Capitulo 14: Duelo de Abertura, parte 2.
— O que foi, garoto? Ficou surdo, ou um gato mordeu sua língua?
Esse nome… somente jogadores de CARD sabiam desse nome. Ou alguém atento ao mundo dos games, pelo menos. Se esse cara fosse um duelista, o garoto sabia o que ele queria.
— E então?
— Sinto muito — disse o menino, levando a mão ao portão. — Não sei de quem está falando.
— Não sabe?
Ao receber um “não” como resposta, o rapaz cuspiu no chão.
— Você não sabe nem mentir.
— E você não tem educação — retrucou o garoto, fechando o portão. — Não sei do que está falando, e estou muito ocupado.
— Não é do quê — E parou o movimento. O estranho tinha o delírio nos olhos. — É de quem estou falando, menino. E você sabe disso.
— E daí?
Isso ecoou na mente do rapaz. Ele ouviu os passarinhos voarem acima dele, piando feito loucos. Pareciam felizes. Talvez fossem araras, não sabia. Depois do estardalhaço, tossiu, limpando a garganta.
— Hah, e daí? E daí, garoto, que se você for o White Master… — E passou um cartão branco pela brecha do portão. — Tem uma pessoa querendo te ver.
— Mas eu já disse… eu não sei de quem está falando. Não tem nenhum White Master nesta casa.
Sem querer, deixou escapar um pouco de medo. Farejando esse deslize, o rapaz ficou ainda mais feliz. A pessoa certa. Ele realmente encontrou o que veio procurar.
— “Nesta casa”, você diz… — Ele forçou o outro braço, reabrindo o portão. — Realmente. Não existe nenhuma pessoa com esse nome.
— Foi o que eu disse. Se me der licença, eu…
— …Não nesta casa, como você disse. Mas e em Axah? Ah, em Axah, sim. Lá todos conhecem essa pessoa — Fechou o punho, admirando as unhas. — O Top Um do Brasil. O jogador de nível 2000. O lendário Aspecto de Lyra…
Esse nome!
— O que foi? Assustado? Parece até que viu um fantasma, Kadu Pereira…
“Ele sabe o meu nome!”
— Ué, é claro que eu sei o seu nome. Você não viu? — E tomou o silêncio como “não”. — Caramba… bom, saiu em tudo que é canal de games, sabe?
“O meu nome? CANAIS DE GAMES?!”
Isso era impossível. Não tinha como ser. Os youtubers viviam falando dos jogadores gringos. Apenas jogadores brasileiros falavam de outros jogadores brasileiros. O resto? Bem, o resto falava, mas falando mal.
Kadu não esperava nenhum tipo de reconhecimento.
— Você não sabe de nada mesmo, hein? Vem cá, você tem visto as notícias?
— Não, eu…
— Nem saiu de casa?
— Também não…
Depois de mencionar isso, ele realmente se tocou. Passou a maior parte do tempo em casa. A faxina, os livros na estante da sala, as garrafas de água que tinha para encher, tudo isso o manteve ocupado.
Quem saía era os pais!
— Não me admira… — falou o outro, com um suspiro. — Você é um candidato, Kadu.
— Candidato? Candidato de quê?
O zoeira passou, e a expressão do estranho ficou sombria.
— A Herói do Brasil. A representante do país na Liga Mundial dos Duelos Axah.
Boom! A informação caiu feito uma bomba. Era isso? Era verdade? Ele, Kadu, herói nacional? Não, tinha que ser mentira. Tinha que ser. Tinha que ter alguma coisa…
— …Errada. Tem coisa errada nisso — falou Kadu, lívido.
— O quê?
Ele engoliu seco.
— Ah…
— Agora você entendeu — falou o outro, voltando a sorrir. — Como você não respondia as mensagens dele, eu vim te avisar pessoalmente.
— Dele… você quer dizer o…
— Black Novice? Sim, ele mesmo. O cara é meu patrão, sabe? Fez um alvoroço. Disse que precisava da sua resposta e, se passasse de hoje, o Brasil entraria atrasado na Liga.
Vinte e poucos dias. Tempo suficiente pro mundo querer o White Master de volta. E para enfrentar o seu maior rival, o temível Black Novice. O homem que subiu de ranking ao longo de onze meses, chegando a Top 2 Brasil.
