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    POV: HELENA IVYRA.

    Eu andei até a plataforma de treinamento, e senti a familiar mistura de antecipação e nervosismo. 

    Professor Miguel estava ali, sua postura impecável e um sorriso sutil nos lábios que prometia mais dores musculares do que um café da manhã tranquilo. 

    Ao meu lado, estava a Renata, com os olhos fixos na quadra, a energia já pulsando levemente em seus pulsos.

    “Certo, Helena, sem moleza hoje…” 

    Nada de canhão de vidro… Precisava aprender os encantamentos como o professor havia ensinado.

    As últimas aulas tinham sido um misto de teoria e prática. Miguel nos empurrava para além dos nossos limites, não com brutalidade, mas com uma lógica implacável que me fazia questionar se eu realmente o que era dominação.

    Hoje, o foco era a eficiência energética, um ponto crucial que ele havia reforçado após nossas últimas sessões de combate.

    — Precisamos aprender a otimizar cada QP — dizia ele, com aquela voz calma que fazia suas palavras parecerem sentenças gravadas em pedra. — Não é sobre o quão forte você bate, mas o quão inteligentemente você gasta sua força.

    Ele nos instruiu a criar os encantamentos de jeitos mais básicos, como uma pequena plataforma hexagonal, por exemplo. Só que com a diferença de usar o mínimo possível de QP.

    Parecia simples, no entanto, era um inferno de concentração.

    Sentia minha Marca Literária, a Tesselação Axiomática, brilhar em azul-claro no meu pulso direito enquanto eu tentava visualizar a geometria perfeita com a menor energia. 

    Era como tentar desenhar um círculo perfeito sem tirar a caneta do papel, mas com os olhos vendados. 

    Cada oscilação na minha mente se traduzia em uma borda trêmula ou um brilho excessivo, o que quebrava o construto eventualmente.

    — Menos é mais, Helena — comentava o professor, sem sequer precisar olhar para mim. — Tente sentir o fluxo, não o force. A energia é um bonsai, não um incêndio descontrolado.

    Renata, com sua Essência do Sonhador e Reservatório Onírico, parecia ter uma vantagem natural nisso. 

    Seus encantamentos já eram, por natureza, mais sutis e exigiam uma manipulação de energia mais refinada. 

    Ela criou uma pequena névoa translúcida que dançava no ar com uma leveza impressionante, quase sem gasto perceptível de QP. 

    Eu a observava, um misto de admiração e uma pitada de inveja. Era quase injusto como a energia dela era tão fluida.

    — Como ela faz isso?

    Dispersei minha frustração, enquanto meu hexágono pulsava com uma energia teimosamente forte demais.

    — É o Reservatório Onírico dela, — Miguel respondeu, como se lesse meus pensamentos com aquela sagacidade irritante. — Sua capacidade de acumular energia dos sonhos lhe dá uma base mais estável. Mas não se compare.

    A cada tentativa, sentia minha testa franzir mais.

    Era como se o meu cérebro estivesse tentando fazer cálculos complexos em tempo real, cada axioma de Euclides se transformando em uma variável na equação da eficiência. Para aprimorar a resistência e versatilidade dos construtos requeria um controle minucioso da energia.

    — Lembrem-se do seguinte, os poderes de cada usuário dependem da criatividade e observação, em especial, temos que visualizar a invocação em nossos sentidos, para que ele se materialize adequadamente — comentou Miguel, que sem querer, interrompeu minha linha de raciocínio.

    — Quando usamos nossos poderes, seja analogicamente ou literalmente, plantamos uma semente em nossa criatividade, que é a ideia da nossa invocação, quanto mais QPs botarmos nela, maior será o seu crescimento. Porém, é importante saber podar a árvore resultante em seu tamanho e ramos.

    Senti a concentração de energia que Miguel acabara de fazer em seu pulso esquerdo, e logo momentos depois. 

    Um braço energético apareceu ao seu lado direito, com as cores que eram de Diamante de Minas.

    Ele havia ativado a invocação apenas parcialmente. Apenas o suficiente para criar seu braço e não o avatar inteiro. Dessa forma, ele usou-o para pegar uma garrafa de água que estava no chão, sem precisar se abaixar.

