POV: NOAH WILLIAMS

    Era uma noite abafada de verão quando parti em direção ao bosque municipal. O primeiro lugar que pretendia investigar sobre o paradeiro de H. 

    O relógio já marcava quase onze da noite, e o ar quente parecia grudar na pele, pesado, como se o próprio ambiente quisesse me desencorajar. 

    Escolhi roupas simples, escuras, nada chamativas. Um conjunto de calça leve, tactel escuro e uma camiseta de manga curta, ao lado do meu sinto, uma pequena bolsa com itens básicos de primeiros socorros e aparatos mágicos de emergência.

    O disfarce não era elaborado, mas suficiente para atravessar as ruas laterais mal iluminadas sem ser notado. Passei pela rodoviária que havia visitado antes; o lugar ainda exalava aquele cheiro de álcool. 

    Depois de revisar os relatórios policiais com cuidado, compreendi que o Bosque era o primeiro ponto a ser investigado.

    O local era conhecido por todos como o coração do comércio de drogas da cidade. Mas não apenas isso: à noite, escondidos sob a copa espessa das árvores, pequenos grupos se reuniam também para negociar produtos roubados. O tal “mercado negro” a céu aberto.

    Era um bosque situado no coração da cidade, perto do rio e com acessos por todos os lados, composto por várias trilhas que cortam de ponto à ponta.

    Entrar e sair, não era o problema. Eu precisava me infiltrar lá, pois provavelmente seria o melhor lugar para obter informações.

    Havíamos pistas sobre a nova droga espalhada por H, e qualquer pista sobre sua origem ou composição seria valiosa. Especialmente para confirmar nossas suspeitas sobre o motivo de H ter ido atrás do pergaminho. 

    O problema, contudo, estava na natureza traiçoeira do bosque. 

    Eram trilhas demais, bifurcações que se perdiam na escuridão, saídas para todos os lados, as árvores eram densas e o calor era forte. Era inconveniente. 

    Um lugar feito para confundir, e pelo horário ainda havia pouca visibilidade. Não havia clareiras, apenas sombra e mais sombra. 

    Assim que entrei por uma das passagens laterais, vindo da avenida onde ficava o principal acesso que dava acesso ao espaço mais aberto do bosque, composto por várias árvores mal-cuidadas espalhadas pelo ambiente, percebi os sinais típicos de abandono humano e invasão da vida noturna.

    Vi ratos e ratazanas correndo apressados entre montes de folhas secas. Capivaras menores se afastaram discretamente, como se já estivessem acostumadas a dividir o espaço com presenças humanas indesejadas. 

    Os sons eram uma mistura caótica: o canto incessante das cigarras, o estalar de galhos quebrados sob passos pequenos e o rumor distante de vozes na rua, vindas de algum boteco próximo. 

    O cheiro também era confuso. Terra molhada misturava-se ao odor forte de cigarro barato e álcool barato. Conforme avançava, as garrafas quebradas no chão se tornavam mais frequentes.

    A escuridão, no entanto, era minha aliada. Mantive-me em silêncio, usando a ausência de iluminação a meu favor.

    Eu não sabia exatamente como chegar ao centro do bosque, mas os relatórios falavam sobre o certo “Xadrez”. Esse era o nome dado ao ponto de encontro. 

    Diziam que se tratava de um banco de praça, um tablado com desenhos de tabuleiro no piso, isolado no meio do nada. 

    O nome surgiu nos relatórios da polícia depois de vários incêndios reportados na área. 

    Ironia: o centro de tantas transações ilegais levava o nome de um jogo de estratégia.

    Continuei avançando até que, de repente, meus sentidos captaram algo. Assinaturas energéticas, múltiplas, todas convergindo em um mesmo espaço.

    Aproximei-me em silêncio. 

    Ali estavam. Um grupo considerável de pessoas reunido em torno daquele espaço aberto no meio da mata.

    Dividiam-se em pequenos núcleos: uns vendendo, outros comprando. 

    O ar carregado denunciava não apenas os cigarros, mas também substâncias queimadas em improvisados cachimbos de vidro, vários narguiles espalhados e um forte cheiro que remetia às diferentes drogas. 

    Abaixei-me entre a vegetação e tentei permanecer oculto naquela penumbra. A iluminação era baixa, mantinha apenas algumas poucas luzes no centro do pequeno espaço aberto, que continha apenas alguns bancos em cima de uma plataforma quadrada de concreto.

    Precisava observar antes de tomar qualquer decisão, mas antes de pensar no que fazer naquele momento, algo inesperado ocorreu.

    Do outro lado da clareira, em uma área mais afastada onde a penumbra se tornava ainda mais densa, um dos rapazes consumia uma espécie de narguilé improvisado e começou a convulsionar fortemente.

    No início, pensei que estivesse apenas embriagado demais, ou que a droga tivesse efeito mais forte do que o normal. 

    Mas em questão de segundos a situação piorou. 

    Seu corpo inteiro começou a se contorcer de maneira grotesca, cada contração tão violenta que dava a impressão de que seus ossos estavam tentando se partir por dentro, como se carne e ossatura travassem uma guerra sem vencedores.

    O barulho dos gritos que escapavam de sua boca se misturava ao som da mata noturna. 

    Era um grito agudo, desesperado, carregado de dor real, parecia que torturavam-o naquela amta.

    Vi pessoas ao redor recuarem instintivamente, assustadas com a cena, mas sem coragem de se aproximar. Nenhum deles parecia disposto a ajudar. O pavor tomava conta do grupo, mas, para mim, aquilo não parecia apenas uma crise física. 

    Eu sabia reconhecer que havia algo errado, senti o fluxo de energia ao redor mudar de maneira súbita, como um vendaval invisível. A aura dele explodia em descontrole, crescendo em intensidade de forma assustadora, como se fosse um balão prestes a estourar.

