Capítulo 43 - Investigações de Noah (V).
POV: NOAH WILLIAMS.
O almoço não tinha nada de especial. O cheiro de café misturado ao que parecia um bolo de chocolate já se espalhava pela área de alimentação do hotel, decidi fazer minhas refeições ali mais por conveniência do que por vontade.
Afinal, continha comidas tradicionais ao mesmo tempo que tinha as rotineiras de qualquer lugar.
O lugar era um salão simples, mais adentro do andar térreo do hotel, que continha várias mesas formando um contorno ao redor da sala. Algo como um buffet.
As mesas estavam postas de maneira simples, a comida vinha sem qualquer requinte, e talvez fosse justamente isso que eu precisava naquele momento: uma refeição comum, que não chamasse atenção, que não me distraísse mais do que já estava.
A cada garfada, no entanto, minha mente divagava. O sabor parecia se perder entre as camadas de pensamentos.
Cortei a carne com um gesto quase automático, mastiguei lentamente, e meus olhos pousaram na tela apagada do meu comunicador, repousado ao lado do prato.
Eu sabia que receberia o resultado dos testes à qualquer momento…
“Espero que sejam boas notícias…”
Depois das investigações do bosque e da entrada da cidade, compilei todas as informações de ambos os acontecimentos e os enviei para à SLI para análise laboratorial.
Mesmo assim, pela distância de onde estava para a equipe central que estava em Brasília, demorou um tempo para a resposta do relatório.
Com as informações que tinha, pude ter o rascunho mental do que estava acontecendo na cidade nos meses anteriores.
E cheguei a conclusão que algo grande estava sendo testado ali, a vinda de H não foi apenas em virtude da procura do arquivo G, mas também pode ter sido algo relacionado ao teste da droga nova.
“Melhor aproveitar o meu almoço logo… Creio que não terei muito tempo para fazer isso…”
Continuando meu breve momento de comilança, enquanto aproveitei para ver a rotina matinal do hotel se desenrolar, várias pessoas passavam para pegar um almoço rápido e já retornavam para o quarto, outras apenas passavam pelo salão e iam embora apressadamente.
Os funcionários do hotel andavam de um lugar para o outro, como formigas atarefadas. O movimento para muitos poderia ser um incômodo, no meu caro, sempre achei natural então, me senti em um leve momento de paz.
E foi exatamente quando tentei relaxar, forçando um gole de água, que senti meu comunicador vibrar.
O som discreto ecoou como um disparo no silêncio da sala.
Peguei o aparelho imediatamente, e abri a notificação. O relatório laboratorial finalmente havia sido concluído.
Percorri os dados linha a linha, sentindo a estranha tensão de quem desmonta uma bomba sem saber se tem as ferramentas certas.
As amostras que eu havia enviado semanas atrás retornaram com resultados claros e, ao mesmo tempo, nebulosos.
Era, de fato, algum tipo de elixir, ou medicamento mágico, se é que ainda se podia chamar assim.
Algo alterado, mexido por mãos que sabiam exatamente o que faziam.
Os sintomas e propriedades ainda não eram totalmente compreendidos.
Os analistas foram cautelosos em suas observações, mas havia detalhes suficientes para me deixar em alerta.
A substância reagia de maneira anômala em contato com energia vital e, em alguns casos, amplificou o fluxo natural dos circuitos mágicos até o ponto de ruptura.
Um risco real, para não dizer um desastre anunciado.
O cruzamento de dados foi o que me deixou mais inquieto.
As amostras apresentavam compatibilidade com outras investigações conduzidas pela SLI. Casos em Hong Kong, na Sibéria e até em Bruxelas tinham mostrado o mesmo traço químico-mágico.
Não foi um acidente isolado.
Alguém estava espalhando aquilo, talvez testando, talvez distribuindo… e nós só conseguimos juntar pedaços do quebra-cabeça agora.
Engoli em seco. Qualquer que fosse o propósito, não havia dúvidas: os efeitos eram estranhos e potencialmente devastadores para quem ingerisse aquela droga.
Deixei os talheres de lado e respirei fundo, tentando acalmar a mente. A prioridade era clara: precisava encontrar Miguel e repassar tudo.
Ele sabia se mover melhor em certas esferas da cidade, e talvez já tivesse informações complementares.
Levantei, ajeitei o casaco de uma forma que ficasse amarrado na cintura, chequei se todos os documentos estavam comigo e me preparei para sair.
Foi nesse instante que outra notificação surgiu. O mesmo comunicador vibrou em minha mão, exibindo leituras recentes de QP.
As flutuações vinham do cemitério da cidade. Novamente.
Eram leituras que se repetiam já havia alguns dias, sempre no mesmo horário aproximado, sempre no mesmo ponto.
Fechei os olhos por um momento, indeciso. Miguel teria que esperar.
Investigar aquilo podia render respostas imediatas, ou ao menos uma nova pista no pior dos casos.
Se as leituras continuavam, era sinal de que não eram coincidência.
