Eternus e Margareth caminhavam lentamente pela tubulação de esgoto. Prosseguiam em silêncio, focando muito mais no caminho pelo qual trilhariam do que inventar um assunto para conversar. Em compensação, aquele silêncio era preenchido pelo pisoteio das águas sujas por onde passavam, e pelo escorrer da encanação pela via por onde seguiam.

    Após um tempo, Eternus percebeu que havia uma abertura à parede da tubulação. Não parecia algo que a própria instalação tenha construído, mas um artifício posterior, de quem quer que passasse por ali. Diante disso, ficaram em um impasse: seguiam em frente para ver até onde o encanamento acabava, ou adentravam pela estranha porta que viam?

    — O que achas, mentora? Seria melhor que entrássemos juntos para ver o que está aqui dentro, e depois descemos esgoto abaixo?

    — Me dá ânsia de vômito só de imaginar ficar aqui mais um tempo. Proatividade, robô. Você vai por aí e eu continuo em frente.

    — Mas e se algo der errado?

    — Se der errado você vai lá e me salva. Você o super policial, não é?

    — Sou uma criação imperfeita. Viste meus erros.

    — Tanto faz. Qualquer coisa eu te aviso. Nosso turno está quase acabando e vão dar falta da gente. Não podemos perder tempo. Você está com a escopeta aí?

    — Estou sim, senhora. No entanto, acho melhor que fiques com ela, enquanto eu, com a pistola.

    — Não vai me dizer que está com medo da potência da arma?

    — Não, mas porque, como fosses frágil, humana que és, precisas de melhor defesas. Eu, porém, já me contento com uma pistola. Meu corpo resistirá a todas as coisas. O seu, feito de carne e osso, não.

    — Tá… Me convenceu. Mas eu sou mais casca grossa que você.

    Dito isso, trocaram as armas entre si. Na verdade, Margareth não estava longe da verdade com a suposição que fizera, pois Eternus desgostava das armas, e de tudo quanto pudesse facilmente tirar a vida humana. Pensava consigo: “Com a pistola, ainda que eu acerte um suspeito, ele terá mais chance de sobreviver”, mas prudentemente omitiu o motivo, pois na exposição deste, certamente seria rejeitado. Tendo a arma em mãos, Eternus a analisou por inteira, e escondidamente a pôs na trava de segurança, para não correr riscos. Tudo que menos queria era assassinar alguém em seu primeiro dia de trabalho, e pelo ambiente e as circunstâncias, não faltava ocasião para que isso pudesse ocorrer.

    — Toma cuidado, mentora.

    — Toma cuidado você. Eu sei me cuidar.

    Dito isso, a oficial deu meia volta e prosseguiu esgoto abaixo, enquanto o robô a observava de longe, estando pronto para defendê-la se fosse preciso, até onde a pudesse enxergar. E quando ela desapareceu nas sombras, o robô abriu a porta ao lado e prosseguiu rumo ao que quer que o aguardasse.

    Quando Margareth ouviu a porta sendo fechada atrás, o eco ressoando por todo o caminho, ela ligou a lanterna que trazia em seu bolso e com ela se guiou pelo caminho. Engoliu seco, ao perceber que estava sozinha em lugar desconhecido, no mesmo lugar onde seu professor fora assassinado. Mas vivificada com coragem, engoliu seco, e rompeu a escuridão a frente com passos fortes e respiração pesada.

    Após alguns minutos a caminhar, em certo momento pisou em falso e deslizou por uma grande landeira escorregadia, ao longo de cuja queda seus gritos já não mais podiam ser ouvidos por quem quer que estivesse no nível do qual deslizara desfiladeiro abaixo. Deslizava de costas, e com os seus braços procurava se equilibrar pelo meio do encanamento, até que por fim a queda voltou ao ângulo normal, fazendo com que Margareth fosse projetada para frente, conforme a inércia com que caía. Gemendo de dor, levantou-se apoiando-se na escopeta que portava ao lado, limpando de si toda a sujeita que nela tinha grudado durante a queda. Mas ao levantar os olhos, a noturna penumbra invadia a sua frente: “acho que aqui é a saída do encanamento”, pensou consigo, e, mancando, seguiu em sua direção. Agarrou firme a sua escopeta, na qual acoplou a lanterna com que se guiara, e pôs-se em marcha, mesmo que mancando pela dor que sentia, até desembocar na saída do esgoto, que dava para outra queda pequena, um solo lamacento, possivelmente onde todo o esgoto era jogado.

    Parou diante da queda, e após dedicar alguns instantes para observar a área, viu lá, lá no meio, um corpo caído. Era o cadáver de Daniel, jogado às traças, no meio de toda lama, perfurado, sangrando, e sem as botas… A polícia estava ao redor, fechando o perímetro com a fita proibitiva; a escuridão daquela noite era iluminada pelo giroflex silencioso das viaturas policiais. O legista se punha agachado por cima do cadáver do policial, enquanto descrevia em seu relatório a possível causa de morte. Os outros oficiais se punham em patrulha, e um destacamento segurava os jornalistas que se entremetiam a relatar o ocorrido. Mas nenhuma das forças pôde segurar a jovem recruta, que, aos prantos, corria para ver o corpo de seu instrutor. Jogou-se de joelhos na lama, e deitou seu rosto lacrimoso sobre as costas de seu mestre, enquanto clamava por seu nome, como se fosse para acordá-lo, até ser contida por outros oficiais até um local seguro, ao tempo que se debatia para se ver livre e poder chorar à vontade a morte do querido professor.

    Tudo isso era apenas uma dolorosa lembrança de Margareth. Na realidade, apenas pôde encontrar o mesmo ambiente lamacento e sujo, sem nada de especial, senão talvez uma noite mais alumiada por uma melancólica lua cheia.

    O fúnebre silêncio da oficial, contudo, foi quebrado repentinamente quando, por detrás de si, ouviu uma voz rouca e seca:

    — Não te preocupes. Eu também fiquei triste em ocasião de sua morte.

    Virou-se apontando a sua escopeta, mas logo foi imobilizada por dois homens grandes que seguraram os seus braços e amordaçaram. Ela esforçava-se para sair, chutando as pernas dos dois trogloditas que a continham, mas sem surtir efeito. Via à sua frente uma figura misteriosa aproximando-se vagarosamente. Seu rosto era escondido por um chapéu fedora negro, que combinava com o resto de suas vestes, pelas quais se camuflava no escuro. Abaixando-se, tomou para si a escopeta que Margareth deixou cair. Ficou mais de perto de seu rosto, e fitou os olhos agudos de medo da oficial, diante dos quais retirou a sua própria máscara, revelando um rosto distorcido e derretido, o qual viu nos reflexos dos olhos aterrorizados da policial amordaçada, para a qual, continuando-se, disse:

    — Mas ele merecia tudo isso!

    Dito o qual, nocauteou-a com uma coronhada da própria escopeta.

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