Índice de Capítulo

    — O que você quer dizer?

    A voz robótica de Mary estava ligeiramente trêmula.

    — Estou dizendo que lhe darei um lugar para ficar até o inverno. No entanto, o lugar onde você ficará não é uma vila ou cidade onde os humanos vivam como você deseja.

    O estalajadeiro caminhou lentamente em direção à porta e a trancou. Seu olhar preocupado estava fixo em Mary.

    Cale olhou para o estalajadeiro antes de continuar a falar.

    — No entanto, você pode gastar seu tempo observando o céu real e a beleza da superfície.

    Embora estivesse na Floresta das Trevas, que era cheia de monstros, ainda tinha a beleza da natureza e o lindo céu que você não poderia ver nesta cidade subterrânea.

    — …Não quero ser um fardo para você.

    Essa foi a resposta de Mary após um longo período de silêncio.

    A palavra “fardo” fez Cale começar a sorrir.

    — Você provavelmente está dizendo isso porque ainda não me conhece muito bem.

    Cale sentou-se e olhou para Mary, apenas para ver que ela também estava usando uma máscara preta por baixo do manto.

    Ele continuou falando com a garota com quem nunca havia feito contato visual.

    — Eu nunca faço nada que me sobrecarregue.

    Por que ele faria algo tão louco como colocar as igrejas contra ele? Ele estava oferecendo isso a ela porque conseguia lhe dar uma situação que a deixaria em terra firme sem ser pega pelas igrejas.

    — Quanto aos próximos seis meses depois disso…

    Mary disse que iria viajar por um ano.

    Cale, naturalmente, lembrou-se do que ela havia dito.

    — Eu te ajudarei para que você consiga escapar da Igreja do Deus Sol pelo menos uma vez sem morrer.

    O capuz preto se encolheu, como se Mary tivesse sacudido a cabeça em choque por baixo.

    — Isso é possível?

    O estalajadeiro interrompeu a conversa. Cale ouviu de Shawn que aquele velho era quem mais tratava Mary como se fosse da família depois que Tasha foi embora.

    — Isso é realmente possível?

    Cale olhou para o velho, perguntou com a voz trêmula e respondeu.

    — A mana morta de um dragão. Eu te darei isso.

    Contudo, suas palavras foram dirigidas a Mary.

    Se sua força estivesse no nível de Rosalyn e ela precisasse evitar os sacerdotes da Igreja do Deus Sol, tudo o que ele precisava fazer era torná-la mais forte.

    Era justo que ele fizesse isso por alguém que daria um novo braço para Ron.

    — Jovem mestre-nim.

    Ron, que estivera ouvindo em silêncio o tempo todo, interrompeu. Cale levantou a mão para impedi-lo.

    — Pare de falar.

    — Mas jovem mestre-nim. A mana morta de um dragão é preciosa demais, estou bem-

    — Beacrox.

    Cale se afastou de Ron e chamou Beacrox, que ainda estava olhando fixamente para o nada.

    — Eu não te disse para ir buscar uma limonada?

    — Ah-

    — Se apresse.

    — Sim, senhor.

    Beacrox evitou o olhar do pai e correu em direção à cozinha. Cale ofereceu um assento a Mary.

    — Sente-se onde quiser.

    Ele parecia tão relaxado que as pessoas provavelmente pensariam que ele era o dono do lugar.

    — Antes.

    Uma voz começou a falar de dentro do capuz preto.

    — Vou pensar nisso depois de fazer o braço.

    O capuz preto então se virou para uma direção diferente. Mary agora olhava para Ron. Ron ficou parado ali, deixando o manto negro e sinistro encará-lo.

    A voz semelhante a um GPS, mas sem emoção, começou a falar novamente.

    — Parece que seus músculos estão muito bem desenvolvidos. Com base no equilíbrio entre seu braço direito e seu corpo, eu diria que você é alguém que usa os dois braços. Vou precisar prestar atenção especial ao fazer seu braço. Provavelmente precisaremos colocá-lo e testá-lo algumas vezes para acertar.

    — Quanto tempo vai demorar?

    — …Provavelmente cerca de um ou dois meses.

    Cale tomou um gole de limonada com calma. Parecia tão relaxado quanto alguém deitado numa espreguiçadeira à beira da praia. Então, disse sua conclusão em voz alta.

    — Então podemos fazer isso na sua residência, lá na superfície. De qualquer forma, o Ron trabalha onde você vai ficar.

    — Minha mente está caótica e complicada agora.

    A voz sem emoção continuou a falar.

    — Parece um problema muito complicado. Não quero ser um fardo, mas, ao mesmo tempo, sinto que não deve haver problema algum, porque você é muito forte.

