POV: HELENA IVYRA

    Depois da primeira aula de Fundamentos Mágicos, ainda com o tema complicado da redação em mente, considerava o que poderia ser dito do texto que realmente fosse interessante. Mas, não tive muito tempo para pensar nisso porque a próxima disciplina já estava na esquina.

    Me preparei para a próxima aula do dia, Literatura da História com a gentil e amada professora Maria.

    Essa sempre fora, para mim, uma das aulas mais cativantes, não apenas pelo conteúdo, mas pela forma como ela conduzia cada momento, como se puxasse um fio invisível que nos ligava aos eventos passados, assim como seus discursos que sempre ajudavam na hora de lembrar de alguma coisa importante.

    Durante o breve momento entre a saída de um professor para a chegada do outro, a sala parecia se agitar rapidamente como se um incêndio de dopamina tivesse se espalhado num instante. 

    Os grupos começavam a falar entre si, um ou outro se levantava para botar algum papel na lixeira, e também havia, os bem aventurados, que saiam da sala para ir ao banheiro.

    Algo que era contra as regras da escola… E eles sabiam.

    Porém nesse intervalo em específico, ninguém tentou a sorte, afinal era praticamente uma lenda entre os alunos. 

    O caso do aluno que fez esse ato, antes de uma aula da professora Maria. Era como um humano que ousou desafiar os deuses com sua rebeldia… E assim, como para Prometeus, que sentiu a irá do Olimpo ao tentar desafiar Zeus. O jovem sentiu o peso das consequências.

    Desde então, o indivíduo nunca mais foi visto com vida…

    “A real é que ele se mudou para outra cidade na semana seguinte, mas, não irei ser a estraga prazer que acaba com a lore da escola né…”

    Interrompendo meu pensamento épico e grego, surgiu a professora Maria, que entrou na sala, o ambiente pareceu se aquietar naturalmente, o que era de esperar… Todos tinham um certo medo dela. 

    Ela carregava aquela postura firme, mas acolhedora, que fazia todos prestarem atenção.

    Encostou os livros sobre a mesa, respirou fundo e começou:

    – Bom dia, turma. Para quem ainda não me conhece, sou a professora Maria. Vou acompanhar vocês na disciplina de Literatura da História, durante todo o ano letivo – disse ela, analisando o ambiente, como se contasse mentalmente a quantidade alunos. 

    – É uma turma grande, acho que uns 35 alunos no total, isso será bom, pois nosso foco deste ano será a história moderna, especialmente a brasileira, não iremos apenas analisar fatos, mas as forças que eles causaram na posterioridade. Entendido? 

    Todos acenaram, prontamente.

    Depois de uma breve apresentação sobre sua trajetória e o que pretendia trabalhar, ela voltou-se diretamente para mim, com um olhar suave, mas atento.

    – Helena… você está bem depois do ocorrido na biblioteca? – perguntou, a preocupação evidente em seu tom.

    Assenti, mesmo sentindo um aperto involuntário no peito.

    — Estou, professora. Obrigada por perguntar.

    – E… meus pêsames pela Rose. – A pausa breve, quase silenciosa, carregava mais empatia do que mil palavras.

    Apenas baixei os olhos e murmurei um agradecimento, sentindo aquele peso conhecido voltar, ainda que por instantes.

    Sabia que eventualmente, eu ouviria comentários sobre o acontecimento. Afinal, era uma cidade, onde as informações voavam entre as bocas bem rápido. E especialmente na escola, onde os todos os professores eram amigos e se conheciam.

    “Ou pelo menos a maioria…”

    Eu receberia algumas condolências eventualmente, o que seria bom, mas ao mesmo tempo um lembrete irritante.

    Seguindo adiante, Maria começou a introduzir a matéria do dia.

    – Hoje vamos iniciar com uma revisão da História Moderna, para que todos possam acompanhar o conteúdo ao longo do ano. Depois, nosso foco será a revisão da História Brasileira, que é bastante cobrada nas provas e será nosso principal tema.

    Falava enquanto começava a organizar os seus livros em um canto da mesa, e pegava o cabo do projetor.

    – Mas antes disso… vamos relembrar um acontecimento que estará fazendo aniversário em breve inclusive…

    As palavras delas, traziam uma reflexão interessante… desviei do assunto por um momento. 

    Sempre me pareceu curioso como a história brasileira era tantas vezes deixada de lado, eclipsada por eventos europeus ou globais. 

    Como se nossa própria narrativa fosse secundária. Esse pensamento, gerou algumas ideias…

    “Vou abordá-las depois… Melhor focar na aula”

    – …e isso nos leva às Três Grandes Fogueiras – continuou Maria. – Infelizmente, não posso disponibilizar os livros que tratam desse tema por causa da recente alteração na lei de preços. A escola terá que elaborar um jeito de contornar isso. Então, vamos trabalhar com slides e textos.

