Capítulo 48 - Teste Beta (II).
POV: NOAH WILLIAMS.
Ainda incerto sobre a derrota da mulher, permaneci imóvel por alguns segundos, fiquei de olho no corpo imóvel no chão.
A fumaça espessa que preenchia o segundo andar ainda dificultava a visão, havia partículas cinzentas que dançavam no ar, iluminadas por pequenos feixes de luz que atravessavam as frestas do teto destruído.
O cheiro era uma mistura pesada de ferrugem, couro queimado e fumaça.
Meu coração batia descompassado, como se tentasse acompanhar o ritmo da vibração que ainda emanava das runas da Torre de Babel, agora lentamente se dissipando atrás de mim.
Cada respiração trazia um gosto amargo de poeira e sangue.
Mantive a atenção na mulher caída à minha frente, seus cabelos desgrenhados colados à pele pálida e úmida.
As veias arroxeadas que antes pulsavam com energia brilhante agora pareciam se dissolver sob a pele, e desapareciam lentamente.
Ainda assim, algo nela me incomodava. A forma como o peito subia e descia em intervalos irregulares, o leve tremor nos dedos e a rigidez do corpo.
Não confie na quietude.
A voz de Miguel ecoou em minha cabeça, um conselho que ele repetia em dezenas de missões.
Com dificuldade, alcancei o coldre lateral e puxei a pistola. O metal frio da arma contrastou com o calor que ainda emanava das minhas mãos.
Respirei fundo e mirei na direção do corpo. O cano brilhou por um instante, e por um momento, refletiu a luz azulada dos resíduos energéticos que ainda pairavam no ar.
Dei dois passos à frente, firme, o som das botas afundando nos destroços. Meu dedo deslizou sobre o gatilho.
— Se ainda estiver consciente, é melhor não tentar nada — murmurei, mais pra mim do que pra ela.
Mas antes que eu pudesse concluir o movimento, algo cortou o ar atrás de mim.
Um som agudo, rápido e metálico.
Em seguida, uma dor intensa percorreu meu pulso. Uma corrente fina e incrivelmente forte, chicoteou no ar e atingiu minha mão, de forma que arrancou a pistola dos meus dedos.
O impacto foi tão preciso que o metal da arma tilintou ao cair, ricocheteando no chão e sumindo sob uma pilha de escombros.
— Droga… — sibilei, girei o corpo de imediato.
Vi o brilho dourado das correntes novamente. Elas surgiam do chão, materializadas em espirais de energia que rasgavam o concreto queimado.
No centro daquilo, a mulher, agora de pé, respirava com dificuldade.
O corpo tremia, as veias pulsavam mais uma vez, mesmo assim o olhar se mantinha… com aquele olhar vazio agora que agora foi tomado por uma fúria descontrolada.
As runas que antes pareciam instáveis agora giravam em torno dela em círculos descompassados, iluminando o ambiente com uma luz amarelada e febril. O som metálico das correntes arrastando pelo chão ecoava por todo o salão, um arranhar constante que fazia os dentes rangerem.
Sem a pistola, o combate se tornava muito mais complicado. Eu podia sentir o cansaço pesando nos músculos.
A energia da Torre de Babel ainda circulava em mim, mas o esforço anterior cobrava o preço. O corpo ardia, e o fluxo de mana vacilava em espasmos desordenados.
Mesmo assim, não podia recuar.
Concentrei o foco, e ajustei o fluxo energético no interior da palma. As runas começaram a se formar de novo no chão, lentamente e com um ritmo constante.
A mulher avançou, com as correntes cortando o ar ao seu redor.
Reagi por reflexo, canalizei a energia e projetei o campo de tradução à minha frente.
O símbolo da Torre de Babel reapareceu, enfraquecido. Porém, ainda funcionava. As correntes colidiram contra o campo translúcido, espalhando fagulhas douradas pelo ar.