    Ela provavelmente estava falando sobre Choi Han e Raon.

    {Ela tem razão! A boazinha é inteligente! Ela não será um fardo enquanto eu estiver por perto! Só preciso destruir tudo que estiver no nosso caminho!}

    Cale simplesmente deixou Raon falar como sempre, sem ouvir. Dragões eram naturalmente assustadores.

    — …Volto mais tarde.

    — Claro. Mas vou embora em alguns dias, então volte antes e com as malas prontas.

    Cale se levantou e foi em direção à escada para o segundo andar, pois não tinha mais nada a dizer.

    — Ah, beba uma limonada antes de ir. Você devia conhecer as habilidades do nosso chef, já que vocês vão se ver com bastante frequência.

    Mary não reagiu, continuando a observar Cale. Cale não lhe deu atenção e simplesmente seguiu em direção ao seu quarto. Ron o seguiu.

    — Jovem mestre-nim.

    Era raro ver Ron assim, sem seu sorriso benigno.

    — Quem é essa pessoa e o que está acontecendo-

    — Ron.

    Cale chegou em frente ao seu quarto e girou a maçaneta. Cale entrou pela porta e começou a falar.

    — Não tem problema aceitar isso.

    Cale nem se virou para olhar para Ron antes de fechar a porta. Então, riu baixinho ao ouvir a voz que finalmente veio do outro lado da porta depois de um longo tempo.

    — Jovem mestre-nim, devo trazer alguns lanches?

    — Claro. Traga algo para eu beber também.

    Cale então acrescentou.

    — Tudo menos limonada.

    Cale estava cansado de limonadas.

    ***

    O cavaleiro que guardava o portão para o deserto na vila próxima à Terra da Morte, no território Dubori do Reino Caro, não estava muito feliz hoje.

    — Um bastardo maluco, me dando ordens desse jeito porque ele é cavaleiro há apenas três anos a mais do que eu.

    O outro cavaleiro estava usando sua antiguidade para fazer com que este cavaleiro assumisse a guarda inicial.

    Os soldados permaneceram em silêncio e evitaram o cavaleiro furioso. Provavelmente acabariam mortos se o denunciassem.

    — Ele também leva todo o dinheiro.

    O dinheiro que ganhavam com as pessoas enquanto guardavam o portão era todo monopolizado pelo cavaleiro sênior. Ele os pagava bebidas de vez em quando, mas quão bom seria o álcool em uma vila pequena como aquela?

    — Ele pegou aquelas duas moedas de ouro para si outro dia também. Filho da puta. Um dia você vai se meter em uma encrenca danada por pegar-

    *Tap*

    — Ahhh!

    Algo atingiu o cavaleiro na cabeça. O cavaleiro começou a gritar enquanto esfregava a nuca.

    — Droga, que diabos! Quem jogou… hein?

    O objeto que atingiu sua cabeça e caiu no chão era muito pequeno e redondo.

    Era uma moeda de ouro.

    Dinheiro havia caído do céu. O cavaleiro rapidamente o pegou e olhou ao redor. Não viu nada, mesmo quando olhou para o céu.

    “O quê?”

    O cavaleiro primeiro colocou a moeda de ouro no bolso e lançou um olhar furioso para os soldados. Ele estava dizendo para eles ficarem de boca fechada.

    — Acho que você cumpriu sua promessa no final.

    Cale entrou na carruagem que eles deixaram com o estalajadeiro na vila e respondeu à pergunta de Tasha.

    — Estou apenas decepcionado por não ser o mesmo cavaleiro da última vez.

    Eu lhe darei outra moeda de ouro se eu voltar vivo.

    O cavaleiro a quem Cale havia dito isso, infelizmente, não estava aqui tão cedo.

    — Eu também deveria ter pulado o muro da última vez.

    — Você provavelmente não teria conseguido salvar os dois camponeses se tivesse feito isso da última vez, certo, jovem mestre-nim?

    Cale fingiu não ouvir Tasha. Estava irritado por Tasha continuar tentando falar com ele. No entanto, Tasha olhou para o frio Cale com um olhar caloroso.

    — Está fresco aqui.

    Era mais confortável naquela carruagem fortificada com magia. Cale se inclinou na cadeira e virou a cabeça. Uma mancha preta estava grudada na janela, olhando para fora.

    Bem ao lado dele estava um Dragão Negro animado.

    — Não é incrível?

    — Sim, Raon-nim. É incrível. É aquela a vila onde eu morava?

    — Nem eu sei disso!

    — É mesmo? Mas eu nunca vi uma vila como esta. É tão incrível.

    Raon estufou o peito ao ouvir a voz rígida.

