cabeça, concordando com o ponto. Esperando que ele continuasse, que logo o fez.
– Façamos o seguinte, lhe trago uma citação de um autor que detalha mais sobre isso na próxima aula, te trarei o livro do Kuhn para te apresentar… Ok?
– Certo professor, obrigada! – respondi, agradecendo com a cabeça levemente pelo empenho.
Minha atenção voltou para a sala quando a voz do professor soou mais uma vez.
– Turma, para complementar a aula de hoje, irei passar um trabalho diagnóstico – anunciou, em um tom que fez todos olharem para ele.
– Será uma redação. Quero que escrevam sobre o seguinte tema… – disse, anotando na lousa rapidamente. O texto que dizia: A humanidade é naturalmente boa ou ruim?
Olhei para o enunciado, sentindo uma pontada de ironia subir à superfície.
“Ah, escola pública… Sempre querendo que os jovens de ensino médio respondam as perguntas que nem os adultos conseguiram encontrar a resposta…”
Tá louco com esses caras, bando de preguiçosos…
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.