Capítulo 42 - Aprendendo Truques Novos.
POV: HELENA IVYRA.
Espalhei meus cadernos e anotações pela mesa e respirei fundo. O silêncio do meu quarto sempre fora algo reconfortante, assim como era sagrado o tempo de silêncio que eu usava para descansar e praticar um pouco.
Minha rotina já estava virando um hábito: ficar depois do almoço, enquanto os corredores se esvaziavam, para aproveitar o horário vago até a aula especial com o professor Miguel.
Era uma boa hora para estudar e resolver os exercícios em grupo com a Renata. Mesmo assim, não se comparava com o meu quarto e o meu horário de estudo próprio. Ter um momento só, é ótimo e necessário de vez em quando.
Sinto-me mais serena quando estou sozinha, como se o silêncio fosse um companheiro e não um inimigo.
E, convenhamos, sem a Renata me cutucando a cada cinco minutos pra fazer algum comentário aleatório. Eu conseguiria me concentrar melhor no objetivo de hoje… Os benditos axiomas.
Abri o caderno em uma página rabiscada de símbolos, linhas e figuras geométricas. O título estava escrito em letras grandes: Tesselação Axiomática – Revisão dos Fundamentos.
Só de olhar já senti o peso da responsabilidade.
Minha marca literária, cravada no pulso, brilhou levemente. Era assim quando eu mergulhava demais nesse tipo de estudo: parecia que ela própria me chamava para o trabalho, pulsava como uma espécie de lembrete natural: Oh, Helena, vai estudar!
Desde que despertei esse encantamento, sempre soube que não se tratava apenas de decorar fórmulas. A ideia tinha algo a mais… eu teria que aprender a manipular conceitos invisíveis, moldá-los no ar, como se fossem fios luminosos prontos para serem tecidos em uma tapeçaria mágica.
O processo de tecelar é bem similar a costura, só que no meu caso, não uso linhas.
Uso teoremas e axiomas. Aqueles tipos de conceitos básicos que só acreditamos que existem… Pelo bom e velho porque sim.
Fechei os olhos e deixei a energia correr pelos dedos.
Meu encantamento funcionava basicamente como um arsenal de crochês mágicos, pois eu precisava entender a forma de como ligar os construtos e montá-los um a um.
Depois que isso estivesse feito, o próximo passo era decorar aquelas equações em ordem e repetir suas execuções na cabeça, para que na hora de canalizar a energia para a marca, o construto fosse realizado.
A cada respiração, sentia o calor suave dos QPs percorrendo minha mente.
Lembrei-me de quando despertei esse encantamento pela primeira vez, foi há quase dois anos atrás, eu estava começando a me interessar pelo estudo de livros de matemática mais técnicos,
Hoje, depois desses dois anos de treino, os construtos pareciam tão naturais quanto escrever uma frase.
É claro, que ao invés de letras, palavras e frases, eu usava operadores lógicos, teoremas e provações.
“Matemática é um idioma por si só… Querendo ou não”
Olhei para o meu caderno, e decidi revisar os primeiros axiomas rapidamente…
Entre dois pontos distintos pode-se traçar uma linha reta
Simples e direto, mas era a base de tudo. Isso me permitia conectar pontos e linhas para a formação de objetos.
Abri a mão direita e imaginei dois pontos de luz flutuando diante de mim. Eles surgiram, pequenos, azulados e vibrando como estrelas. Um instante depois, conectei-os com uma linha reta.
Ela brilhou firme, imutável, como uma corda esticada entre dois mundos.
— O caminho mais curto… sempre o mais seguro — murmurei para mim mesma.
O segundo axioma veio logo em seguida.
Um segmento de reta pode ser prolongado indefinidamente em linha reta.
Aquela era a parte que sempre me deixava meio desconfortável. Havia algo no conceito de infinito que mexia com minha cabeça. Na matemática, usamos alguns conceitos como verdadeiros mesmo sem saber se de fato são, por exemplo.
Nesse segundo conceito… Há o aspecto de que qualquer linha poderia ser estendida infinitamente dependendo dos pontos que eu usasse para definir ela.
Ainda assim, respirei fundo e estendi a linha para o limite de onde conseguia com meus braços esticados. Com os braços nessa posição, eu canalizo energia para a marca.
— Tesselação Axiomática
Usando a vocação vocal, meu encantamento torna-se independente do fluxo contínuo de energia. Dessa forma, a linha se manteve firme, vibrando em silêncio.
Eu quase podia ver como ela ficava pairando em minhas mãos, como se a própria realidade fosse obrigada a reconhecer aquela reta.
— Ok, isso é só a fundação. Vamos ver se consigo ir além — comentei, sorrindo de canto de boca.
Virei a folha rapidamente, e vi os axiomas de segundo grau, os que exigiam mais delicadeza.
Era como bordar no ar, precisando de concentração total para não desmanchar o desenho.
Com qualquer centro e qualquer raio, pode-se traçar um círculo.
Apoiei dois dedos no ar, escolhendo o ponto central com um dedo no ar. A energia respondeu de imediato, girando ao redor da minha mão. Um círculo perfeito surgiu, claro como vidro e firme como aço.
Ele girava devagar, emitindo pequenas ondas de energia que arrepiava a pele dos meus braços.