    — O céu de verdade parece não ter fim. É difícil de entender. É tão legal. 

    — Você também pode admirar o céu noturno. É ainda mais legal. É ainda mais legal se você o vir da nossa casa. Também vou te levar pela Floresta das Trevas.

    — Obrigada, Raon-nim.

    Cale virou a cabeça depois de ver Raon e Mary conversando.

    — …Por que você está me olhando desse jeito?

    Tasha olhava para Cale com um olhar cheio de admiração. Cale desviou o olhar daquele olhar constrangedor e gritou para fora da porta.

    — Vamos!

    A carruagem começou a se mover. Cale arregaçou a manga e apontou o pulso para Cage.

    — Senhorita Cage.

    Cage, que estava sentada ao lado dele em silêncio, estendeu cuidadosamente as duas mãos e as colocou delicadamente em volta do pulso de Cale.

    Ela então começou a falar com uma voz amigável.

    — Traga o poder da morte para trazer morte e desespero àqueles que desejam prejudicá-lo. Seu inimigo vagará na escuridão por toda a eternidade e não será capaz de detê-lo. Seu inimigo perderá os olhos, as pernas, a audição e os sentidos enquanto vaga sem rumo por toda a eternidade.

    Cale apenas olhou para fora em silêncio enquanto ouvia o cântico cruel. Uma sensação estranha envolveu seu pulso, bem, a pulseira em seu pulso, para ser mais específico.

    — Acabei.

    — Cage, a Bênção da Morte é sempre assim?

    Cage respondeu com uma voz animada.

    — Claro! É uma bênção do Deus da Morte. Você esperava que fosse gentil?

    Essa foi a resposta correta.

    Cale estava preocupado que a pulseira pudesse se tornar um item amaldiçoado depois de ser abençoada assim por alguns dias.

    No entanto, isso provavelmente beneficiaria ainda mais o príncipe herdeiro, então ele simplesmente deixou Cage continuar a abençoar a pulseira.

    — Existem bênçãos mais fortes?

    — Pretendo aumentar a força da bênção a cada dia.

    — Entendi.

    Ela realmente era uma sacerdotisa louca.

    Cale ficou aliviado e continuou olhando pela janela enquanto a carruagem continuava se movendo em direção à capital.

    ***

    — Este é o meu quarto?

    — Sim, senhor. Pode ficar aqui esta noite, jovem mestre-nim.

    Cale evitou o olhar excessivamente agradecido de Tasha.

    O grupo de Cale estava hospedado na mesma pousada na vila perto da capital, como da última vez.

    Cale abriu a porta do seu quarto.

    *Click*

    E então…

    *Bang!*

    Ele fechou a porta com um estrondo. Cale olhou para Tasha, que sorria. Cale soltou um suspiro profundo antes de abrir a porta novamente.

    Ele arrastou os pés lentamente ao entrar no quarto. Tasha fechou a porta rapidamente atrás dele. Ao mesmo tempo, uma voz familiar começou a falar.

    — Este não é o seu quarto.

    — Claro que não, Vossa Alteza.

    O príncipe herdeiro, Alberu Crossman, estava sorrindo para Cale.

    Ele preparou um banquete chique para receber Cale.

    — Eu não sabia que você viria até aqui para me encontrar.

    — Estou com um pouco de pressa.

    “Pressa?”

    Cale olhou para Alberu, que casualmente acrescentou:

    — Toonka se tornou o comandante-chefe do Reino Whipper.

    O grupo de Toonka havia começado a se movimentar após passar alguns meses em discrição. O fato de Toonka ser o comandante-chefe significava que a realeza do Reino Whipper acabou nas mãos de Toonka.

    Alberu podia ouvir a voz indiferente de Cale.

    — Eles ganharam uma passagem só de ida para o inferno.

    Alberu começou a sorrir.

    — De fato. Embora não tenha nada a ver conosco agora.

    — Acho que ele não sabe que Vossa Alteza roubou todos os magos restantes?

    — Claro que não. Como o Reino Whipper poderia saber, se nem mesmo o nosso próprio povo sabe?

    Cale e Alberu fizeram contato visual.

    *Clin*

    A pulseira caiu da mão de Cale e foi parar na palma da mão de Alberu.

    *Xiiiiiiii*

    Um barulho parecido com água batendo em fogo pôde ser ouvido enquanto uma fumaça preta envolvia o corpo de Alberu.

    *Click*

    Alberu colocou a pulseira no pulso.

    — Alteza, sua aparência também é maravilhosa.

    A verdadeira aparência do Elfo Negro Alberu apareceu na frente de Cale.

