Capítulo 39 - Fim da Burocracia (I).
POV: RENATA SILVEIRA.
“Finalmente, estamos acabando essas benditas revisões”
Era como se a sala carregasse, ao mesmo tempo, um peso de cansaço e uma expectativa ansiosa.
Já sabíamos que, depois daquele encontro, estaríamos prontos para entrar de cabeça nos conteúdos do terceiro ano.
Não havia volta, quando o professor Francisco entrou, ninguém ousou falar. Ele tinha esse dom de silenciar a turma sem esforço. Colocou a pilha de livros na mesa, ajeitou os óculos e disse, com aquela voz firme que parecia cortar o ar:
— Hoje falaremos sobre Maestria.
Peguei minha caneta quase por reflexo e anotei no caderno, aquele conceito era um dos chaves no aspecto de dominação. Sempre era bom revê-lo, melhor prestar atenção.
— A maestria, meus caros — começou ele, escrevendo no quadro — é a aplicação do fator mais importante em qualquer conhecimento: o tempo.
As letras rabiscadas na lousa digital, surgiam claras graças à ferramenta da caneta especial usada, bem desenhadas. A caligrafia dele parecia tão sólida quanto o conteúdo.
— Quanto mais tempo se passa, mais o conhecimento amadurece. E como o conhecimento para nós, é poder — ele pausou, olhando para cada um de nós — então a maestria é a forma como o tempo nos ajuda a amadurecer esse poder.
Ouvi um colega sussurrar atrás de mim, mas logo o silêncio voltou.
— Quero que entendam o seguinte: o controle de energia mágica de vocês melhora com o tempo. Mas não se enganem. O tempo, por si só, não aumenta sua capacidade energética, muito menos a força do encantamento. O que determina a força é o domínio, lembrem disso!
Eu franzi a testa, tentando acompanhar a linha de raciocínio.
— Então, o que o tempo traz? — ele prosseguiu. — Eficiência. Imaginem dois usuários do mesmo encantamento, digamos um pyromancer, apenas como hipótese.
Antes de continuar, vi ele anotar dois bonequinhos no quadro, novamente, com a proposta de apresentar melhor o conceito com um diagrama. Separados por uma barra, ambos os bonecos haviam símbolos que indicavam chamas ao seu lado.
— O de maestria iniciante gasta dez QPs para criar uma simples chama. Já alguém com maestria intermediária ou avançada faria a mesma chama com oito QPs. Ou seis ou menos…
Visualizei a cena: dois magos lado a lado, um suando para manter uma chama instável, outro acendendo uma labareda igualzinha sem esforço. A diferença não era o que faziam, mas como faziam.
— Há, porém, um limite — ele ergueu o dedo, dramático. — Nunca será possível invocar sem gastar nada. Mesmo na maestria suprema, sempre haverá um custo mínimo.
Anotei essa frase com um cuidado especial: sempre existe um limite.
Ele largou a caneta do quadro e caminhou entre as fileiras, as mãos cruzadas nas costas.
— O aspecto fundamental do poder é o domínio das regras do encantamento. Quanto mais profundo o conhecimento, maior a maestria. Quanto maior a maestria, melhor o controle. E melhor o controle, mais rentável o uso de energia a longo prazo.
Minha caneta corria pelo papel, quase sem pausa. Era como se as peças começassem a se encaixar.
— Mas não é só isso — acrescentou, parando ao lado da janela. — A maestria também amplia as aplicações de um encantamento.
Olhares curiosos se cruzaram pela sala. Ele sorriu de leve, como quem guarda uma boa anedota.
— Por exemplo, há uma treinadora muito talentosa, Cristiane Souza, provavelmente uma das melhores técnicas de futsal do mundo… Quando pensamos em algo assim, quais marcas literárias viriam à mente?
Passou mais uma vez entre as fileiras, dessa vez retornando à frente da sala. Percebendo o silêncio da ausência de respostas, optou por continuar:
— Muitos pensariam em marcas de livros de fisiologia, estratégia ou algo assim…Na real, ela é uma dominadora de marcas literárias de Jogos Vorazes, os livros a ensinaram como trazer o melhor nas pessoas… Interessante não?
