Haviam inúmeros espelhos pela rua. Havia chovido, e as poças refletiam os vultos dos engravatados que iam de um lado para o outro, num vai e vem desenfreado. 

    Entre essas pessoas, alguns adolescentes, radiantes, rumavam pelo caminho do colégio. Eram invejados pelos adultos, por ainda terem aquele brilho — que, assim como eles, um dia vão perder. 

    Enquanto seus pesadelos não tinham formas de boletos e planilhas, uma dupla chamava atenção. Eram garotos excêntricos, para dizer o mínimo.

    O menor tinha cabelos negros espetados, com uma mecha vermelha no meio. Seu queixo era pontudo, e os olhos, brilhantes. O outro, caminhando ao seu lado, tinha dois metros de altura.

    Os braços dele eram longos, e seu andar não produzia som. Não era possível olhar para o seu rosto e dizer o que sentia, pois não esboçava nada. Nenhuma risca de emoção escapava. Sua postura era rígida…

    Mas o que realmente fazia os transeuntes olharem para trás, depois de passarem por ele, era aquilo que ele carregava nas costas: uma katana (ou “espada samurai”, para os mais íntimos).

    Pior que isso: quem olhava com mais atenção, veria que a coisa era ainda mais estranha…

    — É uma lâmina invertida… — murmurou uma senhora, de mãos dadas com o filho pequeno.

    — Ele é burro, mamãe?

    — Não sei… talvez tenha comprado pela internet. Os jovens de hoje são muito debilóides… — Ela nem se importava se o garoto em questão estava ouvindo. — Por isso que você tem que estudar, filho!

    E, por um microssegundo, a calçada tremeu.

    — E-Ei, ela não sabe de nada — disse o garoto de cabelos espetados, virando-se para o amigo. — Você não está irritado com isso, está? Kenji?

    — Jamais… 

    “Como se eu fosse me emputecer com isso…”

    Continuaram andando. Kenji tinha coisas mais importantes para tirá-lo do sério: a semana de provas, por exemplo.

    Não que ele precisasse de muito estudo. Ele era desses jovens que, ao invés de deixarem tudo para última hora, avançava progressiva e constantemente nas matérias. 

    Ele estava tranquilo, quanto a isso. Já o outro… 

    — Sobre as suas anotações… — começou o garoto, despretensioso.

    — Sem chance — Kenji foi seco, e tomou a dianteira, acelerando o passo. — Você está contando demais com a minha bondade.

    — Qualé, Kenji! Não faça isso comigo! Você sabe que eu não consigo me concentrar na aula do professor Daikichi… 

    — E você ao menos tenta?

    — Ué, claro que sim…!

    Kenji riu, tremendo os ombros.

    — Babando igual um desgraçado?

    — Eu ao menos tento não dormir!! — gritou Hikaru, indignado.

    — Imagino… 

    Mas o garoto não desistiria tão fácil. Ele deu um impulso, conseguindo ficar à frente do amigo.

    — Vamos, Kenji! Todo mundo dorme na aula do Daikichi, sabia?

    — Esse é o seu argumento?

    — Esse é o fato! — E tomou ar de importância, de repente. — fato consumado, inclusive!

    Kenji olhou de relance para o lado, enquanto passavam por uma livraria.

    — Você nem sabe o que significa “consumado” — disse ele. — Acho que você realmente precisa se importar mais com os termos que usa. Um desses lhe faria bem! — E apontou para um dicionário exposto na vitrine da loja. 

    — Você sabe que eu não leio nem gibi!

    Kenji suspirou.

    — Decepcionante, como sempre!

    — Ei, qualé! Você é a única pessoa que não pode dizer isso… — murmurou Hikaru, cabisbaixo. 

    — E por quê?

    — Ora, “por quê”? Porque somos amigos!

    — Hahahahah, claro, claro — divertiu-se Kenji, esfregando os cabelos dele, como se fosse seu dono. — Passou, passou.

    — EU NÃO SOU UM CACHORRO!