    Os cabelos loiros e os olhos azuis desapareceram e foram substituídos por cabelos e olhos castanhos. A pele de Alberu era definitivamente mais escura do que a da maioria das pessoas. Mesmo sendo apenas um quarto Elfo Negro, as características dos Elfos Negros eram bem visíveis.

    “Provavelmente é por causa da mana morta que ele absorveu.”

    Graças a isso, sua natureza de Elfo Negro foi mais desenvolvida do que seu lado humano.

    — Por que você está dizendo uma coisa tão óbvia? Tudo fica bem quando você é bonito.

    Isso era mesmo verdade.

    — A bênção do Deus da Morte. Estou aliviado.

    Alberu conseguia sentir o poder dentro da pulseira. Ele também conseguia sentir o impacto das bênçãos que Cale lhe deu como presente. Ele compartilhou uma informação com Cale enquanto continuava a sentir o poder dentro da pulseira.

    — Dizem que Toonka irá para o Império no lugar do herdeiro do Reino Whipper.

    Cale começou a franzir a testa.

    — …Parece que vai ser uma bagunça.

    — Concordo.

    Alberu então perguntou a Cale.

    — Você vai passar um tempo em casa?

    — Sim, alteza. Esse é realmente o plano.

    Foi naquele momento que Raon começou a falar na mente de Cale novamente.

    {Ah! Falar daquele idiota do Toonka me fez lembrar! A semente está começando a brotar!}

    A semente da Torre Mágica agora estava brotando.

    — O que você vai fazer?

    — Pretendo cultivar um pouco e descansar.

    Sua rede, a semente, o dinheiro, ele planejava cultivar tudo isso. É claro que ele apenas daria ordens e não faria nenhum trabalho propriamente dito.

    — Acho que ninguém acreditaria que você estaria cultivando com essa expressão no rosto.

    Alberu sentiu-se desconfiado ao ver a expressão de Cale. Percebia que Cale tinha várias tramas diferentes se formando em sua cabeça. No entanto, ele rapidamente retornou à aparência de cabelos loiros e olhos azuis e se despediu de Cale. Ele precisava ir rapidamente para o Império.

    Cale logo deixou a capital e retornou para Harris Village, na Floresta das Trevas.

    ***

    Depois de passar mais de um mês naquela vila rural, Cale acordou e ouviu uma mensagem que Alberu havia deixado para ele. Ele não atendeu a ligação na noite anterior, pois Alberu havia ligado no meio da noite.

    — O que diabos você anda fazendo?

    A voz de Alberu soou bastante caótica.

    — Por que o Comandante Toonka te chama de amigo? Por que você é o herói da selva? Até um dos príncipes do Reino de Breck perguntou sobre você e a irmã dele. Todos vieram furtivamente perguntar sobre você antes de irem embora. Você está me deixando louco.

    Cale apenas olhou fixamente para fora enquanto ouvia o discurso de Alberu. Ron apareceu naquele momento e lhe entregou um copo d’água, além de alguns recados.

    — Recebemos contato da Tribo das Baleias.

    Era uma carta de Witira.

    Ele recebeu esta carta do Norte justamente quando o tempo estava começando a esfriar.

    — Tão irritante.

    Ron fingiu não ouvir os resmungos de Cale enquanto continuava.

    — Também recebemos uma mensagem de casa. Estavam perguntando se você poderia voltar para casa para que pudessem te ver, já que o festival está chegando.

    Várias vozes começaram a falar ao mesmo tempo no quarto que antes estava silencioso.

    — Festival?

    — Você disse festival?

    — Festival!

    Raon, On e Hong, que estavam dormindo no canto do quarto, de repente se levantaram e correram até ele. Cale ignorou os olhares de cachorrinho que lhe lançavam e deitou-se na cama.

    — Tão irritante.

    Naquele momento, Ele ouviu a última parte da gravação de Alberu. Alberu suspirou antes de dizer uma última coisa.

    — Haaaaa, enfim, estou voltando com um dos príncipes do Reino de Breck. Ah, e o Papa da Igreja do Deus Sol está morto.

    — Huh?

    O príncipe do Reino de Breck estava bem, pois só precisava contar para Rosalyn. Mas foi o que Alberu disse depois que chamou a atenção de Cale.

    — Os criminosos são os gêmeos que eram o Santo e a Donzela da Igreja. Dizem que estão fugindo, mas ninguém sabe para onde foram.

    “O que?”

    — Ahhhh, que bagunça. Que bagunça total.

    *Click*

    Esse foi o fim da gravação.

    Cale e Ron fizeram contato visual um com o outro.

    — Entre em contato com a Srta. Rosalyn.

    Cale continuou.

    — Vamos ignorar o resto.

    — Jovem mestre-nim, você está ficando mais sábio à medida que envelhece.

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