A força do impacto me empurrou alguns passos para trás. O som do atrito entre as magias reverberou como trovão, e o calor subiu instantaneamente.
Cada golpe dela parecia vir com mais força do que o anterior.
— Você não entende o que está fazendo! — gritei, tentando encontrar um vestígio de consciência nela. — Essa energia vai te destruir!
Nenhuma resposta. Apenas outro estalo, as correntes voltaram multiplicadas, cruzando o ar em movimentos erráticos.
Desviei do primeiro golpe por instinto, rolando pelo chão. O segundo me acertou de raspão, abrindo um corte superficial no braço.
Senti o sangue quente escorrer, mesmo assim, continuei.
Girei o corpo e canalizei energia na mão livre, optei por disparar uma sequência curta de pulsos de contenção, pequenos feixes azuis que, ao colidir com as correntes, geravam um campo de atrito.
Os feixes não eram letais, mas funcionavam como distração. Ela hesitou, tentando entender o padrão da minha magia.
Aproveitei o momento e avancei.
O ambiente estava quase irreconhecível. As mesas metálicas haviam sido destruídas, tubos quebrados e frascos de vidro espalhados pelo chão refletiam fragmentos de luz, o que criava uma ilusão de movimento em cada canto.
As goteiras do teto pingavam ritmicamente, misturando-se ao som das correntes, e o chão, encharcado, refletia os brilhos mágicos como um espelho trêmulo.
A mulher girou o corpo, chicoteando as correntes em um arco amplo. O golpe passou a poucos centímetros do meu rosto e se chocou contra uma viga, arrancando uma chuva de faíscas.
Aproveitei o movimento, avancei por baixo e golpeei o pulso dela com a parte lateral da mão, o suficiente para quebrar o foco do encantamento.
Ela gritou, cambaleando para trás, só que conseguiu reagir rápido, a corrente retornou, como se tivesse vida própria, envolvendo meu tornozelo e puxando-me com força.
Caí de costas, o impacto me arrancou o ar dos pulmões.
Antes que ela pudesse completar o ataque, ativei um comando curto da Torre.
Runas brilharam sob minha pele e, com um impulso, projetei uma esfera de energia que explodiu em ondas, rompendo a corrente.
O metal brilhou por um instante e se dissolveu no ar como fumaça dourada.
Levantei ofegante. As mãos tremiam, o corpo pesava.
A dor do corte ardia e o som incessante da energia vibrando me deixava tonto.
Ela me observava de longe, o corpo arqueado, respirando apressadamente. Parte da pele dela começava a rachar nas áreas onde a energia se concentrava.
O que quer que a estivesse controlando estava forçando os limites físicos.
Apontei a palma direita para ela, invocando novamente o símbolo da Torre. As runas formaram um espiral que se expandiu ao redor de mim, criando uma área de tradução.
O campo distorcia o som, transformando as palavras que ela gritava em um eco sem sentido, e isso me dava uma mínima vantagem.
Ela atacou de novo.
Correntes disparadas como lanças, que cruzavam o ar em padrões caóticos.
Eu me movi entre elas, o corpo respondeu mais rápido pelo instinto do que pela razão. Cada esquiva parecia exigir o dobro de energia.
Aproximei-me o bastante para tentar golpear, mas o chão cedeu parcialmente, o eco da explosão anterior ainda comprometia a estrutura. Tive de me apoiar em uma viga retorcida para recuperar o equilíbrio.
Ela aproveitou a oportunidade. E lançou as correntes de cima, que convergiram em um único ponto.
Ativei o campo da Torre no último segundo.
As runas se projetaram em arco sobre minha cabeça, no formato de um escudo curvo.
O impacto foi devastador, o som do metal batendo contra energia pura ecoou pelo salão, e as chamas douradas das correntes se espalharam em labaredas circulares.
O choque fez minhas pernas cederem, contudo, consegui me manter de pé.