A turma teve alguns cochichos abafados e até uma risadinha aqui ou ali.. Eu mesma quase deixei escapar.
— O que podemos concluir disso? — ele perguntou, levantando as sobrancelhas.
Enquanto terminava de anotar, até pensei em responder, mas antes que pudesse, ele concluiu.
— Que a maestria pode criar diferentes aplicações dos encantamentos, além de que em casos específicos, até mesmo superar os patamares de dominação — respondeu ele mesmo, com firmeza. — Não é apenas sobre altos patamares de dominação, mas sim como usar eles.
Já ouvimos essas explicações várias, mas entender uma nova abordagem, sempre era interessante para ajudar no esclarecimento.
“É preciso saber entender a importância da aplicação, assim como entender o controle da energia…”
Fechei o caderno devagar, acho que estava chegando o horário do recreio e com ela, o suposto final da aula.
Mas…
Vi o professor voltar à mesa e arrumando seus livros, comentou:
— Ah, esqueci de comentar, hoje teremos duas aulas em sequência, troquei as minhas aulas com a da prof Andressa, porque terei um compromisso na próxima semana, então verei vocês depois do recreio
Assim que o sinal tocou, começou aquela bagunça de quem parecia ter soltado os animais no meio da floresta. Uma baita multidão saindo das salas e indo para a fila do lanche ou da cantina para comprar mini-pizzas.
O pessoal sempre acelerava para tentar pegar um lugar nas quadras para jogar algo durante o recreio ou até mesmo para pegar um bom lugar nas mesas do lanche.
Então, a movimentação era comum daquele jeito.
Saí da sala com passos lentos. No corredor, Helena me alcançou.
— Cara… — disse ela, ainda ofegante como se tivesse corrido para me alcançar — esse negócio de maestria é meio confuso, não?
— Como assim?
— Fico pensando… — ela ajeitou a postura, e se endireitou — será que dá pra vencer alguém mais forte só com isso?
Sorri de lado. Percebi que ela acabou não prestando atenção naquilo, provavelmente estava divagando nas ideias.
— Óbvio que dá…. O professor praticamente confirmou na aula, não viu?
— Pera… sério? — Helena parou por um segundo, olhou com estranheza como se estivesse procurando nas memórias. — Devo estar dormindo ainda, não é possível…
— Pelo visto é, deve estar no expresso viagem na maionese isso sim…
— Muito engraçado… Bom, tentarei prestar atenção na próxima aula, já que teremos duas — comentou ela, enquanto começava a andar para a fila da cantina. — Quer uma mini-pizza?
— Só se você pagar… hehe
— Típico seu, espero que não me dê calote que nem na última vez…
— Eu? Nunca fiz isso…
— Aham sei.
Atravessamos o pátio, recheado de britas, rapidamente, e chegamos na ponta da fila que já começava a fazer curva.
Olhando ao redor, todos se movimentando por aqui e ali.
Geralmente, o ambiente era tenso para duas introvertidas. Mas, todo mundo costumava cuidar do próprio nariz, mesmo acontecendo alguns atritos eventualmente.
— Ei…
Tirando do meu leve foco, ouvi a voz de Helena baixa, quase um sussurro.
— O que foi? — perguntei.
— Você acha que teremos força suficiente para as seletivas?
Eu respirei fundo. A pergunta dela carregava um sentido oculto. Não era sobre vestibulares a pergunta. Era mais uma insegurança falando mais alto do que outra coisa.
— Sim, teremos — respondi prontamente.
— Mas, e se não tivermos?
— Então continuaremos tentando independente do resultado, ouviu? Vamos pegar essa mini-pizza e voltar para a sala, bora garantir que compreendemos essa bagaça, entendido?
— Tá, tá, sim general, descansar soldada…
Revirei os olhos com a zoação, mas fazia parte do cotidiano com a Helena.
Por hora, optei deixar aquelas preocupações dela de lado. Ela estava meio alheia às coisas nos últimos dias, creio que pelo que aconteceu na biblioteca…
Pretendo focar em ajudar ela nos estudos, aquele negócio maluco do fugitivo, veremos depois.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.