Capítulo 13: Duelo de Abertura, parte 1.
Era pequeno e magro. Terrivelmente magro. Seu olhar era perdido, do tipo que enxerga tudo e nada ao mesmo tempo. Suas mãos, pequenas, tinham cicatrizes em ambos os dedos indicadores. Pareciam cortes.
Em suas mãos, um celular quebrado piscava, semi-morto. Seu passatempo favorito morava ali, naquela tela. Agora, no vigésimo terceiro dia sem ele, o garoto fitou o quarto, deprimido. Limpo. Brilhante. Não era o quarto de um adolescente.
A ausência do vício o forçou a ocupar a mente com outras coisas. Nada que fosse divertido. Como não tinha deveres escolares, por estar de férias, e não ter outro tipo de jogo, se viu forçado a faxinar. Acabou se acostumando.
Estava quase pensando que não precisava desse vício. Que não precisava daquilo, nem das redes sociais. Nem do youtube. Pensou que era um homem livre. Não era mentira, e ele sabia disso. Mas algo, bem lá no fundo, dizia que não.
Uma sensação de formigamento. Fogo. A eletricidade no ar, alguma coisa que eriçava os pelos da nuca. Queria saber o que era isso. Pensou que fosse a “abstinência”, da qual as pessoas tanto diziam naqueles vídeos sobre “desmame virtual” — mas não.
Era algo que fazia o peito bater mais forte. Seus pais diziam que era amor, mas ele negava. Não tinha como ser isso. Era impossível. A única garota em sua vida era Nana, sua melhor amiga.
Não era um sentimento comum. Era aquela emoção. Aquela ânsia por ação, o apelo da batalha. A adrenalina de estar contra alguém. A chance, em suas mãos, de cinquenta por cento de ganhar ou perder.
E apenas aquilo o fazia se sentir assim. Mas como? Ele não jogava mais.
Seus pais não tinham dinheiro para um celular novo. Nem faziam questão de comprar. Achavam que era melhor assim, pois ele era mais prestativo, longe do vício. Seus amigos também não jogavam, e se negariam a deixar que ele baixasse o game.
E era exclusivo para celular. Ou seja, nem se ele tivesse um computador, por mais potente que fosse, não poderia jogar o tão amado Cosmic Arena of Ranah Dal — o C.A.R.D. Um dos jogos online mais famosos em todo o mundo.
Se não pudesse jogar, queria ver. Ao menos assistir. Ele queria saber o que estava acontecendo no game. Mesmo se não pudesse mais lutar para manter consigo o título de top 1 brasileiro, se pudesse ver uma partida, estaria feliz.
“Só uma partidinha… nem que fosse de dois novatos!”
Mal sabia ele que, em pouco tempo, seu tédio iria acabar.
— — —
C.A.R.D. Salão de Naravia, Corusan.
— Vocês me ouviram — disse um rapaz, sentado em seu trono.
— Mas senhor, ninguém teve notícias dele!
Um de seus súditos, um player de nível 112, disse num fio de voz. Temia o rapaz no trono, e escolhia bem as palavras ao falar com ele.
— O que você acha?
— Acho que abandonou, senhor. Ele deixou o mundo de Axah… para sempre — murmurou o súdito, mesmo sem crer.
Um baque ecoou pelo salão, assustando os outros jogadores. Todos se viraram para o rapaz e o capacho, esperando.
— Besteiras! Não diga besteiras, Azel! O White Master? Deixar Axah? LARGAR O CARD?! AHAHAHAHAHA! — E tossiu, regulando o surto. — Não me faça rir, Azel!
— Mas é a verdade, senhor! — disse ele, desesperado. — Faz vinte e três dias desde o último log!
— Você mora perto dele, não é?
Azel tremeu dos pés à cabeça. No que ele estava pensando?
— Eu fiz uma pergunta, Azel!
— Moro! Moro, sim, senhor… — falou o súdito, desconfiado.
— Diga a ele… — E se levantou, mostrando sua grande altura. — Diga que estou em Porto Alegre.
Um grito engasgado veio dos jogadores ao redor. O que era isso? Estavam, mesmo, ouvindo aquilo?
— E lhe peça a chave pix. Eu mandarei o suficiente para um vôo e dois dias de sustento.
— S-senhor, isso é…?
— Um duelo? Sim… — O sorriso torto dele veio, cortando o rosto albino. — O Duelo de Abertura.
Um grande “o quê?!‘ rugiu pelo salão.
— Não perca tempo, Azel. Eu quero vê-lo aqui até o fim desta semana.
Ninguém ousou falar. Como poderiam?
— Veremos quem será o verdadeiro… e único Herói do Brasil!
— — —
De volta à Terra…
Rápido e eficiente. Sem piscar. O garoto raquítico seguia sua faxina. Enquanto esfregava um pano com óleo de peroba no raque da sala, lembrava dos amigos no jogo. Quantas chamadas? Quantas mensagens deixou de responder?
Era possível que, agora, o odiassem. Ele não gostaria de ser ignorado. Se enviasse mensagens para uma pessoa durante três dias, e ela nem visualizasse, deixaria de mão na hora.
“Queria ao menos ter avisado…”
Mas não era culpa dele. Ele sabia que não era um erro seu. Não tinha como prever que um caminhão passaria o sinal vermelho. Que ia cair de costas, desviando. Que o maldito ia passar por cima do celular dele.
“Agora eles… um?”
Um ruído engraçado vinha de longe. Beep, beep. Era insistente.
— Esse som…?
Beep, beep. Beep, beep. Será que era um celular? Talvez fosse de um dos pais dele. Eles costumavam largá-los por aí. Beep, beep. Não, não era. Era diferente. Beep, beep… BEEP!
— Isso é… meu Deus, é a campainha! JÁ VOU!
Largou o pano e saiu correndo. Cruzou o jardim, encurtando a distância entre a passarela de pedras coloridas e o portão. Quando chegou, ofegante, sentiu o arder. Resistindo ao máximo, arrastou o portão para o lado…
…E um rapaz alto, e bem mais forte que ele, apareceu.
— Posso ajudar? — indagou o menino, ofegante.
O visitante sorriu. O garoto se sentiu revistado. Os olhos do estranho queriam fisgar alguma coisa, talvez informação. Deu calafrios. Foi como ser estudado por uma naja. E o rapaz notou o temor nos olhos dele, rindo-se.
Talvez ele não fosse um cara comum. Havia algo de perigoso naquele jeito largado, de camisa polo por cima de mangas compridas, estilo início anos 2000.
Eles se conheciam? Não, com certeza não. Ele não tinha amigos. Não físicos, é claro. E não parecia amigo de seus pais. Eles odiavam adolescentes. Quem era esse cara?
O pior de tudo era que ele não dizia nada. Não parecia ter intenção de dizer. Será que era um doido?
— Posso ajudar? — repetiu.
O sorriso do estranho se desfez.
— Se você for White Master, creio que sim.
O coração parou. Ouviu errado? Não? White…
“…Master?!”

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