Desviei o fluxo mágico, conforme revertia a energia que me pressionava.
A Torre de Babel reagiu, as runas giraram em sentido contrário, absorvendo parte do encantamento dela e devolvendo o excesso em forma de pulsos.
Um desses pulsos atingiu o chão aos pés da mulher, explodindo em uma onda de luz. Ela foi lançada para trás, e chocou contra uma pilha de caixas de metal que se desmancharam no impacto.
Aproveitei o espaço e corri até onde a pistola tinha caído. O chão tremia, e a cada passo eu sentia as rachaduras se expandirem sob o peso do prédio.
O cheiro de fumaça e ozônio estava mais forte.
Encontrei a arma meio enterrada nos escombros, coberta de pó. Peguei-a com dificuldade, limpando o cano com a manga da jaqueta.
O metal estava quente, como se tivesse absorvido parte da energia ambiente.
Girei o corpo rapidamente e mirei. A mulher já estava de pé novamente, cambaleante, mas determinada.
As correntes se agitavam ao redor dela, mais descontroladas do que antes. O poder parecia ultrapassar a capacidade do corpo de contê-lo.
Com um movimento rápido, disparei três vezes. Os tiros ecoaram alto, o som metálico reverberando nas paredes do galpão.
Dois projéteis ricochetearam nas correntes, o terceiro atingiu o ombro dela, fazendo-a girar o corpo e cair de joelhos.
A dor não a deteve. Ela gritou, uma mistura de voz humana e ruído energético, e as correntes avançaram de novo.
Consegui desviar da primeira, a segunda envolveu minha perna. Atirei de novo, tentando quebrar a concentração dela.
A bala passou raspando pela bochecha e atingiu uma das runas, que explodiu em fagulhas.
Usei o momento da explosão para concentrar energia e projetar um novo campo.
As runas da Torre de Babel se estenderam em espiral pelo chão, com um brilho em azul intenso.
Elas traduziam cada vibração mágica no ar, decodificando e revertendo o fluxo para mim.
A cada passo que dava em direção a ela, a pressão aumentava. Era como andar contra um vendaval.
A energia emanava dela em ondas, o que distorceu a luz e o ar ao redor. As sombras tremulavam, as paredes rangiam, e o teto ameaçava desabar a qualquer instante.
Aproximei-me até quase tocá-la.
Ela levantou o olhar, olhos completamente tomados pelo brilho das runas internas. Por um instante, vi medo em meio à fúria.
Talvez um lampejo de consciência, ou apenas reflexo da dor.
— Isso acaba aqui — murmurei.
Canalizei o restante da energia que me restava e deixei a Torre agir.
As runas à minha volta giraram em espiral, traduzindo o fluxo mágico dela, decompondo-o, quebrando cada camada de encantamento até restar apenas energia bruta.
O resultado veio em um clarão que iluminou todo o salão. As correntes se desintegraram em partículas de luz dourada.
A onda de choque varreu o chão, levantando poeira e detritos.
Quando o brilho desapareceu, ela estava ajoelhada, com a respiração ofegante e o corpo tremendo.
Eu permaneci de pé por pura força de vontade, a pistola ainda firme nas mãos.
O silêncio voltou ao ambiente, quebrado apenas pelas goteiras e pelo estalar das vigas instáveis.
A fumaça se dissipou lentamente, o que revelou o caos à nossa volta.
Eu não sabia se aquilo era o fim, mas, naquele instante, parecia o bastante.
O segundo andar estava destruído, a energia mágica se dissolvia no ar e, abaixo de tudo, Miguel ainda esperava, ou lutava, em algum ponto da escuridão lá embaixo.
Respirei fundo, o coração ainda disparado, e deixei a Torre se dissolver completamente.
As runas se apagaram, sumindo em um brilho tênue.
Eu sobrevivi, por pouco. Mesmo assim, naquela hora, aquilo já era uma vitória.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.