Capítulo 40 - Fim da Burocracia (II).
POV: RENATA SILVEIRA.
Ainda estávamos processando o que o professor Francisco havia explicado sobre maestria quando voltamos para a sala logo após o recreio.
Os primeiros minutos sempre eram barulhentos, até o pessoal se aquietar, todos voltarem para as suas salas, e as turmas novamente se organizarem, tudo isso geralmente sempre roubava mais alguns momentos a mais.
O professor já acostumado com isso, pegou a caneta e rapidamente retornou ao conteúdo sem esperar que o dessem atenção.
— Agora, falemos sobre a recarga de energia.
Abri o caderno rapidamente, pronta para dar continuidade nas anotações anteriores.
— Vocês já sabem que QPs são a nossa energia mágica — disse ele, conforme desenhava um círculo no quadro e o preenchendo com riscos curtos. — O que talvez ainda não tenha parado para refletir é o processo de geração dessa energia.
Escreveu a palavra leitura bem grande, em letras firmes.
— Cada vez que lemos, estamos alimentando o subconsciente. A informação se acumula, e dela surgem os QPs. É por isso que eu insisto tanto: leiam, todos os dias. Até mesmo uma leitura cotidiana, mesmo breve, já garante recarga ou menos um breve aumento na energia.
Pensei em quantas vezes me obriguei a ler antes de dormir, mesmo cansada. E também nas dezenas de vezes que os professores sempre diziam aquilo, e como mesmo assim, vários alunos escolhiam ignorar.
Talvez agora aquilo fizesse mais sentido do que eu imaginava.
— O tempo de leitura é crucial — continuou ele. — Dez páginas equivalem, em média, a um QP. Um livro inteiro, de três a cinco. Mas não é só quantidade: a qualidade da leitura também importa, leituras mais complicadas, geralmente são melhores, porque demoram mais tempo…
Alguns colegas cochicharam, calculando mentalmente quantos QPs deviam ter acumulado. Eu mesma fiz minhas contas rápidas.
— Mas, atenção — o professor levantou o caneta outra vez — não confundam canalização da energia com a ativação dela.
Ele desenhou uma seta saindo do círculo para uma pequena marca, um símbolo que lembrava um losango.
— Vocês podem canalizar energia para uma marca literária sem ativar o encantamento. Nesse caso, a energia não é gasta. Ela fica ali, em repouso, como água acumulada em uma represa. Podem, inclusive, transferir essa energia para outra marca ou dissipá-la, se desejarem cancelar a ação.
As palavras dele caíam como uma revelação. Nunca tinha parado para pensar nessa diferença entre canalizar e ativar.
— Esse princípio — ele prosseguiu — foi tantas vezes explorado na ficção que acabou moldando muitos sistemas mágicos que vocês já leram por aí. O conceito clássico de mana vem exatamente disso.
Alguns riram, mas eu fiquei em silêncio, intrigada.
— A arte imita a vida, ou a vida imita a arte? — ele provocou, sorrindo. — Essa é uma pergunta que vocês sempre devem pensar em nossas aulas.
Eu franzi a testa. Copiei os conceitos um a um, junto aos diagramas no caderno.
“Porque se parar para pensar, várias coisas que vemos na ficção são inspiradas por coisas reais que, às vezes, nem sabemos que é… ideia interessante, acho que irei ver mais sobre isso depois”
Vi o professor Francisco largar a caneta em cima da mesa e pegar uma folha de papel em uma pasta.
— Dito isso… antes de avançarmos para o próximo conteúdo, deixa eu dar um fim a essa burocracia rapidamente… um aviso rápido.
Ele se virou novamente para o quadro e depois de alguns momentos, terminou de escrever uma data e o endereço da escola.
— Para quem quiser aumentar temporariamente sua energia mágica, haverá uma feira do livro em breve aqui na escola. Leitura além de ser um lazer legal, é um bom treino, então, tentem dar uma olhada, ok? — perguntou, esperando a resposta da turma.
Que veio no instante seguinte, em praticamente uníssono: — Okay!
Um burburinho atravessou a sala. A feira do livro era já uma tradição da escola, praticamente todos os anos havia uma… O detalhe é que sempre em datas diferentes, sempre aleatório.
O motivo? Ninguém sabia… Mas, isso não impedia os estudantes de especularem, já ouvi rumores que gente que fazia até bolão para tentar acertar quando a feira ocorreria…
Não que eu tenha participado de um desses, é claro…
“He, he”
O ambiente ao redor da feira sempre era divertido, podíamos comprar livros novos, sair um pouco da rotina das aulas, passear um pouco sem ter que se preocupar. Era um tipo de pausa bem-vinda.
Mesmo no começo de ano, que apesar de ser um leve desperdício, era com certeza uma atração para iniciar bem as aulas para valer.
Eu mesma já comecei a planejar que estandes visitaria, quais livros pretendia comprar… E claro, o planejamento financeiro, afinal… os preços estariam mais caros, né?
“Complicado…”
Mas antes que pudesse me perder nesses pensamentos, um barulho seco me fez estremecer.
TRÁ!
Olhei para o lado. Um dos colegas da terceira fileira tinha caído da cadeira. O corpo dele começou a se contorcer de forma estranha, braços e pernas batendo sem controle. Eram… convulsões?
— Ei! — alguém gritou. — Ele tá passando mal!
O professor reagiu no mesmo instante. Correu até o garoto, afastou as mesas e os alunos ao redor com a ajuda de dois alunos e se ajoelhou ao lado dele.
— Fiquem para trás! — ordenou, a voz grave. — Preciso de espaço!
O som dos movimentos violentos ecoava, misturado aos sussurros apavorados. Alguns já estavam de pé, outros tapavam a boca com as mãos em espanto.
Vi o professor segurar firme os ombros do garoto e, com um gesto discreto, canalizar energia para uma de suas marcas. Não ativou nada visível, apenas manteve o controle. Creio que ele estava tentando checar se a energia mágica dele estava reativa, o que poderia ser sinal de perigo.
A tensão no rosto dele dizia tudo.
— Chamem a diretoria, agora! — ele ordenou a um dos colegas.
Segundos depois, dois funcionários entraram correndo. O professor ajudou a erguer o aluno, ainda se debatendo, e juntos o levaram para fora da sala. O som dos passos pesados ecoou pelo corredor até desaparecer.
Ficamos em silêncio absoluto. Ninguém sabia o que dizer. A cadeira caída no chão parecia um símbolo, uma sombra pesada que pairava sobre nós.
Respirei fundo, tentei entender o que aconteceu. Mas a resposta que latejava na minha mente não tinha total certeza. Então, a pergunta ficava em aberto…
“O caralhos acabou de acontecer, reação alérgica será?”
A aula terminou ali.
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