Eu sabia o quanto aquele círculo era útil. Ele podia ser um escudo, engrenagem, até mesmo base de sustentação para estruturas mais complexas.
Fiquei satisfeita, lembrando de quantas vezes já tinha falhado em manter a forma estável. Agora, parecia quase natural. E junto dele, o quarto axioma veio logo depois.
Todos os ângulos retos são iguais entre si.
Tracei quatro linhas e as fechei em um quadrado brilhante. Os lados estavam perfeitos, cada ângulo igual ao outro, sólido como um tijolo. A precisão me dava orgulho, e também um certo frio na barriga.
Era estranho pensar que, com treino suficiente, eu poderia transformar um quadrado como aquele em uma muralha inteira.
“Se os chineses tivessem isso há séculos atrás… A história teria sido bem diferente”
Abri os olhos e contemplei o conjunto: a reta longa, o círculo perfeito, o quadrado rígido. As três formas flutuavam diante de mim, conectadas com as engrenagens de um relógio antigo.
Cada uma pulsava em seu próprio ritmo, mas juntas vibravam em harmonia.
Eu podia sentir como cada axioma se comportava sozinho, mas também como eles ganhavam força em conjunto. As retas criam a fundação, os círculos reforçaram, os ângulos davam resistência.
Era como montar um quebra-cabeça invisível, onde cada peça sustentava a outra.
— Então é isso… não preciso apenas repetir as formas. Posso combiná-las.
Deixei a longa linha atravessar o círculo, e o resultado foi uma estrutura que lembrava uma bússola. As intersecções brilhavam com mais intensidade.
Em seguida, aproximei o quadrado, encaixando-o dentro do círculo. O contraste entre o rígido e o curvo fazia a energia tremer, mas não se desfez.
Ainda assim, não era perfeito. A energia vibrava de forma instável, quase escapando dos meus dedos. Desfiz a construção antes que ela desmoronasse sozinha.
As fagulhas azuis se dispersaram pelo ar, sumindo como estrelas cadentes.
Recostei-me na cadeira e respirei fundo. O suor escorria pela testa, embora o esforço tivesse sido mais mental do que físico.
Trabalhar com os axiomas era sempre assim: cada sessão drenava uma parte da minha energia, como se eu tivesse corrido quilômetros.
Peguei o caderno e anotei rapidamente:
Combinar retas, círculos e quadrados gera instabilidade. Precisa de pontos de apoio externo.
Olhei para a frase e ri sozinha. Ponto de apoio… exatamente como na vida, né?
Nenhuma estrutura se sustenta sozinha por muito tempo.
Meu pensamento se dividiu por um instante. Lembrei-me da Renata, que sempre dizia que eu pensava demais. Talvez ela tivesse razão.
Mas, no fundo, eu sabia que esses momentos de reflexão eram tão importantes quanto a prática. Não era apenas sobre levantar barreiras ou construir formas brilhantes. Era sobre entender o que elas significavam.
Levantei a mão outra vez. As linhas ainda vibravam dentro de mim, pedindo para sair. Resolvi tentar algo novo.
Criei dois pontos, liguei-os com uma reta, depois prolonguei por um tamanho um pouco menos do que o anterior.
Em seguida, tracei dois círculos, um em cada extremidade da reta. O resultado parecia uma balança equilibrada no espaço. Tentei reforçar a estrutura adicionando quadrados nos pontos de intersecção.
O brilho oscilou, mas resistiu por mais tempo do que eu esperava.
— Ha! — soltei, quase rindo. — Funciona!
Durou pouco, é verdade, mas foi o suficiente para confirmar que estava no caminho certo. Anotei outra vez:
Estruturas compostas podem se sustentar se distribuídas simetricamente.
A cada tentativa, a sensação crescia dentro de mim: eu estava aprendendo truques novos, e cada um deles podia se tornar útil quando a hora chegasse.
Fechei o caderno por um instante e fiquei olhando para o teto. A casa estava silenciosa, exceto pelo zumbido distante de algum motoqueiro aleatório na rua. Pensei em como seria enfrentar uma batalha real usando aquilo.
Círculos como escudos, quadrados como barricadas, retas como lanças… talvez até combinações mais complexas que eu ainda nem tinha descoberto.
Eu tinha construtos complexos no arsenal já: manoplas que usava com frequência, simples hexágonos de proteção, plataformas simples com retângulos ou quadrados.
Todas essas formulações eram algo útil para o uso em combate, mas sempre eram frágeis com geralmente de uso único. O que complicou os combates de longa duração no treinamento ou até na…
“Biblioteca…”
Melhor focar meu pensamento em outra coisa. Pretendo começar a investigar aquele acontecimento em breve, só vou esperar acabar as primeiras provas.
— Um dia, essas figuras vão ser mais do que treino — falei em voz baixa, como se fizesse uma promessa a mim mesma. — Elas vão ser minhas armas.
Deixei a caneta cair sobre o caderno e fechei os olhos por alguns segundos, para descansar um pouco a mente.
O treino tinha me drenado, mas também me deixou com uma estranha sensação de euforia. Era como se cada linha que eu traçava fosse também um traço do meu próprio futuro.
E, de certo modo, era exatamente isso.
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