Ele nunca o enfrentou, mas sabia que era poderoso. Quem diria…
— Enfim, pegue esse cartão. Ele disse que você ia saber o que fazer, quando o visse — E deu as costas. — Trate de respondê-lo.
— Mas eu não tenho celular…
— Se vira.
Kadu perdeu o chão.
— Se vira…?
E encarou o cartão, boquiaberto.
YukiKiller12.
— — —
— Emprestar meu celular? Sem chance!
— Agora que você decidiu ser útil? Nem pensar!
Seus pais nem sequer ouviram direito.
Como iria falar com ela? A Yuki… ela conhecia o Black Novice? Se bem que ela, ele lembrou, costumava jogar todo tipo de jogo. Era genial na maioria deles. Não seria difícil que ela jogasse CARD, também.
Mas o problema de como falar com ela era só a primeira dificuldade. A segunda, pensou ele, era impossível. Mesmo se conseguisse um celular, duvidava se daria certo. Ela não ia falar com ele. Não, ela não iria querer falar com ele.
Encurtando uma longa história de drama adolescente, eles brigaram feio, certo dia. Nunca mais enviaram mensagens um para o outro. Nem memes. Nem postagens de qualquer tipo. Era como se não existissem no mesmo mundo.
Fazia quase um ano, mas ele sabia. Sabia que ela estava magoada com ele. O período em que ficaram trancafiados em casa, durante a pandemia da COVID-19, se resumiu em longas madrugadas de jogatina — e conversavam via ligação.
Conhecia o jeito dela. Sabia como ela era orgulhosa.
Mas por que ele teria que falar com ela? O que ela tinha a ver com o Black Novice? Eram irmãos? Eram amigos? Parceiros? Namorados…?
Ele balançou a cabeça. Não queria pensar nisso. Se ela namorasse o Black Novice, ele ficaria irritadíssimo. Não sabia o porquê, mas decidiu fingir que era impossível. Que devia ter outro motivo. Qualquer um que não fosse esse.
Se esse era o caso…
“Tem um jeito…”
Mas era loucura.
“É a única opção…”
Tomando fôlego, levantou da cadeira. Estava em seu quarto, diante do computador. Computador esse que era tão fraco, mas tão fraco, que não conseguia executar Super Mario World, de Super Nintendo, sem travar tudo.
O quarto, limpo, parecia uma ilusão. Uma prisão. Sentiu-se sufocado, agora que sabia o que tinha que fazer. Ele abriu a porta e saiu. No corredor, olhou para a direita, e viu a mesa da cozinha, bem lá no finzinho.
Seus pais estavam jantando. Despreocupados, eles conversavam sobre a decoração da árvore de natal que iam montar. Queria que eles soubessem a fria em que ele ia se meter. Apertando os punhos, aceitou o destino, encarando a porta diante dele.
Aquela porta era especial.
Quando vocẽ é o filho do meio, o primeiro sapo a se engolir era o de que você não existia. Que você não era especial. Que o mais novo recebia presentes, carinho e atenção, e o mais velho era respeitado, confiável e o exemplo a ser seguido.
Você teria de aceitar que o seu irmãozinho, mesmo gostando de ti, não iria querer ser como você, quando crescesse. Teria de ouvir seu irmãozão dizer que tudo que você faz é errado, e que a única coisa impressionante em você, era o fato de serem parentes.
Kadu era o filho do meio, e a porta diante dele era de João Pedro, o irmão mais velho. O cara que fazia faculdade. O cara que reclamava do fim do período letivo, da pressão não cair em PFs e ficar sem dinheiro pro R.U.
“É loucura.”
Era loucura, e ele sabia disso, mas a única pessoa com um celular naquela casa, além dos pais, era ele. Era sua única opção. A última esperança. Mesmo sendo loucura, tinha que tentar. Black Novice o desafiou, e Yuki lhe devia explicações.
Ele reuniu coragem, ergueu o punho e, antes de bater…
— Kadu?
Era João Pedro, com a escova de dentes na mão.
— Queria falar comigo? Ótimo, porque eu também quero.
O menino gelou.
— Anda, eu tô ansioso — disse João Pedro, abrindo a porta e entrando.
O coração de Kadu bateu mais rápido.
“Deu certo?”

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