    A ameaça era clara. Se deixasse que aquilo evoluísse, não apenas o rapaz seria consumido, como poderia arrastar todos em volta com ele.

    Não podia, simplesmente, ignorar.

    – Ó, invasão à capital, brilhe na luz! – proclamei em voz baixa as palavras de um encantamento simples, mas eficaz.

    Ativando uma marca literária do meu pulso esquerdo. A energia respondeu prontamente, e uma luz branca, densa e cortante, explodiu no ar acima de nós. 

    O clarão foi tão intenso que os presentes levaram as mãos aos olhos, cegos momentaneamente. Os murmúrios de susto e protesto ecoaram na clareira, mas já era tarde demais para eles.

    Eu aproveitei a brecha.

    Avancei em passos rápidos e certeiros até o rapaz que convulsionava no chão.

    Perto dele, a cena era ainda mais angustiante. Seu corpo magro tremia de forma descontrolada, como se cada veia estivesse prestes a rasgar a pele. As roupas, sujas e esfarrapadas, mal cobriam a fragilidade juvenil.

    De perto, percebi que ele não tinha mais do que dezoito anos.

    Jovem demais e inexperiente demais. Um corpo fraco sendo forçado a suportar algo que nenhuma pessoa deveria carregar.

    Seu rosto estava em um tom vermelho forte, com olhos revirando-se em diversas direções sem padrão… Sua aparência era praticamente a de uma criatura possuída. 

    Ajoelhei-me sem hesitar.

    Minhas mãos se moveram quase por instinto, rápidas, firmes, mas sem brutalidade. Abri a pequena bolsa de couro presa à minha cintura e retirei o kit de coleta.

    O tempo era curto; eu sabia que cada segundo aumentava o risco de que aquela energia descontrolada se libertasse de vez.

    Segurei o braço dele, desviando de seus espasmos violentos, e introduzindo a agulha com precisão. O sangue jorrou em quantidade suficiente para preencher o frasco pequeno.

    Ele continuava se debatendo, os olhos virados, a boca espumando em uma cor… roxa. 

    Sem pensar duas vezes, retirei de dentro da bolsa lateral, a seringa com o inibidor mágico e injetei a dose cuidadosamente medida. Por um instante, o corpo do rapaz endureceu ainda mais, como se resistisse. 

    Mas logo senti, que a pressão invisível que emanava dele começou a ceder, lenta, irregular, mas real. O fluxo caótico diminuiu, embora permanecesse instável, como brasas ainda acesas sob cinzas finas.

    Sua respiração voltou ao normal assim como sua assinatura energética.

    Eu soltei um suspiro discreto. Ele não estava salvo, mas ao menos o colapso fora contido.

    Levantei-me rapidamente. O barulho ao redor já mudava, afinal os outros começavam a se recuperar da cegueira temporária. Murmúrios nervosos, xingamentos abafados, passos apressados em minha direção.

    Eu não tinha mais tempo.

    Fechei os punhos e dei meu próximo passo.

    – Ó, Chamas da Liberdade, venham a mim – proclamei, desta vez mais agressivo. A resposta foi imediata.

    Um estalo seco ecoou no ar, seguido pelo surgimento repentino de chamas em um ponto seco da mata, que logo incendiou-se.

    O fogo se espalhou depressa, alimentado pelas folhas secas e galhos quebrados. O laranja ardente iluminou as árvores e projetou sombras distorcidas contra o chão.

    – Fogo! – ouvi alguém gritar.

    O caos foi instantâneo. 

    Pessoas correram, umas tentando fugir, outras tentando apagar o fogo em desespero. O pânico se espalhou tão rápido quanto as chamas.

    A distração havia funcionado.

    Sem olhar para trás, corri em direção ao lado oposto da clareira. 

    A vegetação fechada se tornou meu escudo enquanto eu avançava pelas trilhas estreitas. Os galhos arranhavam meus braços, e o chão irregular dificultava a passada, mas nada disso importava. 

    Eu precisava sair dali antes que alguém tivesse clareza do que realmente acontecera.

    No meio da corrida, saquei o telefone do bolso da calça. Apertei o botão e levei-o ao ouvido, ainda ofegante.

    – Polícia – murmurei, tentando manter a voz firme apesar da respiração acelerada. A linha se conectou com um estalo. – Incêndio no Bosque Municipal. Enviem unidades imediatamente.

    Não esperei resposta. Desliguei antes que começassem a fazer perguntas. Não era o momento de dar explicações.

    Continuei correndo até alcançar uma das saídas laterais opostas a que entrei.

    Atrás de mim, os gritos, o estalar das chamas e o som da confusão ainda ecoavam, mas cada passo me afastava daquele cenário.

    Dentro da pequena bolsa de aparelhos, junto ao peito, o pequeno frasco com o sangue coletado parecia pesar mais do que deveria. Eu sabia que ali dentro havia respostas. 

    E, talvez, um vislumbre do verdadeiro horror que aquela nova droga escondia.

    A cada passo, os sons do caos atrás de mim ficavam mais distantes. 

    Escolhi uma das saídas laterais e deixei o bosque pela sombra das árvores, ainda sentindo o cheiro de fumaça atrás de mim.

    A amostra de sangue estava segura, e o próximo passo seria encaminhá-la para análise. 

    Algo me dizia que aquela coleta não revelaria apenas informações sobre a droga de H, mas talvez também sobre os efeitos destrutivos que ela começava a causar.

    Segui meu caminho em silêncio, carregando comigo o peso da noite e a certeza de que aquele fora apenas o primeiro movimento no tabuleiro. 

    “Que os jogos comecem…”


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