Capítulo 3.

    Entre desvio de olhares, reverência e timidez, a nova criação percebeu de longe, no fim da avenida, um grande prédio, similar aos outros, mas ostentando à sua frente o símbolo da corporação policial daquela cidade: “NHPC”, “New Henrich Police Corporation”. Atravessando a rua, abriu-se-lhe a porta automática, revelando-lhe um novo interior, bem diferente daquele onde passou maior parte de sua recente vida. Não era branquíssimo ou limpíssimo, mas como uma casa aconchegante. Com piso de madeira, poucas janelas, e um calor ambiente fruto do esforço dos oficiais que saiam e entravam a cada missão, quase como um bafejo coletivo, sinal da vida de um só trabalho, o qual abraçou o recém-nascido robô, sendo-lhe a primeira impressão de seu novo ofício, muito embora esse calor fosse mais causado pelo aquecedor, que barulhava de fundo.

    Dando seus primeiros passos dentro do prédio, sentindo em suas costas o pequeno vento da porta que se lhe fechava atrás, fez ser percebida a sua presença. A fila dos que gostariam de ser atendidos à sua frente virou-se logo para vê-lo, e os atendentes inclinavam-se para discernir o que acontecia. De longe, vinha um destacado policial, negro, alto, corpulento, com passos pesados e de uniforme similar à pintura do corpo do robô.

    — Então esse é aquele projeto lá que o prefeito prometeu, é isso? Pensava que ia demorar um pouco mais para entregar. — Assim dizia enquanto se aproximava daquele par, objeto da atenção de todos. Parando na frente da máquina, mediu-a de baixo para cima, encarando-a profundamente nos olhos, os quais se desviam para o lado. Torcendo os lábios, disse:

    — Olha… Quem diria, hein? O que uma disputa acirrada por votos não faz, né? Admito que estou impressionado com o que vejo.

    — Agradeço pela admiração, sargento Williams. É a minha maior criação.

    — Aposto que deve estar muito orgulhoso do que fez. Qual o nome dele?

    Risonho, o doutor olhou para a máquina e disse quase sussurrando:

    — Vai, se apresenta! Ele é o seu chefe!

    Criando coragem, quase como se tomasse fôlego, o robô obedeceu, dizendo:

    — Sou criação do Dr. Alexander, o qual me deu o nome de Eternus. Sou fruto de um projeto para a criação de um policial mecânico, o qual tivesse perfeita compreensão das leis, diligência, resistência, e todas as qualidades necessárias para proteger o inocente. Esta é a minha missão.

    — E você é o quê? Um robô, um ciborgue, um…?

    — Ele é uma forma de vida artificial, sargento — respondeu o velho —, mas dotado de corpo mecânico. Mas eu o trato como uma pessoa de verdade.

    — Aqui, porém, ele não receberá o mesmo tratamento. — Respondeu o sargento, cruzando os braços — Ele será apenas instrumento das forças policiais para o cumprimento da missão. Portanto, não espere que eu vá tratá-lo como um de meus homens, doutor. Aqui ele tem tanto direitos quanto a impressora velha do meu escritório.

    Ouvindo essas palavras, o velho se entristeceu, mas sabia, no fundo, que não poderia lutar contra isso. Resignava-se com a verdade que lutava há muito por rejeitar.

    — Agora venha, Eternus, vou apresentar-lhe a sua equipe. — Dito isso, o sargento se virou e caminhou apressadamente até a sala de reunião, esperando que o robô o acompanhasse.

    — Vá, filho. E boa sorte, pois hoje é o dia para o qual você foi criado.

    Dito isso, o robô caminhou sozinho, seguindo seu chefe, em direção ao que quer que o aguardasse. Afastado um pouco, olhou por de ombros a seu velho criador, o qual apenas acenava de longe, sem deixar de fixar-lhe os olhos, junto com todos os ali presentes, que calados observavam a situação.

    — Por aqui, robô, se apressa — disse o sargento Williams, apontando para a sala onde a equipe estava reunida. Segurava para Eternus a porta, para que entrasse primeiro.

    Introduzindo-se no cômodo, os policiais que ora conversavam calaram-se e prestaram atenção no par que entrava. O sargento pôs-se no centro da sala, diante do parlatório, e, apresentando com a mão o robô, disse:

    — Este é o projeto de que o prefeito Meynard falou há algumas semanas, e que, creio, muitos de vocês estavam ansiosos por ver. Sim, admito que eu também estava, e estou muito impressionado mesmo! Mas peço, por favor, que se lembrem que ele é só uma máquina, é nosso instrumento, e não nosso colega de trabalho.

    Virando-se para Eternus e percebendo seu casto olhar, estralou-lhe os dedos em seu rosto e disse:

    — Ei, presta atenção. Quero que você olhe para sua nova equipe e guarde o rosto de cada um deles.

    Fechados os olhos por um momento, levantou sua cabeça e derramou sua visão por sobre todos da sala. Encontrava-se cada um sentado diante de mesas de madeira, e seus rostos variavam de surpresa, alegria e decepção. Alguns torciam os lábios, outros, sacudiam a cabeça, mas dentre aquela multidão de oficiais da lei, levantou-se uma mulher do meio da sala, branca, morena, de um metro e sessenta, e perguntou:

    — E como ele vai ajudar a gente, sargento?

    — Bem, ia falar sobre isso agora. Ele será enviado na patrulha com os senhores, fazendo aquele trabalho dos detetives, dos legistas, colhendo amostras, evidências, provas, enfim, todo o trabalho laboratorial e técnico, só que no campo. Agora, quando a situação engrossar, ele poderá servir de guarda e escudo para vocês, visto que ele possui blindagem completa. É como um tanque de guerra em miniatura, então tomem cuidado com ele, ouviram?

    — Na verdade — retrucou um policial do fundo —, são os vagabundos lá da periferia que vão ter que tomar cuidado com a gente, se tivermos ele em patrulha.

    — Ainda assim — continuou o sargento —, ele está completamente submisso a lei, e não poderá agir contra ela. E se ele vir um de vocês fazendo qualquer besteira, o departamento será imediatamente notificado, já que ele grava tudo que vê.

    Dito isso, um sepulcral silêncio desceu sobre toda a sala.

    — Então quer dizer que ele é tipo uma corregedoria ambulante é? É isso? — Respondeu outro oficial inconformado.

    — Meu Deus do céu, você ouviu o que eu disse, por acaso? Ele é um policial ciborgue com uma porrada de funcionalidades, e você está preocupado só com o direito dele de oferecer uma denúncia formal aos senhores caso façam besteira, é? Olha só, não vou discutir isso: se não agirem contra a lei, ele não agirá contra vocês, fui claro? Enfim…

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