Dito isso, o sargento se virou, subiu a pequena escada que tinha ao lado do parlatório, e, já acima de todos, disse:

    — Oficial Margareth, você será a encarregada de acompanhar Eternus durante a patrulha de hoje. Peço que se apresente a ele depois. Além disso, leva ele lá no laboratório técnico, o cara da TI disse que tinha que dar uma atualização nele. Agora.

    — Sim, senhor — respondeu a convocada oficial, a qual já se encontrava de pé pela sua pergunta anterior.

    Uma atualização em mim?”, pensou consigo o tímido robô. “O Dr. Alexander está a par disso?”. Enquanto pensava, a oficial levantou-se, caminhou em direção a porta e acenou para que a acompanhasse, ao que o robô obedeceu, mantendo seus olhos fixos em seus pés, para não olhar o seu rosto.

    — Aliás, quase ia me esquecendo, me desculpa… Meu nome é Margareth, sou instrutora dos novatos aqui. O sargento achou por bem designar-me para ser sua mentora, porque não confia muito nas máquinas, mas confia muito em mim. Espero que não se ofenda com isso.

    — Não se preocupe, não me ofendo com isso. O Criador disse que eu tenho que oferecer uma boa impressão. Creio que o sargento haverá de confiar em mim após a missão de hoje.

    — Espero que fim, viu? Vamos conseguir. Eu confio em você.

    — Agradeço.

    Dito isso, chegaram a sala onde o dito técnico estava. Encontraram-no fixado no seu próprio computador, teclando rapidamente o documento de seu trabalho, de costas para a porta, sem que pudesse perceber a visita. Para chamar sua atenção, Margareth bateu na porta, que estava aberta para dentro da sala, encostada na parede, ao que, percebendo sua presença, o técnico virou-se, retirando seus fones de ouvido, e, levantando-se, disse, com brilho nos olhos:

    — Nossa, ele já chegou?!

    — Já sim: ele está aqui ao meu lado, inclusive. Vamos, Eternus, entre aqui, apresente-se ao Michael.

    Entrando modestamente na sala, o maravilhado técnico mediu-o de cima a baixo, observando-o de todas a direções.

    — Mas nossa, você parece um humano mesmo, apesar do corpo mecânico.

    — O sargento disse que farias uma atualização em mim. No que ela consiste? — Disse-lhe Eternus melindrosamente.

    — Ah! Não se preocupe, é apenas uma atualização do banco de dados. — Dito isso, virou-se novamente para a sua mesa, abriu uma das suas gavetas e, do meio dos documentos, apanhou um pendrive, e continuou: — Aqui tem todos os dados de criminosos, investigações, câmeras de segurança pública. Ou seja, toda informação que a delegacia tem. Ahm… Você tem alguma entrada USB aí?

    — Sim, senhor. Em minha nuca, escondida pelo meu cabelo, poderás introduzir o dispositivo — disse apalpando a parte de trás de sua cabeça, enquanto inclinava levemente sua cabeça.

    — Isso não vai fritar o cérebro dele não, né? — indagou preocupadamente Margareth.

    — Claro que não. É como se fosse passar o arquivo de uma pasta a outra do computador. Tecnicamente, ele é um computador, então não vai dar em nada.

    Após isso, procurou com seus dedos a entrada atrás da sua cabeça. Como fosse alto, não lhe era uma tarefa difícil, pois tinha a mesma altura do robô. Uma vez encontrada, introduziu-lhe o pendrive, que logo então foi coberto com os prateados cabelos de Eternus.

    Permitindo o compartilhamento das toneladas de arquivos para dentro de si, Eternus fechou seus próprios olhos. Encontrava-se agora, em seu íntimo, no meio dum grande vazio, como um homem por entre as estrelas num vasto cosmo. Cada estrela era como uma diretriz, uma parte da sua programação, uma memória. Via dentro de si como o nascimento de novas constelações, conhecendo o que cada uma significasse.

    Entretanto, apesar de que, desde sua criação, o Dr. Alexander lhe dissesse que haveria de ter contato com a maldade humana, Eternus nunca experimentou a dimensão da iniquidade dos homens senão como por um ouvir falar. Na visão de cada uma daquelas estrelas, recebendo delas uma dolorosa energia, como raios de agonia que delas emanavam, lamentava consigo: “Oh!, tantas dores… Tantos sofrimentos.. Tantos casos sem solução, abandonados… Tantas famílias em profunda tristeza, tantas mães enlutadas de suas perdas… A inocência esmagada, a vida ceifada…”. Vinha-lhe em sua mente os roubos, os assaltos, os homicídios, os estupros, que vinham sobre eles como um enxame de abelhas. Sentia seu coração transpassado por lanças, as quais dentro dele queimavam como fogo de espinhos. Não pudera aguentar em seu próprio coração todo este mal.

    De fora, os dois oficiais percebiam a feição de Eternus mudando para uma grande tristeza. Entreolharam-se, recebendo empaticamente consigo o sentimento daquele robô. Voltando os olhares para aquela criação, perceberam uma lágrima cair de seus olhos. Batendo no peito, pensavam consigo: “Pelo visto, máquinas também sentem”.

    De dentro, resistindo como podia à iniquidade que recebia, uma estrela pousou em sua frente, iluminando seus olhos com um raio cegante. Via-se então caído num chão sujo e empoeirado, sem forças para ficar em pé. Levantando a cabeça, uma estranha figura de sobretudo preto andava em sua direção.

    — Esta é a consequência de tuas próprias ações, Daniel — disse a figura misteriosa. — Em tua morte, sofrerás em tua pele o mal que me fizeste!

    Sentiu consigo um medo, uma vontade de fugir, mas sem conseguir. Era como se seus membros estivessem inutilizados. Naquele mesmo lugar, caído, gritou por ajuda, clamando por seu Criador, por Margareth, pelo Sargento, por Michael, mas…

    — Pobre coitado. Ninguém virá para te salvar. Abandonaram-te como fui abandonado! Como é o gosto de minha própria dor, Daniel?

    De fora, Eternus caiu por terra, ajoelhando-se no chão. Punha em sua cabeça a sua mão, e a outra em seu joelho, como se esforçasse muito para suportar uma elevada dor. Assustaram-se com isso aqueles dois presentes.

    — Eternus?! O que está acontecendo, você está bem? — Disse Margareth, enquanto lhe apalpava as costas, segurando em seu braço, evitando-o de cair. — Michael, faz alguma coisa!

    O técnico estava congelado diante da situação. Mal sabia o que fazer. No desespero, retirou-lhe rapidamente o pendrive de sua nuca, sentindo sua cabeça muito quente. Seus olhos estavam como de um morto, olhando para lugar nenhum, como pensasse nos próprios vales que vira receber dentro de si, processando todas as iniquidades que como setas de raios o atingiram.

    — Robô? Me responde! Você está bem? O que aconteceu?

    Na insistência de ser respondido, Eternus, levantando-se do chão, dirigiu ao técnico um fixo olhar, penetrando-lhe sem temor algum em seus olhos, e, com um firme rosto, disse:

    — Vamos para nossa missão de hoje, técnico. Em algum lugar deve ter algum crime acontecendo.

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