Capítulo 9: Diário do versista.
09/11/2022
[Vidas de mentiras]
De quantas
Mentiras
Se faz um homem?
De quantas, quais verdades
Todos somem?
Quantas ilusões
Compõem
O tecido real
Que nos cobre
O tipo de medo
Que nos descobre?
E vela,
Por desvelar
O desviar
De olhos
Quando nos encontramos,
Encaramos
No reflexo
Da alma
Nos ouvimos
No eco
Das palavras
Que dissemos
Sem pensar
No lago,
Incomoda
No quarto
Não consola
O nexo
Que falta
No discurso,
No decurso
Das vidas
Que me tiras
Das idas e vindas
De mentiras
Que tu me contas
Deitou a caneta sobre a mesa, suspirando. Foi seu primeiro poema. Fez o que pôde, sangrou o coração sobre o papel, mas sentia que não estava bom.
Faltava alguma coisa. Talvez fosse experiência, ele pensava. Talvez fosse vocabulário, que sentia não ser muito. Talvez fosse bagagem literária, algo certamente aflitivo.
Mas se fosse falta de algo nato, que não dependesse dele, receava o medo de desistir. Se o que lhe faltava era genialidade, estava acabado.
Ele gostava de poesia. Gostava muito, muito mesmo. Não só adorava, mas buscava a força que sentia nos versos que vieram de almas generosas, gentis o bastante para dividirem sua vida.
Ele queria ser capaz de se expor. Queria imprimir a si mesmo no papel, para quem sabe entender quem ele era.
O mais cruel,
Perverso das criaturas
Incapaz de vomitar
Todo o mal
Que seu coração
Guarda no íntimo,
Com medo de contar
E sofrer com isso
Começou outro poema.
Acovardado
Entre os outros
Submisso
Abobalhado
Vê seu ímpeto
Barrado,
Quebradiço,
Misgalhado
O seu ego
Que enxerga,
Mesmo cego
A vontade
Que entrega
Quando se nega
No papel
Terminou. Ou será que não? Um poema nunca estava pronto. Não foi o suficiente. A dor era um segundo coração, batendo em frenesi.
Queria chorar…
“Mas não consegui.”
Você pode me achar
Piegas
Mas o que digo é real,
E se não for,
Me era
No instante
Em que falei
Quero que a caneta
Escreva o que eu penso,
Que as pessoas sintam
O que eu tanto, tento
Fazer parar de sentir
Me diga quem eu sou
Porque eu também
Quero saber
Se alguém pode falar
Esse tem que ser você
Que a voz
Dos outros
Grite a raiva
Que, de novo,
Quis sorri
Não pude chorar
Só rir
Caminhando
Sozinho
Achei o caminho
Da perdição
Interrupção,
Predição, adição
De todos os pontos
Isso é a interrogação
Descolado real
Alienado social
Surrado atual
O mais legal dos
Otários
A caneta largou os dedos. Queria escrever em terceira pessoa. Queria tirar de si, e pôr em outro, o sentimento que, abstrato, virou concreto de tanto doer. O diário é dele, então eu tenho direito de falar de mim mesmo da minha perspectiva.
Esse diário é meu, e eu me chamo Cidel.
10/11/2022
Se…
Se te calares agora
Poderá ouvir
O eco das vozes
Do vazio a vir
Se te calares agora
De algum jeito verá
As coisas da vida
Que venho mostrar
Se me permitires
Falar, conversando
Do amor que tenho
No coração levado
Verá que é besta
O que escrevo
Quando me vejo
Do teu lado
11/11/2022
Quanto ao passado
Talvez eu esteja errado
Quanto ao que penso
Do passado
Talvez ele não seja tão antigo,
Não em tempo
E nem em fatos
Que enumerar consigo
Porque o hoje é a reprise
Do que antes foi o presente
Com falsos “diferentes”
E eufemismos confortantes
12/11/2022
Geração sem futuro
O dia depois de ontem
Parece ser a forma
Dos dias que virão
Nada podemos fazer
Pois instituições
Decretaram sem rodeios
Que somos os mais burros
Herdamos a separação
Somos a continuação
De um filme de guerra falido
Geração sem futuro
Rodeada de fantasmas
Afogada em sujas,
Águas passadas
13/11/2022
Visão
Eu vejo gotas
Caírem todas assim
Umas sobre as outras
E você esperando “fim”
Agora que o véu
Do problema maior
Caiu do céu
Percebo meu alcance menor
Não há mais
Mares nunca dantes navegados
O que o pop fez
Nos tornou Dantes esgotados
E largados
Por aí
Poetas e astrólogos
Andam lado a lado
Um virou filósofo
O outro, pobre coitado!
Minha visão
Não é além do alcance
Horizonte falsificado
Não vendo chance
14/11/2022
Passarinho
O sol não se aprisiona
Pois amamos o seu raiar
E com a dor não se leciona
O que nos faz chorar
Alguém, por Deus, solte o passarinho
Lindo e solitário
Infeliz cantando
Sempre chorando, pobrezinho,
Em seu belo relicário
Sonhando acordado
15/11/2022
De mais profundo
Eu escrevo versos
Sobre luz
Usando a sombra
Que me conduz
A sobra de ti
Que me seduz
E eles, porém
como trabalho
Não irão ver
Pois não consideram esforço
O que faço por fazer
16/11/2022
A brisa levou
A sombra dos portadores do vento
E o sonoro rastro cinza
Que eles deixaram ficar
Sabem o quanto tento
Em tinta expressar
O que no vácuo deixo, ponho devagar
O que significa?
Nem eles sabem
Pois a brisa levou embora
A insana e perigosa verdade
Que eu diria aqui, agora
17/11/2022
Garota de Lugar Qualquer
Tu és um paradoxo
O problema perfeito
E filosófico
Mesmo não sabendo
De onde és
Eu bem sei,
Talvez sempre soube
Que para lá irei
Não sei de quando és
Mas sinto como se comigo
Tivesse crescido,
De boa vontade estado
Não sei quem és
Mas, em contra-ponto
Não preciso saber
De nada
Só preciso que sejas
Centrada igual ponto
Sem qualquer viés
Tu, que tem mil faces
Muitas bocas, muitas fases
Muitos porquês, muitas verdades
Perco de vista
Quando meu arco miro
Em ti, sadista alvo
Que a flecha firo
Ai de mim!
Pensei ter encontrado
E essa busca findado
(Centésimo erro)
18/11/2022
Confissões
I
Talvez,
Se eu recebesse
Um pouco, ou de uma vez
Uma palavra que me alegrasse
Ao invés dos seus sermões
Eu fosse mais calmo
Mais alegre, animado
Quem sabe até
Menos estressado
II
Meu corpo inerte,
Alma inquieta
Sentido sempre dúbio
Louco, na certa
Em lugar nenhum
De um mundo todo
Nos bolsos sempre levando
Punhados de um choro
Ressecado
III
Eu não pedi para ser assim
Então não fale desse jeito
Como se eu quisesse (e muito)
Te ouvir gritar sem fim
Não é como se fosse um sonho,
Um desejo meu
Ouvir reclamações suas
Roubar o tempo seu
Pois se não me ouves
Quando estou aqui,
Como podes esperar
Por compreensivas flores
Postas num vaso, ali?

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