    Ela ligou o projetor, e as palavras começaram a preencher a tela.

    As Três Grandes Fogueiras

    Durante a Primeira Grande Guerra, na região europeia conhecida como Terra Média dos Alamanos, ocorreu um dos episódios mais sombrios da história literária e intelectual: a Terceira Grande Fogueira. Foi o auge do regime tirânico de Golf, um dominador autoral dotado do poderoso encantamento Psedvis Superior.

    Esse encantamento permitia a Golf criar uma ilusão quase palpável de superioridade física e mental sempre que estava sozinho, uma influência tão intensa que distorcia a percepção que os outros tinham de seus feitos e palavras. Por meio dessa falsa aura de grandeza, Golf construiu uma ideologia insidiosa e sedutora, que se espalhou rapidamente entre o povo alamano.

    Naquele tempo, a Terra Média dos Alamanos possuía um vasto acervo literário, mas suas leis de proteção ao conhecimento eram frágeis. Isso abriu caminho para ideologias manipuladoras. 

    Golf aproveitou essa brecha para conquistar a liderança política, usando seus poderes para controlar o Estado e perseguir intelectuais, leitores e escritores.

    Entre seus opositores, destacava-se Alberto, um autor renomado e combativo. Preocupado com o rumo que o país tomava, Alberto propôs uma reunião entre escritores e representantes do governo para criar novas leis literárias que garantisse a liberdade de expressão e protegessem o patrimônio intelectual.

    Mas Golf tinha outros planos. Sob o pretexto de diálogo, organizou uma emboscada mortal. O grupo paramilitar Gesellschaft für tote Literatur, a Sociedade da Literatura Morta, atacou com violência, eliminando quase todos os grandes autores presentes. Apenas Alberto escapou, refugiando-se no território norte-americano, onde viveu protegido, mas sempre sob a ameaça de ser capturado.

    Não satisfeito, Golf decretou a Lei Marcial Anti-Livro, proibindo qualquer manifestação literária fora do controle do governo. Em maio de 1933, o ápice da repressão aconteceu: milhares de livros foram confiscados e queimados em praça pública na capital alamana, no evento que ficaria eternizado como a Terceira Grande Fogueira.

    A imagem das chamas devorando páginas, símbolos do conhecimento e da liberdade humana. ocorreu o mundo, chocando e marcando a história. Pela primeira vez, havia documentação abundante provando que o ser humano podia destruir deliberadamente sua própria fonte de saber, apenas para preservar um poder mesquinho, que literalmente, não existia.

    “Sabia que aquela fala da doutora citava algo que eu conhecia…”


    POV: MARIA SOUZA, A PROFESSORA.

    Passando para o próximo slide naquele momento, que comentava a história das fogueiras… Um evento que eu adorava usar como exemplo, por sua importância. 

    – Antes da tragédia de 1933, dois outros eventos semelhantes já haviam manchado a história.

    – A Segunda Grande Fogueira aconteceu no século II p.L. (após o Livro), no início da Era de Ouro do Livro. Igrejas e governos do velho continente uniram forças para suprimir violentamente o acesso a obras científicas e literárias, perseguindo os Renascentistas, um grupo de intelectuais que ousava desafiar o monopólio do saber.

    – Em todas essas tragédias, o padrão se repetia: o medo de quem detinha o poder diante da liberdade que o conhecimento proporciona. Uma frase, atribuída a um dos autores mortos na emboscada de Golf, sintetizava a essência daqueles tempos:

    “É impossível ao humano, em sua plena razão, destruir aquilo que lhe proporciona o intelecto. Só a corrupção do desejo de poder pode justificar tamanho abismo.”

    A sala estava silenciosa quando o texto terminou. Eu permanecia olhando para a tela, sentindo um peso antigo e familiar, era sempre um assunto interessante de explicar, mas irritante pela falta de reação dos jovens…

    Trim-Trim.

    Tocou o sinal naquela hora, a aula passou voando. 

    – Guardem bem essas histórias – disse, desconectando o cabo do projetor em paralelo. 

    Não antes de dar uma olhada no último slide que contava os detalhes da primeira fogueira, a mais antiga e misteriosa de todas…

    Parei por um momento, e passei os olhos por cima do texto, relembrando o mistério por trás daquele caso.

    A Primeira Grande Fogueira ocorreu no século IV a.L. (antes do Livro), na era do Papyru, quando a lendária Biblioteca de Alexandria foi incendiada por hordas bárbaras. As motivações nunca foram totalmente esclarecidas, mas o resultado foi devastador: milhões de papyrus, pergaminhos e encantamentos se perderam, apagando séculos de conhecimento acumulado.

    Espero que um dia, encontremos a solução deste mistério… Fechei o computador e me direcionei para a próxima sala.


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