    Pegou-a com sua mão esquerda, e usando o braço energético, abriu ela sem dificuldades. Tudo isso, enquanto mantinha seu braço direito para trás, sem sequer mexê-lo. 

    — Entenderam a ideia? — comentou ele, conforme desfazia a invocação. — Alguns encantamentos podem ser simples e pequenos como uma muda, outros, podem ser metodicamente podados e de tamanho calculado, como um bonsai…

    Como se tivesse um estalo de compreensão. Decidi tirar uma dúvida.

    – É sobre entender o seu objetivo com o encantamento e dosar sua energia de acordo?

    Notei que ele deu um sorriso de canto de boca, antes de se virar e dar alguns passos em direção a saída da quadra.

    — Exatamente isso, por hoje o treino de controle está encerrado, — ele anunciou. — Vocês fizeram um progresso notável, vão descansar um pouco…

    Finalmente, após o que pareceu uma eternidade de hexágonos imperfeitos e névoas inconsistentes, Miguel nos dispensou com um sinal de satisfação sobre o resultado da aula.

    Senti um suspiro de alívio escapar, mas também um formigamento de orgulho. 

    Era bom ser reconhecida, especialmente por alguém tão exigente e com um currículo tão impressionante. 

    Ele me lembrava de que meu objetivo de me tornar acadêmica e física não era tão louco quanto parecia na escola.

    Por hora, podia deixar esses pensamentos de lado e ir descansar.


    POV: MIGUEL CASTRO.

    Eu as observei da lateral da plataforma, os braços cruzados, o olhar fixo em cada movimento. Helena e Renata, juntas, eram um enigma fascinante. 

    Separadas, um estudo de caso sobre potencial bruto e refino. 

    Hoje, o foco foi a eficiência energética, conceito que muitos magos levavam anos para dominar e que a maioria dos recrutas da SLI sequer compreendia em profundidade.

    Minha designação na SLI para essa missão era clara: monitorar Helena e a natureza do encantamento G, e investigar os impactos da nova droga em circulação. 

    Mas quanto mais eu as observava, mais minhas convicções profissionais se aprofundavam. Não era apenas vigilância; era o reconhecimento de um talento raro.

    Helena, com sua Tesselação Axiomática, era um espetáculo de maleabilidade. Suas mãos traçavam padrões geométricos no ar, cada hexágono, cada linha, um teste de sua concentração. 

    Ela ainda lutava contra a tendência de usar muita energia, o “canhão de vidro”, mas hoje, a determinação em podar seu bonsai era palpável.

    Renata, por sua vez, era o estudo de caso perfeito em controle intrínseco. Sua Essência do Sonhador e Reservatório Onírico permitiam que ela manipulasse a energia com uma delicadeza quase etérea. 

    Ela não tinha a versatilidade de Helena, mas a coesão de seus encantamentos era algo que exigia respeito e atenção minuciosa.

    “Realmente, hoje foi uma aula especial de fato…”

    Eu havia colocado seus nomes como possíveis agentes da SLI futuramente em meu relatório inicial para o QG, mas a cada aula, a certeza crescia. 

    Não apenas possíveis, mas definitivamente necessárias.

    Ambas possuíam um talento que, bem orientado, poderia rivalizar com o de muitos veteranos da SLI.

    Quando a aula terminou, elas desativaram seus encantamentos, instruí-las a irem buscar água enquanto eu arrumava os materiais na quadra. 

    Elas assentiram, ainda ofegantes, mas com o brilho da satisfação nos olhos.

    Enquanto observava-as caminhando em direção ao bebedouro, o som de vozes vindas de um grupo de alunos que passava pelo corredor me chamou a atenção. 

    Não eram as vozes inocentes que se esperaria em uma escola, mas um tom de malícia e desprezo que me fez ficar alerta.

    “Olha se não as Unicórnios,” ouvi um deles zombarem, a voz carregada de escárnio.

    “Malditas autistas recebem tratamento especial antes do teste…”

    Meus punhos se fecharam instintivamente. 

    Aquelas palavras, ditas com tanta facilidade, me remoeram a alma.

    Eram apenas adolescentes… mas tão frios e mesquinhos desse jeito?

    “Esse lugar é estranho…”


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