Capítulo 15: Duelo de Abertura, parte 3.

O quarto era grande. A lâmpada emitia uma luz purpúrea, dando um aspecto de rave ao cenário. Havia alguns pôsteres de bandas, que Kadu nunca ouviu falar, e bonecos de Star Wars em prateleiras brancas. Mais importante, porém, era a mesa ampla, bem no canto do quarto, longe da vista de quem entra.

Lá estava ele, o computador de João Pedro.

O irmão mais velho, sempre distante, agora sorria para Kadu, que estranhou. Desde quando seu irmão gostava dele? Ano passado, ele vivia gritando com todo mundo, inclusive com os pais. Era irritadiço.

Passou o ensino médio inteiro sendo um porre, um mala sem alça ambulante que só sabia reclamar. Vivia saindo cedo e voltando tarde da noite, sem dizer pra onde foi, nem com quem estava. Era rebelde, impulsivo. 

Quem era esse rapaz maduro, de olhar calmo e rosto gentil? Não era João Pedro. Não tinha como ser ele. Em condições normais, aquela pessoa estaria dando petelecos na testa de Kadu. Foi lavagem cerebral, será? Bateu a cabeça?

Talvez fosse um alien disfarçado.

— Que foi? — perguntou o irmão, ligando o computador. — Tá caladão aí. 

“O que você esperava?”

— Seguinte, eu quase não acreditei nisso. Um amigo meu falava esse nome quase todo dia, mas eu nem ligava — disse ele, passando pelo login do sistema. — Tipo, eu nunca joguei esse jogo.

“Espera aí…”

Não era o que ele estava pensando, né? 

— Eu tava no youtube, de boa, aí o Bizarro postou um vídeo novo. O cara passou três meses fora da net, véi! E era sobre o torneio mundial desse jogo, o CARD. 

“NEM FUDENDO!”

— Aqui.

João Pedro deu espaço, arrastando a cadeira para o lado. Incrédulo, Kadu viu seu avatar do CARD na thumb do vídeo. O titulo era esse:

— O Campeão do CARD BR: White Master — leu João, animado. Seu sorriso era enorme. — Sabia que esse nome era familiar!

Em seguida, ele abriu outra aba e clicou no ícone do perfil, indo para a área de Troca de Usuário. Lá estava ele, o WhiteMaster64.

— É o seu nick, cara. Tu usa em tudo que é jogo… 

Ele entrou no perfil de Kadu, foi para a seção de Contas do Usuário, e foi scrollando a lista, exibindo inúmeras contas de jogos. Rolou, rolou e rolou, até parar no último. Ele girou o cursor do mouse sobre o nome… 

— CARD… 

Kadu, em choque, revistou cada cantinho de sua mente, procurando alguma memória, ou lembrança, sobre ter logado sua conta no computador de João Pedro. Nessa procura, seus olhos pousaram no gabinete sobre a mesa, nas figurinhas coladas nele… 

…E reconheceu uma.

“É o pc do papai… Espera, eu lembro…”

Num tempo bem distante, seu pai deixava ele usar aquele dinossauro. Um desktop branco, tão velho quanto uma senhora de cinquenta anos. Como aquilo suportava o Google Chrome? Nem ele sabia.

— Papai me deu mês passado — contou João, alisando a lateral do gabinete. — Disse que, agora que os celulares fazem de tudo, não precisava mais dele. Como eu preciso escrever os trabalhos da facul, eu peguei pra mim, antes que ele jogasse no lixo. Show, né?

Quem falava “show” naqueles dias? Seu irmão envelheceu tão mal assim?

— De qualquer forma, o Bizarro disse que você vai representar o Brasil!

— Eu vou? — falou Kadu, num fio de voz.

— Claro! Tu é o top um, véi! O melhor jogador de CARD do servidor brasileiro! É óbvio que escolheriam você!

Bem, Kadu tinha uma opinião diversa, mas não mostrou. 

— Mas não era só por isso que eu queria falar contigo… — murmurou João, como se quisesse guardar segredo. — Ele lançou outro vídeo.

— Outro vídeo?

— Sim, e esse me deixou preocupado. Tipo, muito preocupado.

João clicou no ícone com a foto do Bizarro, o youtuber de quem falavam. Entrando no canal dele, João mostrou o vídeo mais recente:

Polêmica! Black Novice desafia White Master para um duelo!

— Não sei se um duelo pode decidir o representante brasileiro, mas ia pegar mal se você não desse satisfação pra mídia. Os caras não pegam leve, sabia?

Kadu prendeu a respiração. As pessoas estavam de olho nele? Nele? “Meu Deus, é só um jogo!”, ele pensou. Como poderia ser tão sério?

— Black Novice te provocou, dizendo que você desistiu do Card. Isso me deixou puto. E ninguém além de nós sabe que um caminhão esbagaçou seu celular… 

E, nesse momento, ele pegou algo do bolso e mostrou para Kadu.

— Toma. 

Era o celular de João Pedro.

— Aceite o duelo.

Aquilo era real?

Ele estava, mesmo, ouvindo aquilo?

Alguém queria que ele jogasse? Que ele voltasse ao CARD? Que enfrentasse Black Novice, e lutasse pelo Brasil? 

— Eu… bem, eu… — Nervoso, Kadu apalpou os bolsos e pegou um cartão. — Achei… aqui tá o contato. É a conta do Instazam da Yuki.

— Yuki? — indagou João, olhando a frente e o verso do objeto. — Quem é?

— É uma… bem, é uma amiga minha.

— Ela conhece o Black Novice?

— Eu também não sei… — disse Kadu, sentindo um calor no rosto. — Um cara veio e me entregou isso. Se eu aceitasse o duelo, era pra falar com ela.

Ainda com o cartão em mãos, João deu voltas na cadeira gamer, girando. Leu e releu o nome de usuário da garota. 

— Algo errado?

— Não sei… esse cara que te entregou isso, ele te disse algo mais?

— Não.

Dando de ombros, João devolveu  o cartão.

— Posso? — perguntou Kadu, se referindo ao app Instazam, na tela do celular do irmão.

— Manda brasa!

Tomando coragem, White Master entrou no Instazam. Dez mensagens de dez amigos diferentes, todos virtuais. Indo na pasta de conversas arquivadas, ele encontrou a que tinha com Yuki.

Será que ela ia responder? Será que ia demorar? Tinha tantas perguntas! O que o Black Novice era pra ela? Por que deveriam se falar? Será que seria ignorado? Ela ainda usava essa conta?

Essa última pergunta era fácil de responder… 

“Ele não me daria o contato de alguém que não pode responder…”

Mas, por quê? Por que ela? O que Yuki tinha ver com isso? Digitou, parou. Digitou, e parou. O que deveria dizer? Deveria ser casual? Ele sabia. Sabia ser casual, sim, senhor! E, como senhor de si, enviou… 

WhiteMaster64: Oi.

— Mandei.

— Agora é só espe… 

YuKiller12: Demorou, hein?