Passei pela recepção do hotel, e lá estava ele. O simples e quieto recepcionista, já mergulhado em seus livros como de costume.
— Boa tarde, Sr. Williams! — disse ele, assim que botava o livro que lia de lado.
— Boa tarde, só para avisar, irei sair agora, volto provavelmente à tarde como sempre, ok? — respondi rapidamente.
— Sem problemas, teremos um café especial hoje a noite, então recomendo que não perca, se possível — comentou ele.
— Não perderei, obrigado! Tenha um bom dia…
Enquanto já me virava em direção a porta, me lembrei da última vez que encontrei-o com Dostoiévski nas mãos, como se estivesse prestes a resolver os dilemas da alma humana em meio ao tédio de seu turno.
Agora, fiquei curioso pelo que ele estaria lendo. Camus? Tolkien?
Olhei de canto de olho, por cima da tela do monitor, e vi que o exemplar que segurava era outro, e tinha o nome diferente… Call of the Night.
Balancei a cabeça, quase sorrindo sozinho.
“Gostos peculiares… Melhor nem perguntar o que passa na cabeça daquele homem”
Deixei-o para trás e segui pelas ruas barulhentas da primeira hora da tarde.
O sol já começava a se levantar no horizonte, o que deixava o clima de calor evidente. Tinha que me apressar porque o cemitério ficava no outro lado da cidade praticamente, então era uma boa caminhada até lá…
O portão de ferro do cemitério rangeu baixo quando o empurrei. O barulho ecoou pelo espaço aberto, como se até mesmo as sombras tivessem prendido a respiração diante da minha presença.
Entrei devagar, os olhos atentos, absorvendo cada detalhe.
As lápides se alinhavam em fileiras organizadas.
Algumas, tinham decorações ricas, com flores frescas e estátuas de mármore reluzindo sob a luz do sol. Mas a maioria, possuía apenas decorações simples com nada mais do que uma cruz e uma leve placa de indicação do nome e informações gerais do falecido.
A paisagem falava mais do que qualquer coisa…
Naquele solo, não havia diferenças, e a igualdade da morte se impunha sem piedade à todos.
Segui pelo corredor central, ouvindo o farfalhar da grama úmida sob meus passos. O ar trazia um cheiro terroso característico, mas logo algo destoava, havia um cheiro a parte no meio daquilo.
Uma fragrância forte e incômoda, que não reconheci de imediato.
Era mais pungente, quase metálica. Optei por seguir o cheiro, conforme andava pelo local.
As assinaturas de energia mágica não forneciam informações precisas de onde ocorreram os picos, apenas davam um panorama geral de onde procurar.
Os vários corredores me custaram um pouco de tempo, afinal na maioria deles, nada saia do que se esperaria…
Fiquei atento, especialmente em momentos em que o estranho odor se intensificava. Meus olhos varreram as pequenas sombras que começavam a se formar, as lápides, cada detalhe ao redor.
Cheguei até a parte mais ao fundo do cemitério, onde as sepulturas eram mais antigas e menos cuidadas. Ali, o silêncio era denso, quase sufocante.
Foi então que vi.
Um corpo, estendido no chão.
A cena me paralisou por um instante. A pessoa parecia desacordada, ela estava imóvel e em uma posição estranha, como se tivesse sido deixada às pressas.
A pele pálida mostrava uma ausência de qualquer cor normal, e o peito se movia tão levemente que precisei me aproximar para ter certeza de que ainda respirava.
Me aproximei do corpo, aparentava ser o corpo de um jovem, com roupas de cor clara, mas sujas de terra de onde estava. E carregava um forte cheiro de várias coisas estranhas… Uma mistura enjoativa. Possuía um capuz cobrindo sua cabeça que dificultava sua identificação.
Toquei seu pulso. O batimento estava fraco e irregular e pela condição atual, parecia que estava ali há várias horas.
Minhas mãos cerraram-se instintivamente.
Aquilo não era nada ao acaso, as leituras ocorreram há no máximo vinte duas horas atrás…
Olhei em volta, os sentidos em alerta.
“Droga… Cheguei atrasado de novo”
Não havia mais ninguém. Nenhuma sombra além das estátuas de pedra, nenhum movimento entre as árvores.
Mas ainda assim, a sensação de estar sendo observado não me abandonava.
Endireitei a postura, respirando fundo, tentei organizar a avalanche de pensamentos.
Teria que decidir rápido: levar aquela pessoa para um tratamento médico e depois fazer uma varredura do local…
A brisa fria atravessou o corredor central, o que agitou as folhas secas. E naquele silêncio pesado, tive a impressão de ouvir algo mais.
Me levantei, e comecei a discar um número no meu comunicador quando…
Um sussurro distante, um estalo seco, talvez apenas fruto da minha imaginação.
Mas o meu instinto dizia outra coisa. Meus cabelos se arrepiaram… Pois
Uma energia mágica assustadoramente alta surgiu das minhas costas…
“Está vindo do corpo…”

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