    Um pombo bateu asas, assustado. As pessoas olharam para ele, igualmente estupefatas, e Kenji sorriu, satisfeito. Hikaru corou violentamente, soltando fumaça pelos ouvidos.

    — Por que você sempre faz isso comigo? — perguntou, quando finalmente chegaram ao colégio.

    — É divertido.

    Hikaru balançou a cabeça, mal podendo se irritar com isso. Eles teriam prova de geografia, história, sociologia e filosofia, uma atrás da outra. E adivinhem!

    — Eu não estudei pra nenhuma… 

    — E esse é o futuro do Brasil — brincou Kenji, apertando a mão de um professor. — Eu não te julgo. Não tem como arranjar tempo pra tudo isso, né?

    — Não… 

    — Especialmente se você é Daigo Hikaru — Ele acenou para um dos zeladores, que retribuiu com energia. — O Menino de Ouro, né?

    Hikaru tremeu os punhos. Ele odiava ser chamado disso, e Kenji sabia. Por que estava com tanta vontade para azucrinar? Kenji não era assim.

    — Acho que você tá passando tempo demais com a minha irmã… 

    — E eu tô adorando isso — disse Kenji, enigmático.

    Hikaru, claro, não entendeu.

    Mas antes que eles finalmente pudessem entrar na sala, uma garota se interpôs no caminho. Ela era baixinha, da altura do Hikaru. Usava um rabo de cavalo bem preso, e sua testa era pequena.

    Havia certo charme na garota.

    — Alô, Isa!

    — Toma — disse ela, largando uma carta nas mãos de Hikaru.

    — O que é isso?

    Kenji, sorrindo, inclinou o corpo, ficando cara a cara com Isa.

    — Você também?

    — Claro que não, imbecil! — gritou ela, corando. — Só me pediram pra entregar.

    — Oh, entendo. Então te obrigaram?

    — É… e eu gosto de outra pessoa — E olhou para o lado, desviando dos olhos dele. — De qualquer forma, é melhor que você leia isso sozinho. Vai por mim.

    Os amigos se entreolharam. Era algo óbvio: ninguém leria uma confissão na frente dos amigos. Mas, por que falar isso? Ela achava que ele não sabia? Hikaru se sentiu ofendido, enquanto Kenji arqueou as sobrancelhas.

    Ele estava acostumado a ver seu amigo sendo subestimado por todos, inclusive por ele, mas aquilo… aquilo era suspeito. Não deixou transparecer a curiosidade, e foi se sentar. Hikaru, infeliz, ficou ao seu lado. 

    Os outros garotos o fuzilaram com os olhos. A maioria nunca recebeu um cartão de Dia dos Namorados, nem mesmo por pena. Ver um idiota como Hikaru recebendo um, feito com papel caro e com uma rosa colada atrás, era de queimar os nervos.

    Kenji teorizava algumas coisas… 

    — — — 

    Não muito longe dali, cinco veículos militares Guaicuru se posicionaram nas calçadas. Ignoraram até mesmo as placas de “não estacione” que algumas casas tinham. Eles chegaram um atrás do outro, estrategicamente fechando as quatro ruas que levavam ao Colégio Himeno Tomura, no Bairro da Liberdade.

    Um helicóptero sobrevoava o Himeno.

    Dentro do helicóptero, um soldado terminava de montar um rilfle de precisão Barret M82. Era um sniper. E depois de acoplar a mira, ele se deitou no chão metálico e focou a mira em uma certa janela.

    Pela janela, dois rostos se projetaram para ele. Um deles era pequeno, de cabelos espetados. O outro? Bem, ele podia ter se enganado. Era impossível. Nem mesmo um soldado bem treinado reagiria assim…

    Esse outro garoto… Ele o encarou. Sim, isso mesmo. O seu olhar de gelo grudou na própria mira da sniper. E antes que o soldado pudesse engatilhar, o rapaz levou a mão à espada em suas costas… 

    Algo bateu no helicóptero.

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